segunda-feira, 27 de julho de 2015

HUMANITAS Nº 38 – EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO – AGOSTO 2015 – PÁGINA 5

Intolerância religiosa por religiosos: 
a cruzada neopentecostal baseada no preconceito
Especial para o Humanitas
Perimar Moura. Biólogo e Professor. 
Foi de sua autoria o primeiro texto do Humanitas, Primeira página do nº 00 – Agosto de 2012. Mora em Ilhéus/BA

Muito se fala no Brasil sobre laicismo, mas poucos ainda se apropriam do significado real dessa palavra. Inserida na Constituição Federal de 1988, assegura a liberdade de credo e culto, bem como a liberdade de não se ter qualquer dos dois para todo o povo brasileiro, ou seja, o Estado brasileiro não beneficia essa ou aquela religião, dando liberdade de expressão e direitos iguais a todas as linhas de pensamento acerca da religiosidade.
Na contramão disso, o que vemos é um desrespeito total da legislação, com imagens católicas em diversas repartições públicas e, o pior, uma bancada evangélica tentando legislar em causa própria.
No meio desse fogo cruzado, as religiões de matriz africana no Brasil vêm sofrendo retaliações e sendo vítimas de diversas agressões por parte das religiões cristãs.
Desde quando? Desde sempre! Para entender o processo pelo qual se chegou a isso, precisamos voltar no tempo e entender o processo de colonização do país.
O cristianismo é conhecido por ser uma das religiões mais imperialistas em vigor. A imposição era a ferramenta da dominação utilizada com as etnias indígenas que aqui já estavam.
Com a escravidão das etnias africanas trazidas para cá, esse processo tornou-se ainda pior. Eram proibidos de praticar suas crenças e obrigados a aceitar o cristianismo.
Nesse contexto surgiram o Candomblé e a Umbanda, como uma união de diversos cultos de diferentes povos africanos.
Para manter a fé, os afros usaram o subterfúgio do sincretismo, forma de resistência velada de suas crenças. Apenas no século XX é que houve melhor aceitação das religiões de matriz africana pela sociedade, e ainda assim o preconceito não deixou de existir.
Ocorre que nos últimos anos vimos uma queda do número de brasileiros que se declaram católicos e um vertiginoso aumento dos praticantes das religiões neopentecostais.
A coisa muda então de figura, pois os novos adeptos são fundamentalistas por natureza e seus pastores principais enxergam o grande negócio que o fanatismo religioso pode ser... nunca se falou tanto em dízimo.
Esses novos cristãos são ferozes na tentativa de propagação de sua fé, trazendo uma intolerância ainda maior que o catolicismo, inclusive sobre outras questões como o racismo, a homossexualidade, o sexismo e outras formas de preconceito.
Surge novo movimento iconoclasta. A violência então é perpetuada na forma mais agressiva no uso de termos pejorativos, no ataque a elementos de outras religiões, na desmoralização de símbolos religiosos, partindo para o ataque físico com a invasão de templos, terreiros e outros centros de culto, com quebra de imagens de santos e orixás.
O próprio catolicismo tem sido atacado, mas a crueldade é ainda maior em relação às religiões de matriz africanas.
 Aliado ao fanatismo vem também a marginalização dos afrodescendentes com o processo cínico da abolição nos moldes em que ocorreu aqui no Brasil.
Na tentativa de inferiorização dos povos escravizados houve a demonização de suas expressões religiosas.
E (que ironia!) logo para esses povos que não têm demônios nem o conceito de pecado em sua religiosidade. Talvez seja por isso que parece tão perigoso aos olhos de um cristão, principalmente o neopentecostal, que pessoas sigam tais pensamentos, menos proibitivos, portanto mais libertários.
Temos vivenciado inúmeros ataques a terreiros de Umbanda e Candomblé pelo Brasil, bem como a seus integrantes. No comando disso temos os renomados e famigerados pastores que figuram nas listas dos mais ricos do país, donos de emissoras de televisão, empresas de marketing e agora arraigados no Senado e no Congresso Federal.
O poder desses grupos é tão notório que tivemos de ouvir do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o deputado/pastor Marco Feliciano, a declaração de que africanos são descendentes de um ancestral amaldiçoado por Noé e que sobre a África repousam maldições como misérias, doenças e fome.
Isso tem de acabar!
A laicidade do Estado tem que ser executada em sua completude, e não ser mantida como pano de fundo para esse circo de horrores que tem muito mais de interesse econômico e político do que expressão religiosa.
Penso que duas frentes devem ser abordadas para resolver essa situação.
A primeira é a educação, levar informação e trabalhar a tolerância, a aceitação do diferente sem hierarquização, sem a valoração de melhor ou pior, mostrando que pensamentos diferentes podem coexistir em harmonia quando há respeito pelo direito do outro.
A segunda é o uso da justiça de forma adequada para todo caso de abuso.
Agressão por intolerância religiosa é crime inafiançável e quem agride deve ser tratado como criminoso, com as devidas penalidades previstas em lei.

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