quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O permanente conflito dialético capital-trabalho

Texto de Genésio Linhares – Professor MS – Recife/PE
Publicado no HUMANITAS nº 14 – Setembro/2013

Sob a superfície do rio da vida, a correnteza  da exploração segue em velocidade, aumentando, dia após dia, a riqueza de uns 247 senhores do mundo

Compreender a conjuntura política e social brasileira e mundial hodierna e nós, inseridos nesse contexto de extrema complexidade, não é tarefa nada fácil, principalmente quando o conflito dialético entre capital e trabalho perpetua-se com suas garras, dilacerando dramaticamente e de modo sangrento o dia a dia da realidade em que vivemos. Infelizmente, a sofisticação do sistema através de seus mecanismos altamente tecnológicos e científicos, o poder da Grande Mídia, os simulacros embotadores da verdade – e o que é e onde está a verdade? Ela ainda existe? – presentes em muitas produções cinematográficas mega-espetaculares, as produções televisivas alienantes, a presença cada vez maior de câmeras de vídeo observando quase todos os nossos passos, satélites com infravermelho podendo, na hora que desejarem e bem quiserem, invadir a nossa privacidade e os nossos movimentos por meio do calor que produzimos, e os celulares, nas mãos de quase todos os cidadãos, serão mesmo instrumentos de espionagem em larga escala como afirmam?
O fato é que há uma gama imensa de artifícios tecnológicos, informáticos e cibernéticos ricamente investidos para controlar, vigiar e submeter toda uma sociedade a um único padrão de vida massificada e transformada em cordeirinhos de presépio para impedir que possamos pensar e expressar criativamente nossas próprias ideias. E, pior ainda, obnubilar qualquer possibilidade de expormos e discutirmos democraticamente o famigerado antagonismo capital-trabalho.
Onde está a tão badalada democracia, que desde a Revolução Francesa, independência dos EUA aos dias atuais é intensamente alardeada e apregoada? Ela está mais para uma deusa intocada e jamais vista por mortal comum algum do que uma possibilidade real de vir a ser implantada em nosso mundo.
Ainda é possível falar de liberdade, quando inúmeros instrumentos como acabamos de mencionar apenas alguns, estreitam mais e mais os nossos espaços individuais e o que chamamos de “privacidade”, dimensão esta que vem sendo demolida como óbvio ultraje aos direitos mais naturais e íntimos de cada cidadão particular e notória contradição ao lema filosófico-ideológico capitalista liberal?
Neste contexto esquizofrênico e a “La George Orwell” esvazia-se toda e qualquer discussão filosófica sobre liberdade e direitos civis defendidos por diversos pensadores clássicos sérios, desde Platão e Aristóteles, passando por Maquiavel, Rousseau, Kant até Sartre e muitos outros mais contemporâneos.
A razão oculta de tudo isto, está no fato de que não podemos e nem devemos tocar, abordar, refletir, analisar ou questionar o “modus vivendi” dos poucos deuses acumuladores vorazes do gigantesco capital mundial. Enquanto isso, trabalhadores, técnicos especializados, cientistas, profissionais liberais e uma grande parcela da sociedade são explorados de forma aviltante por aqueles que estão no topo da pirâmide.
Por mais que queiramos pautar nossas vidas nos valores éticos, na honestidade, na retidão de espírito e caráter, nas virtudes mais excelsas, somos bombardeados sistematicamente com propagandas de momento, com lições hipnóticas antiéticas, com claros objetivos de impor a inversão dos valores éticos e morais. Junto a isto, o torpor, a alienação, o impedimento de ver as coisas com clarezas são ações teleguiadas para sedimentar uma sociedade decadente, doente, fundamentada no nada, no vazio de tudo, no apego ao efêmero e passageiro, na ilusão estimulada e desejada, mas raramente alcançada, de um dia tornar-se rico.
No entanto, sob a superfície do rio da vida, a correnteza da exploração segue em franca velocidade, aumentando, dia após dia, a riqueza de uns 247 senhores do mundo. Dentre eles estão banqueiros, mega-empresários de multinacionais, industriais e outros tantos. São estes senhores que estão determinando a Nova Ordem Mundial (reler o excelente artigo de Manfred Grellmann a este respeito que saiu no jornal Humanitas, nº 12, de julho/2013).
As relações econômicas quebraram as fronteiras nacionais. Segundo Ulrich Beck, tais relações são hoje “transnacionais”. O mesmo ocorrendo no campo cultural – neste sentido, indaga-se: como ficarão as culturas locais e suas peculiaridades?
Os estados de quase todos os países estão subordinados a esses títeres do poder econômico. O mundo não vive mais o conflito ideológico “bipolarizado” entre capitalismo e socialismo que gerou a “guerra fria” e que de uma forma ou outra, equilibrou o embate capital-trabalho, havendo muitas conquistas por parte do trabalho, no âmbito econômico e social no mundo capitalista, freando vários ideais do liberalismo. O mundo agora está “unipolarizado”. 
Os ideais liberalistas desde então vêm se impondo avassaladoramente, tirando muitas das conquistas e direitos dos trabalhadores e assalariados em geral. Assistimos a substituição da mão de obra humana pela tecnologia e pela robótica, criando uma massa ainda maior de desempregados mundo afora. E a situação está mais grave com essa crise nos países mais desenvolvidos, onde o embate e a exploração do capital-trabalho se aprofundam ainda mais.
Como ficamos nós então? Temos possibilidade de crescer economicamente e de nos desenvolver socialmente? Para alguns o momento é bastante favorável, mas é preciso investir pesado em educação de qualidade, criar mais cursos técnicos e de qualificação profissional, e, adquirir, investir e desenvolver tecnologia própria. 
No entanto, é preciso também resgatar os valores humanos, oferecer, junto a essa educação uma formação mais integral do ser humano; criar mecanismos para diminuir as desigualdades econômicas, melhorar a saúde pública e as condições de moradia e infraestrutura do povo mais pobre desta nação, mesmo sabendo que o horizonte da superação plena da tensão capital-trabalho nem tão cedo será avistado. Queremos ao menos um mundo menos selvagem, menos cruel e menos injusto para nós e nossos filhos.

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