terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A crise que Portugal atravessa

Texto de Paula Cristina Nunes Correia Duarte – Mestre em História – Ílhavo/Portugal 
Publicado no HUMANITAS nº 9 – Abril/2013 

Desde 2010, Portugal inicia espiral recessiva que, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), atingiu, em 2012, os -3,2% do PIB
Porque, dizem os especialistas, economistas e técnicos, homens sábios que só agora sabem coisas que deviam ter sabido antes, todos somos culpados por gastarmos o que ganhávamos, com o suor do nosso rosto, porque finalmente, com a entrada no euro usufruíamos de ordenados ainda que não do nível europeu, pelo menos aproximavam-se e o futuro surgia risonho, com possibilidades mais iguais para todos. Atualmente, no dizer destes esclarecidos fomos cigarras em vez de formigas diligentes. (1) No entanto, à época, aproveitaram as políticas europeias, sem questionarem e justificando a opção pela Europa como saída para a perda de mercados, que se deu com a descolonização.
Assim, atrevíamo-nos a comprar casa, a fazer planos de futuro, a ver os filhos a estudar, a irem para a faculdade, a quebrarem o ciclo de pobreza que tinha estado subjacente aos antepassados que tinham emigrado, anos a fio, para a Europa, para as Américas, para África, pelo mundo inteiro. Os mais desconfiados pensavam, isto tudo tem de se pagar; mas pagar a longo prazo, tão bem acolhidos fôramos pelos outros países europeus.
Ninguém nos ia tirar o tapete debaixo dos pés. Democratas, gente solidária, gente europeia, firme numa união de interesses, a disputar a hegemonia económica aos americanos - os chineses, esses não tinham hipótese, só faziam coisas frágeis, de pouca qualidade e eram tantos, que nunca iriam vencer… Estávamos nos anos 80-90. O nosso etnocentrismo não nos permitia ver além dos estereótipos.
Abril de 74 tinha-nos libertado do peso de sermos colonizadores, os últimos colonizadores europeus, em África. A população branca das colónias, misturada com alguns portugueses de cor retornava, a sua maioria onde nunca tinha estado.
Os anos mais turbulentos da revolução moldou almas, expiaram-se pecadilhos, e enquadraram a população em partidos. No início, uma miríade de partidos, revolucionários, com gente a “dar o litro”, a politizar-se ou a fazer cumprir sonhos há muito adiados nos anos mais duros do fascismo. Porque esse regime existiu e criou resistentes, lutadores que resistiram até que se deu a Revolução, momento em que se conjugaram vontades, desejos e possibilidades.
Os sonhos realizaram-se parcialmente. Alguns mantiveram as almas limpas e tentaram pôr em prática a honra que os movia, homens como Salgueiro Maia, o capitão de Abril que não quis ser general (2) ou cantores como Zeca Afonso, íntegro até ao fim, ou ainda os muitos homens e mulheres anónimos, que se pautaram por percursos honestos esperando a justiça que por vezes se fazia tardar.
A revolução ia-se desvanecendo. O rubro dos cravos tornava-se róseo, um “Português Suave”(3), com sabor a pouco para estes e a com cor a mais para os saudosistas, os medrosos que temiam que a revolução mostrasse as garras e os fizesse tomar decisões. Nados e criados no fascismo, durante 40 anos, estavam bem formatados e ainda choravam interiormente pelos vivas ao Chefe de Estado, nas paradas do 10 de Junho(4).  Para esses foi um alívio que Portugal entrasse nos eixos. Os pequenos partidos foram desaparecendo e as opções começaram a estar alcandoradas no voto útil e definem-se no horizonte político dois grandes partidos: o Partido Socialista, suficientemente domesticado, a salvação dos que mais temiam a esquerda radical ou o Partido Comunista, que durante o antigo regime fora decisivo como força de resistência, mas que trazia consigo o peso do totalitarismo; o Partido Popular Democrático, que projetava um sentido de justiça e equilíbrio que parecia ter desaparecido na turbulência da Revolução.
Portugal civilizou-se, tornou-se europeísta (5). Fizemos Expo 98. Precisámos de mão-de-obra que garantisse as construções megalómanas do regime. À direita ou à esquerda, em alternância. O Partido Socialista e o Partido Popular Democrático vão deixando a sua marca, criando um país de betão onde pela primeira vez não emigrávamos, mas recebíamos imigrantes de Leste, dos PALOP e do Brasil para servirem de mão de obra barata à construção civil, poderoso lobby que servia de clientela política ao mesmo tempo que condicionava opções  económicas estratégicas.
A Europa puxava os cordelinhos e por questões estruturais a nível comunitário fomos reduzindo as nossas quotas de pesca, plantámos o que nos dava mais subsídios e modernizámos indústrias e vias de comunicação numa tentativa de não perder mais tempo na corrida ao desenvolvimento, à modernidade. Por algum tempo as coisas pareciam correr bem, até que para todos, Europa incluída, o dinheiro ficou caro. E começa-se a cobrar. A nível mundial, a banca e os seus agiotas vêm negócios chorudos, mas pouco sustentáveis desmoronarem-se. As economias mais frágeis são as que se ressentem mais.
Desde 2010, Portugal inicia uma espiral recessiva que segundo o  Instituto Nacional de Estatística (INE), no ano passado, atingiu os -3,2% do Produto Interno Bruto, o nível mais baixo desde 1975.(6) 
A crise atravessa todos os estratos sociais, sendo os seus efeitos mais notórios a nível da classe média. Sobre ela tem-se abatido uma verdadeira tragédia, tornando cada vez mais pobres os remediados e fornecendo mão de obra altamente especializada aos países europeus, a Angola, a Moçambique e ao Brasil.
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(1) “Nós entramos no euro, só que pertencer ao euro obrigava-nos a ter uma determinada forma de vida de formiga e nós adoptamos uma forma de vida de cigarra”, disse Vítor Bento, conselheiro de Estado e professor de Economia, na conferência “Portalegre no século XXI: na Rota do Desenvolvimento”, promovida pelo município local, Fundação Robinson e Instituto Politécnico de Portalegre (IPP).
(2) Recusou, ao longo dos anos, ser membro do Conselho da Revolução, adido militar numa embaixada à sua escolha, governador civil do Distrito de Santarém e pertencer à casa militar da Presidência da República. Foi promovido a major em 1981 e, posteriormente a Tenente-Coronel, apesar de ter sido o operacional mais destacado no ataque ao quartel do Carmo, em 25 de abril de 1974.
(3) Tabaco português.
(4) Dia de Portugal.
(5) Portugal é membro de facto da União Europeia desde 1 de janeiro de 1986, após ter apresentado a sua candidatura de adesão a 28 de maço de 1977 e ter assinado o acordo de pré-adesão a 3 de dezembro de 1980.

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