segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PRIMEIRA PÁGINA

DIA DE NATAL! DIA DO CAPITALISMO!

Quando buscamos a verdadeira história do natal, acabamos diante de rituais e deuses pagãos. Jesus Cristo foi colocado como penetra numa festa que nada tinha a ver com ele. Afinal de contas, não existem provas de que tal indivíduo existiu e muito menos que nasceu em um 25 de dezembro. O verdadeiro simbolismo do natal oculta uma antiga história criada pelo homem. A festa tem origem no paganismo. Também vemos o glamour do Papai Noel que aparece nessa data com a corrompida mensagem capitalista.
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- LEIA MAIS NA PÁGINA 8 -
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Na PÁGINA 6, leia a continuação do artigo da escritora Divina de Jesus Scarpim  (São Paulo-SP)
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Na PÁGINA 5, o artigo do escritor Araken Vaz Galvão (Valença/BA) especulando sobre a Eternidade
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Na PÁGINA 2, veja o texto de Décio Schroeter (Porto Alegre/RS) sobre a noção de alma

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 2

EDITORIAL
Crendice e alienação

O dia 25 de dezembro é uma data que tem como objetivo explorar a crendice popular e lucrar com a alienação humana. O dia 25 de dezembro possui uma história simples que começou pelo menos há 7 mil anos antes da Era Comum.
Tão antiga quanto a civilização! Celebrava-se o solstício de inverno no hemisfério norte, ou seja, a noite mais longa do ano. Da madrugada desse dia em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para a luz: o renascimento do Sol.
Numa época em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. Então, tudo era festa.
Na Mesopotâmia durava doze dias. Na Grécia, cultuava-se Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa. No Egito, lembrava-se a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Na China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza.
Na Grã-Bretanha, os povos comemoravam o Dia do Sol em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 antes da Era Comum.
Na Roma Antiga, o deus Mithra ganhou celebração exclusiva: o festival do Sol Invicto, evento que passou a fechar outra festa dedicada ao solstício: a Saturnália, que durava uma semana e servia para homenagear Saturno, senhor da agricultura.
Depois, o cristianismo romano incorporou todos os festejos dedicados ao deus Mithra, criando, repaginando e perpetuando, violentamente, através da cruz e da espada, essa data de 25 de dezembro como sendo a do nascimento de uma lenda chamada Jesus Cristo.
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A noção de alma
Décio Schroeter – Porto Alegre/RS

Toda a noção de "alma" é imaginária. O conceito de "alma" foi inventado pela religião, porque muitas pessoas têm dificuldade para enfrentar sua própria mortalidade. Ela até pode fazer as pessoas se sentirem melhor com essa auto-ilusão, mas o conceito é uma completa invenção.
É quando você pensa sobre as reações químicas que alimentam a sua vida e seu cérebro que você percebe o quão completamente imaginário sua "alma" é verdadeiramente. E nesse ponto, tudo sobre religião é desvendado e desmistificado.
Volte para sua infância quando você era criança e percebeu que o Papai Noel era imaginário. Assim você descobriu o que, era óbvio. Renas não voam. Um homem não pode deslizar para dentro de chaminés. Não há nenhuma maneira de um trenó poder transportar todos os brinquedos para todas as crianças do mundo.
É óbvio que os seres humanos são grandes reações químicas. Sua "alma" é fazer lhe crer como santa durante e após a morte. Quando as reações químicas param, o sonho acaba, você morre. Esse é o fim de tudo.
Sabendo disso, você pode ver que tudo sobre a religião é imaginação. É tudo ficção ter acreditado em todas essas crendices e dogmas religiosos por séculos. O comércio de alma é um comércio muito rentável, ou pelo menos costumava ser.
Exemplos de pessoas que colocaram suas almas no mercado são algumas estrelas de cinema, João de Deus, (p)Edir Ma(is)cedo, Silas Mala(cheia).
O homem tem sido condicionado pelas diferentes religiões a viver na miséria e em sofrimento e autotortura até a sua morte.
A ele são dadas promessas e grandes recompensas na Terra do Nunca para depois da morte como possibilidade real.
Quanto mais ele sofre, tortura a si mesmo, é masoquista, destrói sua dignidade, mais ele será recompensado.
Esse é um conceito muito conveniente para o sistema, porque o homem que está pronto para sofrer pode ser facilmente escravizado.
O homem que está pronto para sacrificar o hoje por um amanhã desconhecido, já declarou sua inclinação para ser escravizado.
O futuro se torna uma escravidão. Essa ilusão é a psicose coletiva criada pelas religiões.
Como disse o escritor e pesquisador, Alfredo Bernacchi: “Acho que essa palavra [sobrenatural] nem deveria existir, porque tudo é natural, provém da Natureza. Esse negócio de espiritual é pura fantasia disseminada pela religião que quer o seu dinheiro. Só isso".

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO

A CASA AZUL
Talis Andrade- Recife/PE

Eu poderia ser feliz
em uma casa azul
à beira de um lago

Uma casa azul
ladeada por árvores
uma casa azul
com varandas
nos lados

Uma casa azul
com sinos de vento
e o canto dos pássaros
eu poderia ser feliz

Se existisse uma casa azul
de tão bonita a casa
talvez você consentisse
em morar comigo.

Talis Andrade é pernambucano da cidade de Limoeiro. Poeta, jornalista e professor. Mora no Recife. Foi diretor de redação em diversos jornais pernambucanos e professor dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Católica de Pernambuco. É autor dos livros Esquife Encarnado (1957), Poemas (1975), Cantiga para um Ícone Dourado (1977), O Tocador de Realejo (1979), O Sonhador Adormecido, Vinho Encantado (2004), Os Herdeiros da Rosa, Os Sertões de Dentro e de Fora, Romance do Emparedado (2007), Os Cavalos da Miragem, A Partilha do Corpo (2008) e O Enforcado da Rainha (2011)
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TÉDIO
Rafael Rocha – Recife/PE

A morte é o tédio permanente
dos seres humanos.
Uma paz desintegrada
de carnes e de ossos.

Estar vivo é ser brilhante
lâmpada elétrica
iluminando salas.

No meio do caminho
o gerador da luz
se desintegra
e a vida
se apaga.

Rafael Rocha Jornalista, escritor e poeta. É pernambucano. Nasceu na cidade de Olinda/PE no dia 1º de outubro de 1949, mas foi registrado na cidade do Recife, capital de Pernambuco, onde mora. Atuou nos jornais Diário de Pernambuco (1989/2016), Jornal do Commercio do Recife (1979), e na Editora Comunicarte, em 1981. Tem 15 livros publicados: Meio a Meio (poesias); A Última Dama da Noite (romance); O Espelho da Alma Janela (contos); Marcos do Tempo (poesias); Olhos Abertos para a Morte (romance); Poetas da Idade Urbana (poesias em parceria com os poetas Genésio Linhares e Valdeci Ferraz); Felizes na Dor – Tributo ao poeta Charles Bukowski (poesias); Contos Delirantes com Versos em Bolero (contos e poemas); Abismo das Máscaras (poesias); Poemas dos Anos de Chumbo (poesias); Loucura (poesias); Andanças (romance); Farol (poesias); Encíclica dos Homens – Encyclicae Hominum (poesias); Tudo Pode Ser Amor (poesias).

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 4

LEMBRANDO JOSÉ OITICICA:
ANARQUISTA BRASILEIRO POR EXCELÊNCIA
Especial do Humanitas

Em 1929, o jornal anarquista Acção Direta, tendo como seu administrador e editor José Oiticica (1882/1957), estampa na primeira página de seu terceiro número um pequeno texto em que o termo antes denominado anticlerical é substituído por antirreligioso:
Aos camaradas anarquistas de qualquer localidade neste Brasil dos padres e freiras, conciliamos a redenção de ligas regionais e antirreligiosas. Reparai bem, camaradas, que não dizemos anticlericais.
O problema do combate ao ópio religioso alargou-se no Brasil. Já não temos de guerrear somente o padre católico. De alguns anos a esta parte outros semeadores de mentiras e compadres do capitalismo invadiram as terras de Santa Cruz.
Surgiram os espíritas, vão crescendo os positivistas e, principalmente, intensa e avassaladora é a obra dos protestantes.
Todos eles são fanáticos, dogmáticos, anticientistas, pregam o respeito à propriedade e à autoridade, ensinam a renúncia, a resignação à propriedade. Cumpre guerreá-los por todos os meios.
O culto católico e a doutrina católica são sobrevivências de um estado social incompatíveis com os costumes, aspirações e conhecimentos modernos. Persistem na massa ignorante ou na burguesia aproveitadora, como persiste a quiromancia, a leitura de cartas, o profetismo, fatal aos consulentes e lucrativo para os conselheiros. A Igreja tem a vantagem de uma organização internacional antiga, de bases econômicas carcomidas, mas ainda válidas, e do patrocínio capitalista eficaz.
Tudo isso, porém, está sendo herculeamente solapado pela crítica histórica e pela propaganda revolucionária.
A primeira tem quase demonstrada a não historicidade de Jesus, dos apóstolos e talvez de São Paulo. Os defensores de Jesus histórico estão sendo definitivamente acuados e, de concessão em concessão, virtualmente se confessam vencidos. Mais alguns anos e essa demonstração será evidenciada.
Demonstrado o caráter fictício de Jesus, perde a Igreja Católica os mandamentos mesmos da sua razão de ser e os anticlericais terão a mais terrível arma contra os mantenedores da superstição cristã.
Urge, pois, que todos os revolucionários estudem a fundo esse problema de Jesus e se aparelhem com os argumentos vitoriosos da crítica moderna, para explanar às massas a origem e os processos criadores dessa grande impostura.
Oiticica em sua juventude estudou Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas do Recife que tinha em seu meio a inovadora ‘Escola do Recife’, criada pelo iconoclasta Tobias Barreto e que influenciou inúmeros intelectuais de sua época.
Essa escola era um vigoroso e atuante centro de agitação intelectual que rompia com o positivismo vendo nesta corrente de pensamento uma doutrina desumana e conservadora, e decide por superá-la através do humanismo.
Oiticica iniciou o curso de Direito, quando Tobias Barreto já não fazia mais parte deste mundo, faleceu em 23 de junho de 1889, mas ainda assim permanecia vivo nesse centro de estudos a influência do pensamento de Tobias Barreto, as suas ideias anticlericais, naturalistas, evolucionista e neokantianas.
Religião é um dos processos de subjugar o povo fazendo-o crer num ser onipotente, invisível, dono do Universo, castigador dos maus, premiador dos bons. Os maus naturalmente são os que se desviam das normas ditadas pelos sacerdotes e atribuídas à divindade.
Os bons são os que a elas se conformam sem nenhum protesto. No Ocidente europeu e americano, a religião dominante é a cristã, quer romana,  protestante ou ortodoxa. Ensina que um só deus verdadeiro existe, o Deus Javeh ou Jeová dos antigos hebreus, cujo filho Jesus Cristo, nascido de uma virgem, morto numa cruz, instituiu uma confraria de sacerdotes chamada Igreja. 
Os três ramos dessa Igreja divergem mutuamente, sobretudo o romano e o protestante, que se excomungam e se odeiam mutuamente. Os sacerdotes romanos chefiados pelo papa de Roma, têm a seu cargo salvar as almas humanas, separadas do corpo pela morte, dos castigos infligidos eternamente, num lugar de suplícios, o inferno. (OITICICA, J. A religião – em: LEUENROTH, E. Anarquismo: roteiro da libertação social – Rio de Janeiro; Mundo Livre, 1963. p. 202 -203)

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 5

INTRODUÇÃO (E ESPECULAÇÕES)
SOBRE A ETERNIDADE
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

Não faz muito, selecionei quatro livros (“Beira Rio, Beira Vida”, de Assis Brasil, editado em 1965; “Um Belo Domingo”, de Jorge Semprun, editado em 1980; “A Dança Imóvel”, de Manuel Scorza, editado em 1983 e “Respiração Artificial”, de Ricardo Piglia, editado em 1980), afirmando que eles eram os melhores que já tinha lido. Ou, pelo menos, disse que gostaria de tê-los (para a eternidade) ao meu lado na mesa de cabeceira, não só porque já os tinha lido várias vezes – sempre com renovado prazer –, como por desejar lê-los ainda várias vezes mais, durante o pouco de vida que me resta (que me deve restar, a julgar pela minha idade), pois eles eram uma deleite intelectual, pelo modo como aquelas histórias eram narradas – de forma magnificamente fragmentadas, cheias de divagações e com várias idas e vindas (as quais caracterizam minha forma de pensar), ou seja, bem ao meu gosto ou como tenho constatado que a própria vida nós faz vivê-la, levando-nos à situações insólitas ou, como disse o poeta, optar por escolhas ingratas, como dizer: “Prefiro escorregar nos becos lamacentos,/ Redemoinhar aos ventos,/ Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,” ao obrigar-nos a vivê-la de modo tão absurdo (constatada pelo lugar-comum, muito popular, tantas vezes por mim apregoado, insinuando uma fatal aceitação geral pelo povo, pois está sempre a afirmar, de maneira não isenta de tácita resignação e oculto sentido trágico: As voltas que a vida dá...) –, o que me intrigava sobremaneira, além de forçar a muitas reflexões sobre beleza estética e o mistério que esta situação inerente às grandes obras de arte desperta ou revela e até nos impõe. E impõe até mesmo em almas rústicas, não raro, amarguradas, como a minha.
Entretanto, pode ter influenciado na constatação de que aqueles quatros livros eram importantes, porém havia outros e outros, ou mesmo alguns que – no momento particular em que vivia, encantava-me sobremaneira, . Ademais, acabei por concluir que a eternidade era muito tempo, maior mesmo do que o tempo que me caberia viver. Então...
No entanto, não passou muito tempo e aqui estou eu, tentando escrever algo marcante, recorrendo à chamada sabedoria popular. Fizera-a ao colocar o título deste trabalho, faço-o agora ao evocar outra joia desta forma de proceder, além de ser obrigado a reconhecer que os juízos absolutos, além de perigosos, são, amiúde, contrariados de modo muito rápido.
Lendo o livro de Robert Musil, “O Homem sem Qualidades”, mesmo não tendo concluído sua leitura, deparo-me com uma assertiva a qual ainda que feita em outro contexto, levou-me a reflexionar sobre o que dissera em relação àqueles quatro livros. O que o personagem Utrich diz está relacionado a se dar um passo em falso, assegurando que um percalço deste tipo careceria de importância, pois o que importava era a atitude tomada a seguir.
Mais do que pela narrativa fragmentada, encantava-me nele outras razões bem diferentes das aventadas em relação às obras até então preferidas (encantava-me até mesmo pela característica pulverizada pela qual vivi minha vida). Não que elas deixassem de sê-lo. Não. A obra de Musil não tomava seus lugares, apenas me alargara a percepção. Sendo um ficcionista influenciado pela magia do universo mítico do sertão de minha terra – a qual associei e somei com o fantástico, mágico e maravilhoso retratado na literatura hispano-americana do século XX – sendo apenas um contador de história (bom, médio, ruim ou péssimo, é outra questão), teria mesmo que me deixar fascinar completamente, de modo fácil, por aquelas obras que são contadas da forma como as sinto melhor, para emocionar-me.
Comecei a supor que “As Mil e Uma Noites” versava sobre um praticante de assassinatos em série – mais amiúde classificado pela expressão do inglês estadunidense de serial killer –, que é enfrentado por uma mulher, a qual contraria (contrariava) todas as posturas feministas do século XX, por fazê-lo usando tão-somente de sua inteligência, pois tem plena consciência de sua inferioridade física, além da política e social. Afinal, goste-se ou não, ela estava destinada a ser apenas um objeto de prazer sexual e ele era o sultão. Vence-o com a força de sua inteligência, sem ter tido que queimar seu sutiã (o qual, não o usava, pois não tinha sito inventado, como tal), sem passeatas e exigências de leis que, em última análise, buscam obstaculizar o destino final da existência de macho e fêmeas no mundo.
E, tampouco, em imaginar que no contato entre pessoas do mesmo sexo (excluído as possíveis restrições impostas por alterações genéticas) estaria o jeito prático de se por fim a tirania dos homens contra as mulheres. Ao derrotar o sultão fazendo uso apenas de sua inteligência Xerazade teria sido a primeira feminista, despida de todo e qualquer conteúdo de lamentações e autopiedade.
 No entanto “As Mil e Uma Noites” é um clássico e fica óbvio que é consagrado mundialmente, frente ao qual cometo o sacrilégio de fazer esta interpretação, atrevida e extravagante, talvez, afirmando ainda que, na luta travada por sua inteligência contra a força bruta do sultão, Xerazade nos entreteve também (mais a nós, posto ter sido através dos tempos) com narrativas maravilhosas, ficando aquela suposta postura que lhe dei, por minha conta e risco – como diz o populacho (tão evocado neste trabalho) –, para surgir (não) no futuro, como muitas outras devem ter surgido.     
 E já que citei (com muita audácia, talvez até com petulância) uma das obras mais importante do mundo, atrever-me-ei a citar “Dom Quixote de la Mancha”, a magnifica obra de Miguel de Cervantes (1547-1616). Ousando a dizer que o que mais me impressiona neste livro é a ilusão, nascida de uma quimera, indutora de uma loucura a ela associada. Deixa-me pasmo também a sabedoria da ignorância – ignorância no sentido bem sertaneja, ou seja, no sentido de se ser analfabeto, ingênuo e simplório e, de forma inusitada, ser sagaz, matreiro e questionador. 
O restante, que é tudo, assombra-me ainda a fantasia e a manipulação com o ridículo, além do insólito ou do nonsense. Ademais, estava a suceder-me amiúde de gostar de obras que muitos especialistas classificavam como menores (ou não muito importantes ou renovadoras). Gostava, por exemplo, do conto de Aníbal Machado, “Viagem ao seio de Druília”, apesar de ver que pessoas de algo coturno intelectual dizer que aquele conto nada tinha de excepcional, que contribuísse com a arte de contar uma história ou de contribuir para o uso revolucionário da língua portuguesa, na literatura.

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 6


PESSIMISMO E REALIDADE (PARTE 7)
Divina Scarpim colaboradora deste Humanitas é professora e escritora. Atua em São Paulo/SP
 O egoísmo leva pessoas a serem más, ou a agirem com bondade - ou ilusão de bondade - por ambição, e essa ambição não precisa ser por dinheiro ou poder, pode ser por reconhecimento e simpatia.
Ser um herói ou uma heroína parece algo muito tentador, e um mártir é uma espécie de herói.
Quando sofro e exponho meu sofrimento, estou também chamando a atenção e me tornando mártir-heroína aos olhos da outra pessoa, quem garante que não estou exagerando esse sofrimento, ou mesmo buscando-o para ser vista dessa forma tão especial?
Acho que muita gente faz isso, acho que muita gente fez isso. Acho que os mártires de qualquer religião (elas costumam ter muitos deles), além de alcançar o paraíso ou ter direito a setenta e duas virgens, se tornaram mártires também para serem admirados e louvados pela eternidade.
Acho também que até mesmo inquisidores se tornaram ativos porque o “trabalho terrivelmente sofrido” deles aos seus próprios olhos (afinal, para um homem santo, infringir dor a alguém é um sofrimento atroz, não é mesmo?) era uma espécie de sacrifício que os levaria aos livros de história como mártires da fé.
Madre Tereza de Calcutá é um exemplo recente e bem-sucedido de aparência de bondade egoísta e tremendamente má.
Aposto que, enquanto negava alívio ao sofrimento das pessoas de quem “cuidava”, ela se regozijava por ser, além de merecedora do paraíso cristão, digna da imortalidade dada pela história.
Quando éramos crianças, um de meus irmãos tinha bronquite e tinha crises terríveis que algumas vezes obrigava meus pais a levá-lo ao médico e passava a noite no hospital. Como resultado disso e de já ter perdido uma filha, minha mãe tinha uma enorme preocupação para com esse meu irmão.
Eu e meu outro irmão nos sentíamos negligenciados e, muitas vezes, fingíamos dores e doenças para que nossa mãe desse a nós tanta atenção quanto dava a nosso irmão doente.
A bronquite do meu irmão desapareceu quando ele cresceu e adquiriu mais resistência, mas sempre que me sinto doente, antes de dizer a alguém ou de procurar um médico, dou uma parada, procuro pelo sintoma com atenção e me pergunto: “- Estou doente mesmo ou estou fingindo?”.
Da mesma forma que me vigio para não fingir doença com o objetivo de receber atenção e cuidado do meu marido, preciso checar meus sentimentos, minhas opiniões e minhas ações para saber se não estou agindo por puro egoísmo.
Se não estou escondendo algum desejo ou intenções escusas e inconscientes por trás dessa opinião e dessa ação, preciso me vigiar.
Isso para saber que não estou expressando - ou concordando com - opiniões que na verdade não tenho para que as pessoas pensem que sou uma pessoa boa, nobre ou inteligente.
Como animais sociais que somos, podemos negar à vontade, mas a opinião dos outros a nosso respeito importa sim!
Precisamos trabalhar muito nossa personalidade para que consigamos deixar de valorizar a opinião alheia a ponto de permitir que isso determine nossas ações, mesmo que de forma inconsciente.
Se você não o fizer, pode até mesmo ser levado a praticar atos de maldade, casando o egoísmo e a vontade de agradar com a economia de energia.
Tento ser muito vigilante, evito expor meus problemas, lamentar minhas dores, reclamar da minha vida, fazer confissões muito íntimas para não correr dois riscos ao mesmo tempo: o de estar causando mal à pessoa com quem falo sobrecarregando-a com meus problemas quando ela certamente tem seus próprios problemas com que se preocupar, e o de estar, inconscientemente, procurando atenção, admiração e deferência, de estar fingindo que minhas dores são maiores do que na realidade são apenas para parecer melhor do que realmente sou.
Para mim, o difícil de fazer isso é que nunca tenho uma resposta totalmente confiável porque sei que posso estar “fingindo que não estou fingindo”. 
Eu não sou confiável, acho que nenhum de nós é.

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 7

AMAZONAS: MAIOR BACIA HIDROGRÁFICA
DO MUNDO
Rafael Rocha é jornalista e editor deste Humanitas. Atua na cidade do Recife/PE

Nos dias que correm, quando o tema ecologia está em pauta e quando as agressões ao meio ambiente evidenciam cada vez mais o homem como animal destruidor, temos de lembrar aqui neste espaço o Rio Amazonas.
Maior rio da Terra, tanto em volume d'água quanto em extensão (6.992,06 km), o Rio Amazonas tem sua origem na nascente do rio Apurímac (alto da parte ocidental da Cordilheira dos Andes no lago Láurico, também conhecido como Lauricocha), no sul do Peru, e deságua no Oceano Atlântico junto ao rio Tocantins no grande Delta do Amazonas, no norte brasileiro.
Nos Andes peruanos ele tem o nome de “Ucayali”. Quando entra em território brasileiro, passa a se denominar Solimões, e somente após o encontro com o rio Negro, é que o chamamos de Rio Amazonas.
O nome Amazonas se originou através de frei Gaspar de Carvajal, primeiro cronista europeu a viajar pelo rio durante a expedição de Francisco de Orellana.
De acordo com o frade, o rio foi batizado assim por causa da mitologia grega.
Ele disse em seus escritos que sua embarcação tinha sido atacada por mulheres que pretendiam escravizar os homens para procriar antes de matá-los. Na mitologia grega essas mulheres eram conhecidas como Amazonas.
O rio está presente em três países: Peru, Colômbia e Brasil, mas a sua bacia hidrográfica pertence, também, à Bolívia, Equador, Venezuela e Guiana. A presença em tantas nações faz com que o rio tenha vários nomes.
Em um único dia, o Amazonas despeja no Oceano Atlântico mais água do que toda a vazão do Rio Tâmisa, em Londres, durante um ano inteiro. Além disso, o volume de terra que o rio joga no mar é tão grande que o litoral da Guiana Francesa e do Amapá vem crescendo, a mudança é visível em imagens de satélites.
Até recentemente, acreditava-se que o Nilo era o mais extenso rio do mundo. Pesquisa feita por um grupo de cientistas no ano 2000 demonstrou, no entanto, ser o Amazonas maior do que o rio africano. Ele possui mais de mil afluentes em território peruano e brasileiro, sendo o rio Negro o maior. Entre os mais conhecidos afluentes do Amazonas estão os rios Juruá, Purus, Madeira, Javari, Tapajós, Trombetas e Xingu.
A largura do Amazonas é de seis a oito quilômetros, mas em alguns trechos pode chegar a incríveis 50 quilômetros, chegando a ser impossível enxergar a outra margem.
Agora, no que tange ao desmatamento criminoso da floresta amazônica tanto a mata, a fauna e o rio são afetados.
Os incêndios criminosos trazem consequências ainda não de todo mensuráveis, mas, no longo prazo, ocorrerá uma desestabilização tremenda e progressiva do ciclo das águas.
Tudo isso porque o principal papel da Amazônia em nível global é a manutenção do ciclo das águas, porque essas águas, alimentadas pela evaporação, representam 20% de todo volume vertido nos oceanos.
Caso essas ações criminosas tenham continuidade e não seja tomada nenhuma posição contra isso o ecossistema será completamente desestabilizado, com a ocorrência de eventos extremos como grandes inundações e seca.
O rio também está sendo contaminado por uma grande quantidade de cloro devido à  extração de petróleo e de gás em sua bacia, assim como pela garimpagem de ouro.
De acordo com os estudiosos, essa contaminação e a mudança de qualidade das águas amazônicas induzidas pelo desmatamento criminoso, podem ser responsáveis, em parte, pelo aquecimento do Oceano Atlântico e influenciar o nascimento de ciclones tropicais.

HUMANITAS Nº 90 – DEZEMBRO 2019 – PÁGINA 8



NATAL: FESTA CAPITALISTA DA HIPOCRISIA
Especial do Humanitas

Quando buscamos a verdadeira história do natal, acabamos diante de rituais e deuses pagãos. Jesus Cristo foi colocado como penetra numa festa que nada tinha a ver com ele. Afinal de contas, não existem provas de que tal indivíduo existiu e muito menos que nasceu em um 25 de dezembro. O verdadeiro simbolismo do natal oculta uma antiga história criada pelo homem. A festa tem origem no paganismo.
Era um dia consagrado à celebração do Sol Invicto. O Sol é representado pelo deus greco-romano Apolo, e seus equivalentes entre outros povos pagãos são diversos: Ra, o deus egípcio; Utudos, na Babilônia; Surya da Índia; e também Baal e Mitra.
Mitra era um deus muito apreciado pelos romanos. Aureliano (227-275 da Era Comum), imperador de Roma, estabeleceu no ano de 273 da Era Comum, o dia do nascimento do Sol em 25 de dezembro “Natalis Solis Invicti”, que significava Nascimento do Sol Invencível. 
O Império Romano passou a comemorar nesse dia o nascimento de Mitra Menino, deus indopersa, que, segundo diz a lenda, ao nascer foi visitado por reis magos e presenteado com mirra, incenso e ouro.
Era também nessa noite o início do Solstício de Inverno, segundo o Calendário Juliano, que seguia a Saturnália (17 a 24 de dezembro), festa em homenagem a outro deus chamado Saturno.
Essas festividades pagãs estavam arraigadas nos costumes populares desde tempos imemoriais até serem suprimidas com o advento do cristianismo, imposto (através de decreto) como religião oficial por Constantino (317-337 da Era Comum), então imperador de Roma.
Como antigo adorador do Sol, e influenciado por isso, Constantino fez do dia 25 de dezembro uma festa cristã. Constantino transformou as celebrações de homenagens à Mitra, Baal, Apolo e outros deuses, na festa de nascimento de Jesus Cristo.
Já sobre Papai Noel, esse velhote de longas barbas brancas já era capa de revistas, livros e jornais, no final do Século XIX, aparecendo em propagandas do mundo todo.
Em 1931, a The Coca-Cola Company contrata um artista e transforma Papai Noel numa figura totalmente universalizada.
Assim, sua imagem terminou por ser adotada como o principal símbolo do natal.
No ateísmo não existe uma figura de deus ou deuses para crer e adorar. Portanto, não faz sentido para o ateu festejar o dia 25 de dezembro. Afinal, essa data é a do hipotético aniversário de um deus imaginário, denominado Jesus Cristo.
Então o ateu deve ficar trancado no quarto de sua casa até a data passar? Nada disso!
Para o ateu todo dia deve ser de festa e de homenagem à vida. Assim, o ateu participa da festa de natal pelo mesmo motivo dos cristãos: para comer, beber, cantar, dançar e ficar batendo papo com a família e com os amigos depois da meia-noite.
Por outro lado, o comportamento humano nessa data realça uma tremenda hipocrisia em cerca de 90% das pessoas.
Por que será que nessa época todos ficam tão solidários com os mais necessitados?
Por que será que doam cestas básicas para os pobres e presentes para as crianças órfãs, e, no resto do ano, esquecem que essas pessoas existem?
Em outras palavras a festa de natal é uma festa capitalista onde predomina a hipocrisia. 
No mais, tudo é mitologia.