PESSIMISMO E REALIDADE (PARTE 7)
Divina Scarpim
colaboradora deste Humanitas é professora e escritora. Atua em São
Paulo/SP
O
egoísmo leva pessoas a serem más, ou a agirem com bondade - ou ilusão de
bondade - por ambição, e essa ambição não precisa ser por dinheiro ou poder,
pode ser por reconhecimento e simpatia.
Ser um herói ou uma heroína parece algo
muito tentador, e um mártir é uma espécie de herói.
Quando sofro e exponho meu sofrimento,
estou também chamando a atenção e me tornando mártir-heroína aos olhos da outra
pessoa, quem garante que não estou exagerando esse sofrimento, ou mesmo
buscando-o para ser vista dessa forma tão especial?
Acho que muita gente faz isso, acho que
muita gente fez isso. Acho que os mártires de qualquer religião (elas
costumam ter muitos deles), além de alcançar o paraíso ou ter direito a setenta
e duas virgens, se tornaram mártires também para serem admirados e louvados
pela eternidade.
Acho também que até mesmo inquisidores se
tornaram ativos porque o “trabalho
terrivelmente sofrido” deles aos seus próprios olhos (afinal, para um
homem santo, infringir dor a alguém é um sofrimento atroz, não é mesmo?) era
uma espécie de sacrifício que os levaria aos livros de história como mártires
da fé.
Madre Tereza de Calcutá é um exemplo
recente e bem-sucedido de aparência de bondade egoísta e tremendamente má.
Aposto que, enquanto negava alívio ao
sofrimento das pessoas de quem “cuidava”,
ela se regozijava por ser, além de merecedora do paraíso cristão, digna da
imortalidade dada pela história.
Quando éramos crianças, um de meus irmãos
tinha bronquite e tinha crises terríveis que algumas vezes obrigava meus pais a
levá-lo ao médico e passava a noite no hospital. Como resultado disso e de já
ter perdido uma filha, minha mãe tinha uma enorme preocupação para com esse meu
irmão.
Eu e meu outro irmão nos sentíamos
negligenciados e, muitas vezes, fingíamos dores e doenças para que nossa mãe
desse a nós tanta atenção quanto dava a nosso irmão doente.
A bronquite do meu irmão desapareceu quando
ele cresceu e adquiriu mais resistência, mas sempre que me sinto doente, antes
de dizer a alguém ou de procurar um médico, dou uma parada, procuro pelo
sintoma com atenção e me pergunto: “-
Estou doente mesmo ou estou fingindo?”.
Da mesma forma que me vigio para não fingir
doença com o objetivo de receber atenção e cuidado do meu marido, preciso
checar meus sentimentos, minhas opiniões e minhas ações para saber se não estou
agindo por puro egoísmo.
Se não estou escondendo algum desejo ou
intenções escusas e inconscientes por trás dessa opinião e dessa ação, preciso
me vigiar.
Isso para saber que não estou expressando -
ou concordando com - opiniões que na verdade não tenho para que as pessoas
pensem que sou uma pessoa boa, nobre ou inteligente.
Como animais sociais que somos, podemos
negar à vontade, mas a opinião dos outros a nosso respeito importa sim!
Precisamos trabalhar muito nossa
personalidade para que consigamos deixar de valorizar a opinião alheia a ponto
de permitir que isso determine nossas ações, mesmo que de forma inconsciente.
Se você não o fizer, pode até mesmo ser
levado a praticar atos de maldade, casando o egoísmo e a vontade de agradar com
a economia de energia.
Tento ser muito vigilante, evito expor meus
problemas, lamentar minhas dores, reclamar da minha vida, fazer confissões
muito íntimas para não correr dois riscos ao mesmo tempo: o de estar causando mal
à pessoa com quem falo sobrecarregando-a com meus problemas quando ela
certamente tem seus próprios problemas com que se preocupar, e o de estar,
inconscientemente, procurando atenção, admiração e deferência, de estar
fingindo que minhas dores são maiores do que na realidade são apenas para
parecer melhor do que realmente sou.
Para mim, o difícil de fazer isso é que
nunca tenho uma resposta totalmente confiável porque sei que posso estar “fingindo que não estou fingindo”.
Eu
não sou confiável, acho que nenhum de nós é.
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