Texto de Ricardo Augusto Bezerra Tiné – Pesquisador
– Guaraí/TO
Publicado no HUMANITAS nº 17 – Dezembro/2013
A língua tupinambá influenciou profundamente
a atual língua brasileira, não apenas na incorporação de seus vocábulos, mas
até mesmo na sintaxe moderna
Não é grande o número daqueles que se dão
conta da preponderância do tupinambá ancestral na linguagem e na vida
brasileira e, por isso, nem sempre é com justiça e perfeição que se debate o
tema. Aponta-se demasia em todo o esforço que procura dar o devido relevo ao
muito que devemos ao povo ancestral dominante no Brasil, quando da chegada dos
invasores europeus.
Entretanto, a depreciação, cujos vestígios de menosprezo têm a origem no despreparo e na incompetência da esmagadora maioria dos políticos administradores desta Nação, justifica-se, quando predominam certos disparates, principalmente no campo etimológico, onde proliferam os pseudo-entendidos, carentes do mais simples conhecimento sobre a questão.
Evidentemente, tendências políticas eivadas de perniciosos vícios não bastam para discutir fatos da linguagem. Negar procedências ou compor erroneamente novos termos, tanto mais. Os vocábulos ancestrais existentes na nossa fala pertencem a épocas e regiões diversas do país, representam dialetos vários e de estágios entre si remotos. Se neles há vocábulos iguais, também os há divergentes, de forma e sentido, em número muito maior.
Essa diversidade lexical não pode mais passar despercebida ao povo brasileiro, e nos mais escrupulosos deve provocar uma prudente retomada de posição. Mas há quem não concorde. Aryon Dall'Igna Rodrigues, autor da obra de referência nacional “Línguas Brasileiras”, acredita que uma vez que o nheengatú não é natural da Amazônia, não deveria ser oficializada como tal. (Obs. O nheengatú é reconhecido oficialmente em São Gabriel da Cachoeira-AM. Lei nº 145 de 11 de dezembro de 2002).
É desse posicionamento tendencioso e discrepante do senhor Aryon Rodrigues que nasce uma pergunta cruel: será que o senhor Aryon Rodrigues acredita mesmo que a língua portuguesa seja natural da Amazônia, ou até mesmo do Brasil inteiro para ser oficializada? Por que buscar origens etimológicas em línguas estrangeiras se temos um vasto acervo de nossa protolíngua aqui mesmo no Brasil?
A língua tupinambá influenciou profundamente a língua brasileira atual, não apenas na incorporação de seus vocábulos, mas até mesmo na sintaxe moderna (vale lembrar que os bandeirantes do Estado de São Paulo, em sua grande maioria, só falavam a língua da terra até a primeira metade do século XIX - 1850).
O verbete “pedregulho”, por exemplo, nada comporta de herança latina ou da Península Ibérica: “petra” é grego e “gulho” (guyo) é tupinambá (significa cascalho). Na palavra “Gurupi”, verificamos essa mesma incidência: “Guru” (guyo) + “PI” = rio dos cascalhos.
Em outra faceta da evolução da língua brasileira podemos encontrar no livro “Aspectos da Língua Apinyé”, por Patrícia Ham, Helen Waller e Linda Koopmam, publicação da Sociedade Internacional de Linguística, Cuiabá, MT. 1979, origens natas de palavras hoje utilizadas na linguagem nacional: “Rãrãj” (apinayé) = “naranga” (persa) = “naranja” (árabe) – a laranja é fruto de origem chinesa; “Inhmã kry” (apinayé) = estou com frio (pg 7). Criogenia é o estudo de temperaturas extremamente frias; “Kpuaç” = “cryos” (grego) = frio.
Em referência à nossa linguagem, não se pode aceitar a ideia de intelectualidade avançada dos europeus, quando na realidade histórica, nesse período, 95% de toda população da Europa se compunha de analfabetos. Esse fato, em relação a Portugal, é bem explícito nas palavras de Luís António Verney em 1746: “Que o ensino obrigatório da língua materna (portuguesa) era a maneira mais direta de atacar o analfabetismo reinante em Portugal na primeira metade de setecentos, além de ser uma das causas do atraso da mentalidade portuguesa em comparação com a das ‘nações iluminadas’ da Europa”.
Como podemos identificar historicamente, a questão do reconhecimento da língua brasileira não percorre caminhos linguísticos, fonológicos, etimológicos ou culturais, mas se assemelha como uma verdadeira aberração antipatriótica exercitada por políticos demagogos.
A verdade do que aconteceu no Brasil em relação às interferências culturais na linguagem dos povos que aqui viveram entre os nossos ancestrais está comprovada na obra de Frei Vicente do Salvador: “Todos falam uma mesma linguagem e essa aprendem os religiosos que os doutrinam por uma arte de gramática que compôs o Padre José de Anchieta, é linguagem mui compendiosa, e de alguns vocábulos mais abundantes que o nosso português” (1627). Em contraposição aos chinfrins argumentos da retórica do conluio oficial, quanto da idéia de serem os portugueses e a língua que trouxeram, superiores às que encontraram no Brasil, lanço prova documental de que a verdade era bem outra. O Dicionário Português – Brasileiro, (Valles), Lisboa, oficina patriarcal, 1795, diz:
“Em que escola aprenderam, no meio dos sertões, tão acertadas regras da gramática que não falta um ponto na perfeição da formação dos nomes, verbos, declinações, conjugações ativas e passivas? Não dão vantagem nisso as mais polidas artes dos gregos e dos latinos. Veja-se por exemplo a arte da língua mais comum do Brasil, do venerável Padre José de Anchieta, e os louvores que aqui trás (em Portugal) dessa língua. Por estes julgam muitos, que tem a perfeição da língua grega: e na verdade tem admiração especialmente sua delicadeza, cópia e facilidade”. (Vasconcelos, livro I, das Notícias do Brasil, pg. 62).
Em outro trecho do dicionário o autor contempla a originalidade da língua: “Uma língua que faltando-lhe quatro letras; F, L, S, Z, que não tendo em tempo algum gramáticos originais que a regulassem, oradores, poetas e historiadores que a ilustrassem, e que apesar de tudo isso dela se utilizam da delicadeza, facilidade, suavidade e elegância os doutores, e que ultimamente se compara na perfeição à grega, como acima se disse, merece sem dúvida alguma ser conhecida (e reconhecida) por todos que estimam os conhecimentos humanos, e que refletem na gradação dos seus progressos”. [...] “É admirável que tendo os povos, que a falaram, limitadas as suas ideias a um pequeno número de coisas, as quais julgaram necessárias ao seu modo de vida, pudessem, contudo, conceber sinais representativos e idéias com capacidade de abranger objetos que eles não tiveram conhecimento; e isso não de qualquer modo, mas com muita propriedade, energia e elegância, sem lhe ser preciso mendigar de outra língua. E não é comparável a quaisquer outras nascidas na podridão dos empréstimos que se dizem sábias”.
Estudos recentes permitem, não apenas comprovar a evolução da língua brasileira, mas demonstrar, através da etimologia, as divergências sintáticas e lexicais entre as línguas brasileira e portuguesa. Eis, portanto, embora tardiamente, as questões que devem ser reguladas em prol da cultura nacional; o reconhecimento e a elaboração de um códice apropriado à linguagem do povo desta nação.
Entretanto, a depreciação, cujos vestígios de menosprezo têm a origem no despreparo e na incompetência da esmagadora maioria dos políticos administradores desta Nação, justifica-se, quando predominam certos disparates, principalmente no campo etimológico, onde proliferam os pseudo-entendidos, carentes do mais simples conhecimento sobre a questão.
Evidentemente, tendências políticas eivadas de perniciosos vícios não bastam para discutir fatos da linguagem. Negar procedências ou compor erroneamente novos termos, tanto mais. Os vocábulos ancestrais existentes na nossa fala pertencem a épocas e regiões diversas do país, representam dialetos vários e de estágios entre si remotos. Se neles há vocábulos iguais, também os há divergentes, de forma e sentido, em número muito maior.
Essa diversidade lexical não pode mais passar despercebida ao povo brasileiro, e nos mais escrupulosos deve provocar uma prudente retomada de posição. Mas há quem não concorde. Aryon Dall'Igna Rodrigues, autor da obra de referência nacional “Línguas Brasileiras”, acredita que uma vez que o nheengatú não é natural da Amazônia, não deveria ser oficializada como tal. (Obs. O nheengatú é reconhecido oficialmente em São Gabriel da Cachoeira-AM. Lei nº 145 de 11 de dezembro de 2002).
É desse posicionamento tendencioso e discrepante do senhor Aryon Rodrigues que nasce uma pergunta cruel: será que o senhor Aryon Rodrigues acredita mesmo que a língua portuguesa seja natural da Amazônia, ou até mesmo do Brasil inteiro para ser oficializada? Por que buscar origens etimológicas em línguas estrangeiras se temos um vasto acervo de nossa protolíngua aqui mesmo no Brasil?
A língua tupinambá influenciou profundamente a língua brasileira atual, não apenas na incorporação de seus vocábulos, mas até mesmo na sintaxe moderna (vale lembrar que os bandeirantes do Estado de São Paulo, em sua grande maioria, só falavam a língua da terra até a primeira metade do século XIX - 1850).
O verbete “pedregulho”, por exemplo, nada comporta de herança latina ou da Península Ibérica: “petra” é grego e “gulho” (guyo) é tupinambá (significa cascalho). Na palavra “Gurupi”, verificamos essa mesma incidência: “Guru” (guyo) + “PI” = rio dos cascalhos.
Em outra faceta da evolução da língua brasileira podemos encontrar no livro “Aspectos da Língua Apinyé”, por Patrícia Ham, Helen Waller e Linda Koopmam, publicação da Sociedade Internacional de Linguística, Cuiabá, MT. 1979, origens natas de palavras hoje utilizadas na linguagem nacional: “Rãrãj” (apinayé) = “naranga” (persa) = “naranja” (árabe) – a laranja é fruto de origem chinesa; “Inhmã kry” (apinayé) = estou com frio (pg 7). Criogenia é o estudo de temperaturas extremamente frias; “Kpuaç” = “cryos” (grego) = frio.
Em referência à nossa linguagem, não se pode aceitar a ideia de intelectualidade avançada dos europeus, quando na realidade histórica, nesse período, 95% de toda população da Europa se compunha de analfabetos. Esse fato, em relação a Portugal, é bem explícito nas palavras de Luís António Verney em 1746: “Que o ensino obrigatório da língua materna (portuguesa) era a maneira mais direta de atacar o analfabetismo reinante em Portugal na primeira metade de setecentos, além de ser uma das causas do atraso da mentalidade portuguesa em comparação com a das ‘nações iluminadas’ da Europa”.
Como podemos identificar historicamente, a questão do reconhecimento da língua brasileira não percorre caminhos linguísticos, fonológicos, etimológicos ou culturais, mas se assemelha como uma verdadeira aberração antipatriótica exercitada por políticos demagogos.
A verdade do que aconteceu no Brasil em relação às interferências culturais na linguagem dos povos que aqui viveram entre os nossos ancestrais está comprovada na obra de Frei Vicente do Salvador: “Todos falam uma mesma linguagem e essa aprendem os religiosos que os doutrinam por uma arte de gramática que compôs o Padre José de Anchieta, é linguagem mui compendiosa, e de alguns vocábulos mais abundantes que o nosso português” (1627). Em contraposição aos chinfrins argumentos da retórica do conluio oficial, quanto da idéia de serem os portugueses e a língua que trouxeram, superiores às que encontraram no Brasil, lanço prova documental de que a verdade era bem outra. O Dicionário Português – Brasileiro, (Valles), Lisboa, oficina patriarcal, 1795, diz:
“Em que escola aprenderam, no meio dos sertões, tão acertadas regras da gramática que não falta um ponto na perfeição da formação dos nomes, verbos, declinações, conjugações ativas e passivas? Não dão vantagem nisso as mais polidas artes dos gregos e dos latinos. Veja-se por exemplo a arte da língua mais comum do Brasil, do venerável Padre José de Anchieta, e os louvores que aqui trás (em Portugal) dessa língua. Por estes julgam muitos, que tem a perfeição da língua grega: e na verdade tem admiração especialmente sua delicadeza, cópia e facilidade”. (Vasconcelos, livro I, das Notícias do Brasil, pg. 62).
Em outro trecho do dicionário o autor contempla a originalidade da língua: “Uma língua que faltando-lhe quatro letras; F, L, S, Z, que não tendo em tempo algum gramáticos originais que a regulassem, oradores, poetas e historiadores que a ilustrassem, e que apesar de tudo isso dela se utilizam da delicadeza, facilidade, suavidade e elegância os doutores, e que ultimamente se compara na perfeição à grega, como acima se disse, merece sem dúvida alguma ser conhecida (e reconhecida) por todos que estimam os conhecimentos humanos, e que refletem na gradação dos seus progressos”. [...] “É admirável que tendo os povos, que a falaram, limitadas as suas ideias a um pequeno número de coisas, as quais julgaram necessárias ao seu modo de vida, pudessem, contudo, conceber sinais representativos e idéias com capacidade de abranger objetos que eles não tiveram conhecimento; e isso não de qualquer modo, mas com muita propriedade, energia e elegância, sem lhe ser preciso mendigar de outra língua. E não é comparável a quaisquer outras nascidas na podridão dos empréstimos que se dizem sábias”.
Estudos recentes permitem, não apenas comprovar a evolução da língua brasileira, mas demonstrar, através da etimologia, as divergências sintáticas e lexicais entre as línguas brasileira e portuguesa. Eis, portanto, embora tardiamente, as questões que devem ser reguladas em prol da cultura nacional; o reconhecimento e a elaboração de um códice apropriado à linguagem do povo desta nação.
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Luis
António Verney – Verdadeiro
Método de Estudar - Portugal, 1746.
Frei Vicente de Salvador – História
do Brasil, 1º livro – Tratado do descobrimento do Brasil, costumes dos
naturais, aves, peixes, animais e do mesmo Brasil – Bahia, 20 de
setembro de 1627
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