Texto de Serena
Roberta Souza Borges - Recife/PE
Publicado no HUMANITAS
nº 17 – Dezembro/2013
Será
que a grande contribuição de Darwin para as ciências da vida e para o pensamento
contemporâneo está sendo perdida devido ao fundamentalismo religioso?
Considerei
surpreendente que uma das mais tradicionais escolas de São Paulo, tenha, em
meados do ano de 2008, adotado no terceiro ano do seu ensino fundamental, nas
aulas de ciência, o livro “Ciências - Projeto Inteligente”, da
coleção "Crescer em Sabedoria". Tal publicação faz parte da
versão brasileira de uma tradução e adaptação da série “Purposeful Design Science”, da
Associação Internacional de Escolas Cristãs, de Colorado Springs (Colorado,
EUA).
E, surpresa, observei que grande parte da civilização, em pleno século 21 está retrocedendo a ideias preconcebidas e existentes em épocas onde o atraso intelectual era patente. Nesse livro - que se diz didático - encontrei diversas menções a deus, referindo-se à criação do mundo. Uma mostra de como não se deve ensinar ciência. Vejamos: “No início de tudo, Deus criou o Universo. Nesse Universo tão grande, colocou um planeta ao qual chamamos Terra. A Terra é o nosso lar. Nesse livro, aprenderemos um pouco mais sobre a "nossa casa" e sobre os seres que moram nela. Assim poderemos entender melhor onde vivemos e cuidar melhor desta linda casa que Deus criou: a Terra”. “Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente. (p. 10)”
Muitos disparates estão contidos nessa publicação que pretende colocar na cabeça das crianças e adolescentes uma ideia errada e eivada de catequese religiosa, como podemos observar no capitulo intitulado “O plano de Deus para os ambientes", repleto de citações bíblicas, que nada têm a ver com o estudo cientifico. Eis: "É por sua ordem que a águia se eleva e no alto constrói o seu ninho. Um penhasco é a sua morada e ali passa a noite; uma escarpa rochosa é a sua fortaleza. De lá sai ela em busca de alimento; de longe os seus olhos o veem" (Jó 39, 27-29).
Isso não é ciência. É propaganda religiosa. É catequese. Na realidade, é incrível que em São Paulo, a maior cidade do Hemisfério Sul, um século e meio depois da publicação de “Origem das Espécies” e dois séculos após o nascimento de seu autor, Charles Darwin (1809-82), ainda sejam ministradas a crianças, como se fossem ciência, ideias erradas sobre o fenômeno da vida que o livro de Darwin tanto fez para erradicar do corpo de conhecimentos seguros que devem estar na base da educação. Será que os 150 anos de teoria da evolução por seleção natural, a grande contribuição de Darwin para as ciências da vida e para o pensamento contemporâneo estão sendo perdidos?
Na realidade, de acordo com um dos maiores biólogos do século 20, o americano de origem russa (e cristão ortodoxo) Theodosius Dobzhansky (1900-75), "nada em biologia faz sentido a não ser sob a luz da evolução". Portanto, como a teoria da evolução darwiniana é incompatível com a narrativa bíblica do Gênese, levada esta ao pé da letra, misturar as duas coisas numa aula de ciências equivale a deseducar os alunos em matéria de biologia. Bem, gostaria aqui de lembrar aos desavisados e criacionistas de plantão que tal disparate é incabível, ainda que continue a circular por aí, não só em escolas confessionais conservadoras paulistanas.
O livro da coleção "Crescer em Sabedoria" e a Associação Internacional de Escolas Cristãs defendem uma mentira dentro do chamado "criacionismo", movimento multinacional que tem seu epicentro na terra dos ianques. Até a década de 60, muitas escolas americanas omitiam a teoria da evolução. Depois dessa década, a crescente importância da ciência empírica para o ensino formal e técnico levou à disseminação progressiva do darwinismo pelo sistema educacional. A seguir, os fundamentalistas religiosos se engajaram numa guerra de trincheiras em comitês educacionais de distritos e até estados ianques para tentar garantir que a narrativa bíblica fosse ensinada ao menos em pé de igualdade com a teoria darwiniana.
Sem sucesso. A campanha terminou nos tribunais, onde sofreram derrotas e mais derrotas. Uma das mais recentes e notáveis sobreveio em dezembro de 2005, quando o juiz federal John E. Jones III - republicano como o então presidente que o nomeou, George W. Bush - decidiu que era inconstitucional o distrito educacional de Dover, na Pensilvânia, apresentar o design inteligente, nos cursos de biologia, como alternativa à evolução.
"Certamente a teoria da evolução de Darwin é imperfeita", afirmou Jones em sua decisão. "No entanto, o fato de uma teoria científica ainda não poder oferecer uma explicação para cada ponto não deve ser usado como pretexto para lançar uma hipótese alternativa baseada em religião nas aulas de ciências, ou para deturpar proposições científicas bem estabelecidas."
Para o juiz, ensinar as duas explicações lado a lado, como se ambas fossem equivalentes, afronta a primeira emenda da Constituição americana, que, na interpretação consagrada durante o século 20, impede o estado de promover a religião.
E, surpresa, observei que grande parte da civilização, em pleno século 21 está retrocedendo a ideias preconcebidas e existentes em épocas onde o atraso intelectual era patente. Nesse livro - que se diz didático - encontrei diversas menções a deus, referindo-se à criação do mundo. Uma mostra de como não se deve ensinar ciência. Vejamos: “No início de tudo, Deus criou o Universo. Nesse Universo tão grande, colocou um planeta ao qual chamamos Terra. A Terra é o nosso lar. Nesse livro, aprenderemos um pouco mais sobre a "nossa casa" e sobre os seres que moram nela. Assim poderemos entender melhor onde vivemos e cuidar melhor desta linda casa que Deus criou: a Terra”. “Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente. (p. 10)”
Muitos disparates estão contidos nessa publicação que pretende colocar na cabeça das crianças e adolescentes uma ideia errada e eivada de catequese religiosa, como podemos observar no capitulo intitulado “O plano de Deus para os ambientes", repleto de citações bíblicas, que nada têm a ver com o estudo cientifico. Eis: "É por sua ordem que a águia se eleva e no alto constrói o seu ninho. Um penhasco é a sua morada e ali passa a noite; uma escarpa rochosa é a sua fortaleza. De lá sai ela em busca de alimento; de longe os seus olhos o veem" (Jó 39, 27-29).
Isso não é ciência. É propaganda religiosa. É catequese. Na realidade, é incrível que em São Paulo, a maior cidade do Hemisfério Sul, um século e meio depois da publicação de “Origem das Espécies” e dois séculos após o nascimento de seu autor, Charles Darwin (1809-82), ainda sejam ministradas a crianças, como se fossem ciência, ideias erradas sobre o fenômeno da vida que o livro de Darwin tanto fez para erradicar do corpo de conhecimentos seguros que devem estar na base da educação. Será que os 150 anos de teoria da evolução por seleção natural, a grande contribuição de Darwin para as ciências da vida e para o pensamento contemporâneo estão sendo perdidos?
Na realidade, de acordo com um dos maiores biólogos do século 20, o americano de origem russa (e cristão ortodoxo) Theodosius Dobzhansky (1900-75), "nada em biologia faz sentido a não ser sob a luz da evolução". Portanto, como a teoria da evolução darwiniana é incompatível com a narrativa bíblica do Gênese, levada esta ao pé da letra, misturar as duas coisas numa aula de ciências equivale a deseducar os alunos em matéria de biologia. Bem, gostaria aqui de lembrar aos desavisados e criacionistas de plantão que tal disparate é incabível, ainda que continue a circular por aí, não só em escolas confessionais conservadoras paulistanas.
O livro da coleção "Crescer em Sabedoria" e a Associação Internacional de Escolas Cristãs defendem uma mentira dentro do chamado "criacionismo", movimento multinacional que tem seu epicentro na terra dos ianques. Até a década de 60, muitas escolas americanas omitiam a teoria da evolução. Depois dessa década, a crescente importância da ciência empírica para o ensino formal e técnico levou à disseminação progressiva do darwinismo pelo sistema educacional. A seguir, os fundamentalistas religiosos se engajaram numa guerra de trincheiras em comitês educacionais de distritos e até estados ianques para tentar garantir que a narrativa bíblica fosse ensinada ao menos em pé de igualdade com a teoria darwiniana.
Sem sucesso. A campanha terminou nos tribunais, onde sofreram derrotas e mais derrotas. Uma das mais recentes e notáveis sobreveio em dezembro de 2005, quando o juiz federal John E. Jones III - republicano como o então presidente que o nomeou, George W. Bush - decidiu que era inconstitucional o distrito educacional de Dover, na Pensilvânia, apresentar o design inteligente, nos cursos de biologia, como alternativa à evolução.
"Certamente a teoria da evolução de Darwin é imperfeita", afirmou Jones em sua decisão. "No entanto, o fato de uma teoria científica ainda não poder oferecer uma explicação para cada ponto não deve ser usado como pretexto para lançar uma hipótese alternativa baseada em religião nas aulas de ciências, ou para deturpar proposições científicas bem estabelecidas."
Para o juiz, ensinar as duas explicações lado a lado, como se ambas fossem equivalentes, afronta a primeira emenda da Constituição americana, que, na interpretação consagrada durante o século 20, impede o estado de promover a religião.
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