Intolerância
religiosa por religiosos:
a cruzada
neopentecostal baseada no preconceito
Especial
para o Humanitas
Perimar Moura.
Biólogo e Professor.
Foi de sua autoria o primeiro texto do Humanitas,
Primeira página do nº 00 – Agosto de 2012. Mora em Ilhéus/BA
Muito se fala
no Brasil sobre laicismo, mas poucos ainda se apropriam do significado real
dessa palavra. Inserida na Constituição Federal de 1988, assegura a liberdade
de credo e culto, bem como a liberdade de não se ter qualquer dos dois para
todo o povo brasileiro, ou seja, o Estado brasileiro não beneficia essa ou
aquela religião, dando liberdade de expressão e direitos iguais a todas as
linhas de pensamento acerca da religiosidade.
Na contramão
disso, o que vemos é um desrespeito total da legislação, com imagens católicas
em diversas repartições públicas e, o pior, uma bancada evangélica tentando
legislar em causa própria.
No meio
desse fogo cruzado, as religiões de matriz africana no Brasil vêm sofrendo
retaliações e sendo vítimas de diversas agressões por parte das religiões
cristãs.
Desde
quando? Desde sempre! Para entender o processo pelo qual se chegou a isso,
precisamos voltar no tempo e entender o processo de colonização do país.
O
cristianismo é conhecido por ser uma das religiões mais imperialistas em vigor. A imposição era a
ferramenta da dominação utilizada com as etnias indígenas que aqui já estavam.
Com a escravidão das etnias africanas trazidas para cá, esse processo
tornou-se ainda pior. Eram proibidos de praticar suas crenças e obrigados a
aceitar o cristianismo.
Nesse contexto
surgiram o Candomblé e a Umbanda, como uma união de diversos cultos de
diferentes povos africanos.
Para
manter a fé, os afros usaram o subterfúgio do sincretismo, forma de resistência
velada de suas crenças. Apenas no século XX é que houve melhor aceitação das
religiões de matriz africana pela sociedade, e ainda assim o preconceito não
deixou de existir.
Ocorre
que nos últimos anos vimos uma queda do número de brasileiros que se declaram
católicos e um vertiginoso aumento dos praticantes das religiões
neopentecostais.
A
coisa muda então de figura, pois os novos adeptos são fundamentalistas por
natureza e seus pastores principais enxergam o grande negócio que o fanatismo
religioso pode ser... nunca se falou tanto em dízimo.
Esses
novos cristãos são ferozes na
tentativa de propagação de sua fé, trazendo uma intolerância ainda maior que o
catolicismo, inclusive sobre outras questões como o racismo, a
homossexualidade, o sexismo e outras formas de preconceito.
Surge
novo movimento iconoclasta. A violência então é perpetuada na forma mais
agressiva no uso de termos pejorativos, no ataque a elementos de outras
religiões, na desmoralização de símbolos religiosos, partindo para o ataque
físico com a invasão de templos, terreiros e outros centros de culto, com
quebra de imagens de santos e orixás.
O
próprio catolicismo tem sido atacado, mas a crueldade é ainda maior em relação
às religiões de matriz africanas.
Aliado ao fanatismo vem também a
marginalização dos afrodescendentes com o processo cínico da abolição nos
moldes em que ocorreu aqui no Brasil.
Na
tentativa de inferiorização dos povos escravizados houve a demonização de suas
expressões religiosas.
E
(que ironia!) logo para esses povos que não têm demônios nem o conceito de
pecado em sua religiosidade. Talvez seja por isso que parece tão perigoso aos
olhos de um cristão, principalmente o neopentecostal, que pessoas sigam tais
pensamentos, menos proibitivos, portanto mais libertários.
Temos
vivenciado inúmeros ataques a terreiros de Umbanda e Candomblé pelo Brasil, bem
como a seus integrantes. No comando disso temos os renomados e famigerados
pastores que figuram nas listas dos mais ricos do país, donos de emissoras de
televisão, empresas de marketing e agora arraigados no Senado e no Congresso
Federal.
O poder
desses grupos é tão notório que tivemos de ouvir do presidente da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias, o deputado/pastor Marco Feliciano, a declaração de
que africanos são descendentes de um ancestral
amaldiçoado por Noé e que sobre a África repousam maldições como
misérias, doenças e fome.
Isso tem de
acabar!
A laicidade
do Estado tem que ser executada em sua completude, e não ser mantida como pano
de fundo para esse circo de horrores que tem muito mais de interesse econômico
e político do que expressão religiosa.
Penso que
duas frentes devem ser abordadas para resolver essa situação.
A primeira é
a educação, levar informação e trabalhar a tolerância, a aceitação do diferente
sem hierarquização, sem a valoração de melhor ou pior, mostrando que
pensamentos diferentes podem coexistir em harmonia quando há respeito pelo
direito do outro.
A segunda é
o uso da justiça de forma adequada para todo caso de abuso.
Agressão por
intolerância religiosa é crime inafiançável e quem agride deve ser tratado como
criminoso, com as devidas penalidades previstas em lei.
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