Texto de Ivo S. G. Reis – Campo Grande/MS
Publicado em Janeiro/2014
Embora a maioria admita que Epicuro acreditava em deuses, há quem
defenda que
já no seu tempo ele era ateu, mas disfarçava isso para não chocar o
senso comum
Este artigo surgiu da inspiração passada a mim pelo colega Paulo Luiz
Mendonça, quando escreveu sobre as vítimas do tufão nas Filipinas, o Hayan. Ao ler sua matéria "Tufão nas Filipinas... Onde estava Deus?", aquilo
me pareceu um item de "flash back" com cenas que já havia visto em
tantas outras catástrofes iguais ou piores do que aquela, como, por exemplo, as
do furacão Katrina e da tsunami do Japão, para citar só dois casos entre os
milhares de catástrofes naturais que sempre surgem, provocando destruição e
mortes, desde que o mundo é mundo.
E quando surgem, a impressão que dão é que "Deus
não está nem aí, porque se aposentou de suas funções, ou estava desatento e não
viu, ou estava de férias, ou estava dormindo ou... já está morto"
(isso sou eu quem digo, porque não posso
pensar de outra forma, por mais que tente). Só pode ser isso, porque se
existisse um deus vivo e atuante, não permitiria tragédias como essas. Semanas
antes houve outra grande tragédia, um sismo que se manifestou no mesmo país.
Depois de tudo o que ocorreu, causa estranheza que os bispos das
Filipinas, país com alto índice de religiosidade cristã, venham a público dizer
que "a fé em Deus é mais forte
do que o tufão" e ainda deixam
esse recado para a população: "Nenhuma calamidade ou desastre
natural pode apagar o fogo da nossa esperança". Quanta cegueira, quanta idiotice (ou seria
esperteza, para não perder fiéis?)! Se num país cristão como as Filipinas, duas
tragédias sucessivas acontecem, antes que os habitantes se recuperem da
anterior, como seria se tivesse maioria de outras religiões?
Não venham dizer que nós, humanos, não somos capazes de entender as
razões desse deus, porque é pura balela, mantra cristão para justificar a “fé inabalável” (tem
de ser mesmo). Com muito menos poderes do que "Ele", fomos
capazes de prever com antecedência o que iria ocorrer nas Filipinas, mas não
tínhamos meios e nem tempo para evitar. Se nós sabíamos, "Ele" também
sabia. Por que não desviou a rota do furacão ou fê-lo dissolver-se? Não pôde?
Ou será que não quis? Ou simplesmente: não existe?
Refletindo sobre tais tragédias, chega a mente, com uma nitidez que
salta aos olhos do mais idiota dos homens, o “Paradoxo de Epicuro”, filósofo grego do século III antes da Era Comum:
"Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz?
Então não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e
deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por que lhe
chamamos deus?"
Epicuro não chegava a declarar enfaticamente a sua descrença em um deus
e até, diz-se, acreditava que pudesse existir um. Apenas não admitia que
"deus", se existisse, possuísse as qualidades que lhe são atribuídas,
achando que "era justamente
através da observação do problema do mal, ou seja, da presença do sofrimento na
Terra", que lhe permitiria
concluir que os deuses, nenhum deles, (Epicuro era grego, da época em que
predominava o politeísmo) não poderiam estar preocupados com o "modus vivendi" ou com o bem-estar da humanidade,
principalmente o mais poderoso deles, onisciente, onipresente e onipotente,
além de justo e bondoso.
Pelo bem da verdade, embora a maioria admita que Epicuro acreditava em
deuses, há quem defenda que já no seu tempo ele era ateu, mas disfarçava isso
para não chocar o senso comum.
Ateu ou não, o que importa é que o seu paradoxo, de fato, um
"trilema", jamais pôde ser contestado, até hoje.
Cristãos, como sempre, acham que Epicuro não tem razão e que suas
conclusões estão erradas. Mas só "acham" porque, ao tentar
contestá-lo, se esborracham.
Fatos podem ter diferentes interpretações - e os crentes são mestres
nisso -, mas não podem ser negados.
Se
você é cristão, responda: por que seu deus não evita essas mortes por tragédias
e catástrofes naturais e por que permite a guerra, as atrocidades e a maldade
existente no mundo? Vai contestar Epicuro? Tente!
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