Texto de Genésio Linhares – Professor MS – Recife/PE
Publicado no HUMANITAS nº 11 – Junho/2013
A disseminação da unanimidade alienadora é sistemática e apoiada por ideologias que criam indústrias de cultura de massa
A disseminação da unanimidade alienadora é sistemática e apoiada por ideologias que criam indústrias de cultura de massa
De um modo geral, em todos os tempos históricos, as sociedades ditas
civilizadas sempre enfrentaram (dentro de contextos muito peculiares a cada
uma) o problema entre uma grande massa do povo mergulhada na mediocridade, na
unanimidade de opiniões ignorantes, frívolas, superficiais e alienadas, confrontadas
com uma minoria esclarecida, de espírito crítico, questionadora, pensante e em
busca do conhecimento e da verdade.
Para demonstrar a antiguidade deste conflito, Heráclito, filósofo grego do período pré-socrático da cidade de Éfeso, já era um combatente contumaz, pois sentia-se profundamente indignado com a barbárie da maioria de seus conterrâneos. Declara ele em um dos fragmentos que chegou até nós: “pois que inteligência ou compreensão é a deles? Em cantores de rua acreditam e por mestre têm a massa, não sabendo que a maioria é ruim, e poucos são bons.” Em sua época, os embusteiros que eram valorizados, recebiam créditos e eram tomados como guias pela grande massa ignara.
Atualmente entre nós a situação é deveras bem mais grave. A disseminação da unanimidade alienadora é sistemática e apoiada por ideologias que criam indústrias de cultura de massa, padronizando comportamentos estereotipados como mercadorias de consumo. Além de cantores com produtos muito aquém de serem considerados com algum valor musical e estético, de letras apelativas a um sexo animal, grotesco e vulgar, usando termos de baixo escalão sem nenhuma qualidade poética e sem a utilização de recursos literários como metáforas e figuras de linguagem, como toda boa canção deve conter, vivemos uma panacéia de artistas (e outros com pretensões para tal) que vendem (e ganham verdadeiras fortunas) expondo seus corpos nus ao culto mítico da grande massa entorpecida.
Programas de auditório em TVs, para entretenimento, mas com reais propósitos de imbecilizar e dopar os telespectadores sem nenhuma contribuição de conhecimento e cultura, cujos apresentadores recebem milhões para exercer tais funções. Estes são os mestres hodiernos com milhares de seguidores. Enquanto, professores, cientistas, intelectuais e escritores sérios vivem com salários indignos, são desconhecidos e ignorados.
Aos que produzem obras, não existem editoras com reais incentivos para publicar obras inéditas. Até porque não existe público preparado e que goste de ler. A indiferença impera pela massa de incautos manietados.
Vivemos um mundo de espetáculos, cheios de cores e luzes, porém, vazios de conteúdo, de sentido e de vida. Estamos vivenciando a verdadeira caverna platônica, onde somos os escravos a ver unicamente as imagens de sombras, de ilusões e mera aparência, tomando-as como se fossem a realidade. No século XIX declarava Feuerbach: “nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que descreve a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado. (prefácio à segunda edição de A Essência do Cristianismo).
O objetivo do sistema em que estamos inseridos é tornar todas as dimensões do ser humano produtos imagéticos para representação espetacular, cultuando a aparencialidade por ela mesma, padronizando comportamentos e espaços em modus operandi burgueses, onde desaparece a autenticidade do ser, com a sua criatividade intrínseca. O espírito pensante, analítico, questionador e crítico é sufocado e deve desaparecer, posto o seu caráter ser subversivo e contestador desta aparência de espetáculo arquitetada e bem orquestrada.
Nada pode e nem deve romper esta ordem vigente. Dentro deste contexto vem a mente agora o romance 1984, de George Orwell, preconizador do mundo atual. Todos estão sendo observados por inúmeras câmaras de vídeo o tempo todo. Tornamo-nos imagens em cada instante de nossas existências, mas, atenção! Todos estão sendo vigiados e controlados para não se desvirtuar de um roteiro previsível e delimitado. Uma ordem imposta e sua submissão será inconteste como se fora lei, implacável a qualquer transgressor.
O filósofo francês Guy Debord (1931-1994) escreveu um livro bastante interessante A Sociedade do Espetáculo, publicado em 1967. É uma obra escrita em aforismos, onde a lucidez de suas análises são bastante atuais. Afirma ele no aforismo 12:
“O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é «o que aparece é bom, o que é bom aparece». A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.”
O sistema que impera até hoje reforça este pensamento com técnicas cada vez mais sofisticadas, cujo princípio acima enfatizado é manter a sociedade mundial alienada, presa na ignorância e engodo deste circo monopolizador de simulacros e hoje, além disso, com as virtualidades atomizadoras da internet, em grande medida.
No aforismo 14, Debord desmascara esta sociedade, mostrando seu niilismo finalista: “a sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuita ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. No espetáculo da imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo.”
Diante deste cenário aterrador nos indagamos: haverá algum caminho fora deste não-ser?
Frente ao conflito dialético da unanimidade reproduzida pela sociedade do espetáculo e uma minoria pensante, não se dará uma superação como previa Marx no campo econômico e também superestrutural e seremos, nós outros, engolidos por este oceano do nada?
Existirá alguma luz e esperança ou resta apenas aliarmo-nos ao adversário, embora de modo cínico e irônico no velho jogo circense do palhaço quando evoca: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!"
Para demonstrar a antiguidade deste conflito, Heráclito, filósofo grego do período pré-socrático da cidade de Éfeso, já era um combatente contumaz, pois sentia-se profundamente indignado com a barbárie da maioria de seus conterrâneos. Declara ele em um dos fragmentos que chegou até nós: “pois que inteligência ou compreensão é a deles? Em cantores de rua acreditam e por mestre têm a massa, não sabendo que a maioria é ruim, e poucos são bons.” Em sua época, os embusteiros que eram valorizados, recebiam créditos e eram tomados como guias pela grande massa ignara.
Atualmente entre nós a situação é deveras bem mais grave. A disseminação da unanimidade alienadora é sistemática e apoiada por ideologias que criam indústrias de cultura de massa, padronizando comportamentos estereotipados como mercadorias de consumo. Além de cantores com produtos muito aquém de serem considerados com algum valor musical e estético, de letras apelativas a um sexo animal, grotesco e vulgar, usando termos de baixo escalão sem nenhuma qualidade poética e sem a utilização de recursos literários como metáforas e figuras de linguagem, como toda boa canção deve conter, vivemos uma panacéia de artistas (e outros com pretensões para tal) que vendem (e ganham verdadeiras fortunas) expondo seus corpos nus ao culto mítico da grande massa entorpecida.
Programas de auditório em TVs, para entretenimento, mas com reais propósitos de imbecilizar e dopar os telespectadores sem nenhuma contribuição de conhecimento e cultura, cujos apresentadores recebem milhões para exercer tais funções. Estes são os mestres hodiernos com milhares de seguidores. Enquanto, professores, cientistas, intelectuais e escritores sérios vivem com salários indignos, são desconhecidos e ignorados.
Aos que produzem obras, não existem editoras com reais incentivos para publicar obras inéditas. Até porque não existe público preparado e que goste de ler. A indiferença impera pela massa de incautos manietados.
Vivemos um mundo de espetáculos, cheios de cores e luzes, porém, vazios de conteúdo, de sentido e de vida. Estamos vivenciando a verdadeira caverna platônica, onde somos os escravos a ver unicamente as imagens de sombras, de ilusões e mera aparência, tomando-as como se fossem a realidade. No século XIX declarava Feuerbach: “nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que descreve a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado. (prefácio à segunda edição de A Essência do Cristianismo).
O objetivo do sistema em que estamos inseridos é tornar todas as dimensões do ser humano produtos imagéticos para representação espetacular, cultuando a aparencialidade por ela mesma, padronizando comportamentos e espaços em modus operandi burgueses, onde desaparece a autenticidade do ser, com a sua criatividade intrínseca. O espírito pensante, analítico, questionador e crítico é sufocado e deve desaparecer, posto o seu caráter ser subversivo e contestador desta aparência de espetáculo arquitetada e bem orquestrada.
Nada pode e nem deve romper esta ordem vigente. Dentro deste contexto vem a mente agora o romance 1984, de George Orwell, preconizador do mundo atual. Todos estão sendo observados por inúmeras câmaras de vídeo o tempo todo. Tornamo-nos imagens em cada instante de nossas existências, mas, atenção! Todos estão sendo vigiados e controlados para não se desvirtuar de um roteiro previsível e delimitado. Uma ordem imposta e sua submissão será inconteste como se fora lei, implacável a qualquer transgressor.
O filósofo francês Guy Debord (1931-1994) escreveu um livro bastante interessante A Sociedade do Espetáculo, publicado em 1967. É uma obra escrita em aforismos, onde a lucidez de suas análises são bastante atuais. Afirma ele no aforismo 12:
“O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é «o que aparece é bom, o que é bom aparece». A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.”
O sistema que impera até hoje reforça este pensamento com técnicas cada vez mais sofisticadas, cujo princípio acima enfatizado é manter a sociedade mundial alienada, presa na ignorância e engodo deste circo monopolizador de simulacros e hoje, além disso, com as virtualidades atomizadoras da internet, em grande medida.
No aforismo 14, Debord desmascara esta sociedade, mostrando seu niilismo finalista: “a sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuita ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. No espetáculo da imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo.”
Diante deste cenário aterrador nos indagamos: haverá algum caminho fora deste não-ser?
Frente ao conflito dialético da unanimidade reproduzida pela sociedade do espetáculo e uma minoria pensante, não se dará uma superação como previa Marx no campo econômico e também superestrutural e seremos, nós outros, engolidos por este oceano do nada?
Existirá alguma luz e esperança ou resta apenas aliarmo-nos ao adversário, embora de modo cínico e irônico no velho jogo circense do palhaço quando evoca: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!"
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