LEMBRANDO JOSÉ OITICICA:
ANARQUISTA BRASILEIRO POR EXCELÊNCIA
Especial do Humanitas
Em
1929, o jornal anarquista Acção Direta,
tendo como seu administrador e editor José Oiticica (1882/1957), estampa na
primeira página de seu terceiro número um pequeno texto em que o termo antes
denominado anticlerical é substituído por antirreligioso:
Aos
camaradas anarquistas de qualquer localidade neste Brasil dos padres e freiras,
conciliamos a redenção de ligas regionais e antirreligiosas. Reparai bem,
camaradas, que não dizemos anticlericais.
O
problema do combate ao ópio religioso
alargou-se no Brasil. Já não temos de guerrear somente o padre católico. De alguns anos a esta parte outros semeadores
de mentiras e compadres do capitalismo invadiram as terras de Santa Cruz.
Surgiram
os espíritas, vão crescendo os positivistas e,
principalmente, intensa e avassaladora é a obra dos protestantes.
Todos
eles são fanáticos, dogmáticos, anticientistas, pregam o respeito à propriedade e à autoridade,
ensinam a renúncia, a resignação à propriedade.
Cumpre guerreá-los por todos os meios.
O
culto católico e a doutrina católica são sobrevivências de um estado social
incompatíveis com os costumes, aspirações e
conhecimentos modernos. Persistem na massa ignorante ou na burguesia
aproveitadora, como persiste a quiromancia, a leitura de cartas, o profetismo,
fatal aos consulentes e lucrativo para os conselheiros. A Igreja tem a vantagem
de uma organização internacional antiga, de bases econômicas carcomidas, mas
ainda válidas, e do patrocínio capitalista eficaz.
Tudo
isso, porém, está sendo herculeamente solapado pela crítica
histórica e pela propaganda revolucionária.
A
primeira tem quase demonstrada a não historicidade de Jesus, dos apóstolos e
talvez de São Paulo. Os defensores de Jesus histórico estão sendo
definitivamente acuados e, de concessão em concessão, virtualmente se confessam
vencidos. Mais alguns anos e essa demonstração será evidenciada.
Demonstrado
o caráter fictício de Jesus, perde a Igreja Católica os mandamentos mesmos da
sua razão de ser e os anticlericais terão a mais terrível arma contra os
mantenedores da superstição cristã.
Urge,
pois, que todos os revolucionários estudem a fundo esse problema de Jesus e se
aparelhem com os argumentos vitoriosos da crítica
moderna, para explanar às massas a origem e os
processos criadores dessa grande impostura.
Oiticica em sua juventude estudou Direito
na Faculdade de Ciências Jurídicas do Recife que tinha em seu meio a inovadora
‘Escola do Recife’, criada pelo iconoclasta Tobias Barreto e que influenciou
inúmeros intelectuais de sua época.
Essa escola era um vigoroso e atuante
centro de agitação intelectual que rompia com o positivismo vendo nesta
corrente de pensamento uma doutrina desumana e conservadora, e decide por
superá-la através do humanismo.
Oiticica iniciou o curso de Direito, quando
Tobias Barreto já não fazia mais parte deste mundo, faleceu em 23 de junho de
1889, mas ainda assim permanecia vivo nesse centro de estudos a influência do
pensamento de Tobias Barreto, as suas ideias anticlericais, naturalistas, evolucionista
e neokantianas.
Religião
é um dos processos de subjugar o povo fazendo-o crer num ser onipotente,
invisível, dono do Universo, castigador dos maus, premiador dos bons. Os maus
naturalmente são os que se desviam das normas ditadas pelos sacerdotes e
atribuídas à divindade.
Os
bons são os que a elas se conformam sem nenhum protesto. No Ocidente europeu e
americano, a religião dominante é a cristã, quer romana, protestante ou ortodoxa. Ensina que um só
deus verdadeiro existe, o Deus Javeh ou Jeová dos antigos hebreus, cujo filho
Jesus Cristo, nascido de uma virgem, morto numa cruz, instituiu uma confraria
de sacerdotes chamada Igreja.
Os três ramos dessa Igreja divergem mutuamente,
sobretudo o romano e o protestante, que se excomungam e se odeiam mutuamente.
Os sacerdotes romanos chefiados pelo papa de Roma, têm a seu cargo salvar as
almas humanas, separadas do corpo pela morte, dos castigos infligidos
eternamente, num lugar de suplícios, o inferno. (OITICICA, J. A religião – em: LEUENROTH, E. Anarquismo: roteiro da libertação social
– Rio de Janeiro; Mundo Livre, 1963. p. 202 -203)
Nenhum comentário:
Postar um comentário