Texto de Celso Lungaretti – Jornalista – São Paulo/SP
publicado no HUMANITAS nº 17 - Dezembro/2013
Em 1972, quando eu morava numa comunidade alternativa, um cachorrão
manso nos adotou. Foi entrando e, como não expulsávamos pessoas nem bichos,
resolveu ficar. Nunca fui muito chegado a cães. Um deles me atacou de
surpresa na minha meninice: veio correndo e, sem dar um único latido, cravou os
dentes na minha perna.
Também não contribuiu para torná-los simpáticos o fato de meu tio ser criador de coolies. Quando o visitava, lá pelos 14 anos de idade, uma daquelas aspirantes a Lassie tinha a mania de pular sobre mim, quase me derrubando; mantinha-se em pé com as patas dianteiras apoiadas no meu ombro e me agraciava com borbotões de hálito fedorento, até que alguém me tirasse daquela saia justa.
Mas, quando a carrocinha levou embora o mascote da nossa “comuna”, eu era o único homem disponível para resgatá-lo antes que o sacrificassem. Como não era tarefa para mulher, fui.
Ver aquela bicharada toda engaiolada, jururu, parecendo saber o destino que a aguardava, mexeu um pouco com meus sentimentos. E mais ainda quando o cachorrão, reconhecendo-me, passou da tristeza ao paroxismo da alegria num átimo. Até urinou de júbilo.
Aí fiquei comovido de verdade. Gostei de ter empregado assim meu tempo e não lamentei a grana utilizada para alugar uma kombi na volta, embora essa grana nos fosse tão escassa.
Quanto aos beagles que os ativistas salvaram dos maus-tratos, as madames que me perdoem, mas considero-os muito mais importantes do que cosméticos. E não engulo o papo furado de que pesquisas de medicamentos relacionados ao câncer sejam sagradas.
Trabalhei em empresas de comunicação que divulgavam o lançamento de tais remédios. Detestava-os profundamente... “porque não se destinavam a curar o câncer!”
Longe disso. Sua verdadeira finalidade era e é, conforme alegações dos próprios fabricantes, a de dar “qualidade de vida” aos “pés na cova” e adiar um pouquinho o encontro deles com Tanathos.
A preço de ouro, claro.
Antes que me esqueça: quem teve a repulsiva idéia de utilizar com tamanha impropriedade a expressão “qualidade de vida”, fez jus à outra expressão, a que o grande Zé Celso cunhou para designar os publicitários: “filhos de Goebbels”.
Velhos incapazes de encarar a morte com dignidade pagam sem chiar os preços escorchantes, empobrecendo os herdeiros. Quando morrem, deixam uma terra arrasada para trás e são amaldiçoados pelos entes queridos.
Mas, maldita mesmo é a indústria farmacêutica, quando depena sujeitos fragilizados pela paúra!
Nunca entendi por que não se entopem com a velha morfina, ao invés de caírem no conto do vigário dos tais me(r)dicamentos de ponta...
Que sejam felizes os beagles! Que sofram os rapinantes, com (espero!) uma forte crise de abstinência de dinheiro mal ganho!
Também não contribuiu para torná-los simpáticos o fato de meu tio ser criador de coolies. Quando o visitava, lá pelos 14 anos de idade, uma daquelas aspirantes a Lassie tinha a mania de pular sobre mim, quase me derrubando; mantinha-se em pé com as patas dianteiras apoiadas no meu ombro e me agraciava com borbotões de hálito fedorento, até que alguém me tirasse daquela saia justa.
Mas, quando a carrocinha levou embora o mascote da nossa “comuna”, eu era o único homem disponível para resgatá-lo antes que o sacrificassem. Como não era tarefa para mulher, fui.
Ver aquela bicharada toda engaiolada, jururu, parecendo saber o destino que a aguardava, mexeu um pouco com meus sentimentos. E mais ainda quando o cachorrão, reconhecendo-me, passou da tristeza ao paroxismo da alegria num átimo. Até urinou de júbilo.
Aí fiquei comovido de verdade. Gostei de ter empregado assim meu tempo e não lamentei a grana utilizada para alugar uma kombi na volta, embora essa grana nos fosse tão escassa.
Quanto aos beagles que os ativistas salvaram dos maus-tratos, as madames que me perdoem, mas considero-os muito mais importantes do que cosméticos. E não engulo o papo furado de que pesquisas de medicamentos relacionados ao câncer sejam sagradas.
Trabalhei em empresas de comunicação que divulgavam o lançamento de tais remédios. Detestava-os profundamente... “porque não se destinavam a curar o câncer!”
Longe disso. Sua verdadeira finalidade era e é, conforme alegações dos próprios fabricantes, a de dar “qualidade de vida” aos “pés na cova” e adiar um pouquinho o encontro deles com Tanathos.
A preço de ouro, claro.
Antes que me esqueça: quem teve a repulsiva idéia de utilizar com tamanha impropriedade a expressão “qualidade de vida”, fez jus à outra expressão, a que o grande Zé Celso cunhou para designar os publicitários: “filhos de Goebbels”.
Velhos incapazes de encarar a morte com dignidade pagam sem chiar os preços escorchantes, empobrecendo os herdeiros. Quando morrem, deixam uma terra arrasada para trás e são amaldiçoados pelos entes queridos.
Mas, maldita mesmo é a indústria farmacêutica, quando depena sujeitos fragilizados pela paúra!
Nunca entendi por que não se entopem com a velha morfina, ao invés de caírem no conto do vigário dos tais me(r)dicamentos de ponta...
Que sejam felizes os beagles! Que sofram os rapinantes, com (espero!) uma forte crise de abstinência de dinheiro mal ganho!
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