sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A questão do espaço

Texto de Genésio Linhares – Professor/MS – Recife/PE
publicado no HUMANITAS nº 16 – Novembro/2013

A dimensão criativa e original dos indivíduos está sendo aniquilada. Os melhores espaços estão ficando cada vez mais nas mãos das elites econômicas


Nos dias atuais, mais do que em outras épocas, a questão do espaço tem se tornado um problema político, social e econômico para a maior parte da sociedade em todo o planeta, mas nem todos param para refletir a este respeito.
Com o crescimento acelerado da vida urbana e as melhores condições de vida e conforto que as cidades oferecem e a fuga da vida rural, as cidades vêm enfrentando problemas com os espaços. Como acomodar um número cada vez maior de população que resolve fazer ou adquirir moradias nos centros urbanos ou no seu entorno?
As soluções encontradas têm sido as construções de edifícios em substituição de casas. O que provoca tanto uma adequação a espaços bem menores e mudanças culturais e de hábitos.
Para os mais marginalizados da sociedade, a situação é ainda pior, levando-os à única saída possível, invadir terrenos públicos ou particulares, mas que estão ociosos, sejam em áreas de baixios, onde há muita lama ou maré, ou nos morros e encostas com construções precárias de alto risco e com infraestrutura inadequadas e subumanas.
A disputa desses espaços - o mais próximo possível das grandes cidades - é acirrada. Este drama é típico de países pobres e emergentes e o Brasil ainda é um exemplo real.
Essas questões levantam o embate entre o que é espaço público e privado. De acordo com o pernambucano Dr. Nelson Saldanha - filósofo, jurista, escritor, poeta e membro da Academia Pernambucana de Letras, com diversos livros publicados na área de filosofia, direito e poesia – na obra “O Jardim e a Praça” (Porto Alegre – RS: Sérgio Antônio Fabris, 1986) o jardim é um espaço que está na esfera interna da casa, logo, no âmbito particular, privado, e a praça é o espaço público, o espaço político, econômico, religioso ou militar.
Este trabalho é interessante porque o autor parte dessas duas construções humanas de espacialidade para analisar “os espaços na história” e como o ser humano veio utilizando esta dimensão.
O jardim como algo fechado simboliza o lírico, o biográfico, dispondo o ser humano “...ao nível da vida ‘natural’...”, enquanto a praça, que é aberta, representa a história. Assim o foi na Grécia antiga e em grande medida, na Roma do mesmo período.
Na época helenística, durante o império alexandrino, a vida política nas ágoras (praças públicas) tinha desaparecido e a filosofia voltava-se para as questões intimistas. O jardim então, vai ser a referência principal como é o caso do jardim de Epicuro, único espaço permitido, “o refúgio do pensador...”. 
Com o surgimento do capitalismo, do Renascimento aos dias atuais, a discussão entre o que é privado e público passou a ser regida pela lógica burguesa. Acabou-se, com a extinção das casas, o que havia de estável nos lugares.
Outrora, nas cidades, cada coisa tinha seu lugar: a igreja, a casa de Fulano, a escola, a casa de Beltrano. A privacidade luta hoje por sobreviver, mas a morada coletiva não a propicia, nem nos playgrounds dos apartamentos grã-finos nem nos cortiços e favelas.
Entram em agonia os velhos esquemas, bem como as imagens tradicionais. A burguesia promoveu nos séculos XVIII e XIX a ideia de que todo homem é homem público. “(...) Mas esse tipo de ideia foi destruído pelos problemas sociais dos séculos XIX e XX, e com ele as formas de vida social que o haviam acompanhado.” (SALDANHA, 1986, p. 19). O sistema capitalista neste período enfrenta as fortes posições antagônicas dos ideais socialistas e comunistas, tanto no terreno teórico como no prático. No entanto, não abre mão do seu receituário liberal.
Referindo-se a Hannah Arendt na obra “A Condição Humana” - publicada em 1958 e traduzida em português em 1981 - o filósofo Nelson Saldanha comenta: “também ela, debruçada sobre o tema da sociedade-de-massas, observou que esta destrói a esfera pública e também a privada, ‘priva os homens de seu lugar no mundo e também do seu lar privado’. A esfera “privada”, ligada, sobretudo, ao estágio ‘trabalho’, e a esfera pública, ligada à ‘ação’, se completam idealmente, mas tendem a perder o equilíbrio se se desfazem certas estruturas.” (p. 20).
O perigo nesta falta de equilíbrio, gerada por esta sociedade de massas consiste em permitirmos ações político-econômicas que possam criar totalitarismos presentes em nosso dia a dia, onde a dimensão pública invade os espaços privados – se é que ainda restem espaços privados e respeito às individualidades - disfarçados de ações democráticas. Os meios de comunicação são outros veículos que vêm invadindo os lares familiares, a uniformização nos padrões de comportamentos, vestimentas, hábitos, no pensamento etc, através destes meios, estão aniquilando a dimensão criativa e original dos indivíduos; os melhores espaços de terra rural e urbana estão ficando cada vez mais nas mãos das elites econômicas. No Brasil isto é um problema bastante antigo, porém, vem se agravando mais e mais.
Os pequenos agricultores, produtores dos nossos alimentos diários, estão sendo expulsos de seus pequenos sítios, vindo para os centros urbanos que já estão superlotados e aumentando o número de desempregados, em nome de grupos ecológicos que depois de centenas de gerações produtoras, agora exigem a volta de matas e florestas. No entanto, estão, indiretamente, ajudando as multinacionais dos alimentos industrializados e postos em conservas a ampliarem seus mercados.
Enfim, sabemos que o capitalismo para existir e sobreviver precisa provocar constantemente mudanças e criar novos nichos de consumo. A questão é saber até onde vão nos levar essas mudanças, principalmente no tocante ao problema entre o espaço público e privado. Até quando nós vamos aceitar os desrespeitos à individualidade ou o que ainda sobra dela e as transformações e manipulações dos espaços públicos para uso, fruto e enriquecimento de pequenos grupos detentores de grandes capitais, empobrecendo a maioria de nossa gente, espremida, marginalizada e cada vez mais sem possibilidades de sobreviver, porque até os poucos espaços que ainda sobram estão sendo vorazmente tomados.

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