Texto de Genésio Linhares – Professor/MS –
Recife/PE
publicado no HUMANITAS nº 12 – Julho/2013
Para o filósofo, o mundo inteiro morre
quando morremos. Não há nenhuma possibilidade de salvação depois da morte
Essas são algumas das gratas lembranças que guardo deste pensador recifense autêntico, cuja obra filosófica ainda não é muito conhecida e nem seriamente estudada e analisada. Doutor em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), mas nunca exerceu a função. Sua verdadeira vocação estava na Filosofia e nas Artes, principalmente Literatura, Teatro, Cinema e Arquitetura.
A sua concepção filosófica é bastante complexa e ao mesmo tempo extremamente instigante e provocadora pelo caráter de “solipsista de inclusão”, ou seja, deixou uma densa obra ontológica, denominada de Ordem Fisionômica onde todo o universo exterior a ele como fatos, ambientes externos e internos, convívios com amigos, parentes e desconhecidos do mundo cotidiano ou apenas sabido ou imaginado (produto do seu universo interno) existenciado, vivenciado e presenciado por ele, recebe um tratamento cênico virtualizado de natureza ontológica no interior de seu “eu” subjetivo.
Para ele, a filosofia e a arte literária estavam intrinsecamente relacionadas, pois “se efetivam de pensamento a pensamento, da ideação do escritor à idealidade do leitor. A matéria da literatura é, portanto, estritamente introspectiva, diferente da de outras artes que são testemunhadamente empíricas.” (O Lugar de Todos os lugares. Ed.: Perspectiva, 1976. P. 2). Por ser introspectivo, tal gênero é eleito por Coutinho por melhor traduzir e vincular-se com sua proposta filosófica. Além disso, já que alia pensamento e arte, toda a sua obra é escrita em estilo barroco. Estilo que também, segundo ele, comunga com sua perspectiva intimista de pensar.
Neste sentido, a Ordem Fisionômica é composta de cinco volumes, entretanto, para que o leitor tenha uma compreensão mais precisa de seus propósitos com este trabalho, ele escreveu O Lugar de todos os lugares (SP: Perspectiva, 1976). A primeira obra da Ordem foi: A Visão Existenciadora (SP: Perspectiva, 1978); em seguida, O Convívio Alegórico (SP: Perspectiva, 1979), Ser e Estar em Nós (SP: Perspectiva, 1980), A Subordinação ao Nosso Existir (SP: Perspectiva, 1981) e A Testemunha Participante (SP: Perspectiva, 1983).
Além deste extenso trabalho lançou a A Artisticidade do Ser (SP: Perspectiva, 1987) e duas teorias de filosofia da arte: O Espaço da Arquitetura (1ª edição pela Imprensa Universitária – UFPE, 1970) e A Imagem Autônoma (ensaio de teoria do cinema) teve sua primeira publicação pela Editora Universitária (UFPE) em 1972. Interessante observar que essas teorias foram os seus últimos trabalhos, mas os primeiros a serem publicados pela Universidade Federal de Pernambuco. Infelizmente não conseguiu publicar os outros volumes aqui no Recife. Só depois de alguns anos, a editora Perspectiva, de São Paulo, ficou bastante interessada em lançar todo o seu trabalho, inclusive fazendo uma segunda edição de suas duas teorias.
É estranho para muita gente saber que em Pernambuco e mais precisamente no Recife existam filósofos. Evaldo Coutinho foi um grande pensador entre vários que já existiram como Farias Brito, Tobias Barreto e atualmente o Dr. Nelson Saldanha, todos provenientes da Escola de Pensamento do Recife (em breve falaremos um pouco sobre tão nobre, único no Brasil e inovador movimento surgido dentro da Faculdade de Recife nos fins do século XIX). Esta é mais uma faceta desta cidade. Sempre surpreendendo a muitos.
Voltemos, no entanto, ao pensador Coutinho. Para quem conhece o seu pensamento, sabe que, mesmo com toda a dificuldade de ler e compreender sua obra, há uma coerência interna na arquitetura de suas ideias.
O seu subjetivismo absoluto é radicalmente diferente de todos os outros clássicos e renomados pensadores da História da Filosofia, pois não é excludente dos outros “eus” que existiram e que existem.
Muito pelo contrário, todos estão incluídos e pertencem ao eu evaldiano universal, mas condicionado ao prazo de sua vida. A consciência que ele tinha de si mesmo é marcada pela famosa frase do sofista grego Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”, porém, retificada e ajustada por este pensador recifense ao enunciar: “eu sou a medida de todas as coisas”. Ele retirou a generalidade do pensamento do sofista, dando maior precisão e contingência. Desta forma entende-se a sua consciência demiúrgica perpassada em toda a sua obra.
Em A Artisticidade do Ser ele afirma ser o absoluto de todos os absolutos e complementa, declarando que ele diz isso, dele para ele mesmo; como cada um de nós também pode enunciar a mesma idéia. Outro aspecto importante em Evaldo, e não poderia ser diferente, a sua concepção filosófica e estética é humanística sem remeter ao transcendente. O ser, para ele, é uma transgressão ao não-ser. E tal transgressão é efêmera, pois todos nós estamos fadados a brevidade da existência, retornando assim, ao não-ser. Chegando aqui, tudo se acaba. O mundo inteiro morre quando morremos. Não há nenhuma possibilidade de salvação depois da morte. É uma postura extremamente trágica e realística, dura demais para ser assumida, talvez pessimista para muitos. No entanto, esse niilismo trágico foi defendido por Coutinho não apenas no plano teórico, viveu toda a sua vida e morreu convicto desta certeza indubitável.
Outra característica singular neste pensador é a criação de vários neologismos em nosso vernáculo de rica significação filosófica para poder expressar de modo mais exato conteúdos de sua visão cosmológica do ser. Como exemplo, o verbo existenciar com sentido muito próprio de um contemplador de todos os seres existentes e sem relação com a corrente filosófica européia do existencialismo. Outro termo muito interessante é artisticidade, uma qualidade empregada para enfatizar o caráter criativo e criador do ser. O Dr. Evaldo Coutinho tinha profundos conhecimentos da nossa língua e também do latim. Os neologismos inventados com conhecimento de causa enriqueceram ainda mais o nosso vocabulário.
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Frases de Evaldo Coutinho
“O universo é produto da nossa imaginação; o universo tem a idade de cada um de nós”.
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“A morte de um indivíduo é uma hecatombe universal. Quando ele morre leva consigo tudo que ele teve na vida”.
“O universo é produto da nossa imaginação; o universo tem a idade de cada um de nós”.
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“A morte de um indivíduo é uma hecatombe universal. Quando ele morre leva consigo tudo que ele teve na vida”.
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