Texto de Rafael Rocha – Jornalista –
Recife/PE
Publicado no HUMANITAS nº 14 – Setembro/2013
O andarilho
da zona do meretrício do Recife condensava de forma extrema as contradições de
todas as opressões e desconstruía o pudor hipócrita das elites
Ivo Alves da Silva era conhecido na cidade do Recife como “Lolita”. Nas lembranças de quem o viu de perto, como eu vi e de quem conheceu
suas bravatas e fama de brigão tornou-se figura folclórica ao ponto dele mesmo
dizer que “quem não conhece Lolita
não conhece o Recife”. Uma variante
de “quem vai a Roma e não conhece o
papa não conhece nada”.
“Lolita” era um bebedor diário, homossexual e arruaceiro brigão. E muito mais do que isso era um cantor de rua, clown dos estudantes de engenharia e de direito, quando as duas escolas eram vizinhas, entre as ruas do Hospício e Riachuelo. A fama de Lolita teve seu auge nos meados dos anos 50 e 60. Ele deve ter morrido depois do ano de 1975. Não se tem certeza.
O tipo “Lolita” é incomum. Não se pode fazer um resumo simples. Ele levava para as ruas da cidade do Recife a explosão das contradições sociais brasileiras. Nascido no município de Nazaré da Mata, terra dos canaviais, migrou para São Paulo como faziam todos os nordestinos da época em busca de fortuna. Aos 22 anos, já alfabetizado, retornou ao Recife e tornou-se nome urbano da cultura de massa.
Seu vulgo “Lolita” nasceu de um personagem de um filme brasileiro de chanchada e de um folheto de cordel que ele leu e decorou todo. No filme e no folheto existiam personagens com o nome “Lolita”, e ele, como declamador dos versos pelas ruas do Recife, passou a ser chamado assim. Sua vida? Deve ter sido igual a de tantos meninos pobres. Estuprado quando ainda criança em sua terra natal terminou estigmatizado pelo pai, tornando-se a partir daí um beberrão e maconheiro. Toda sua vida adulta viveu nas zonas de prostituição, no bairro do Recife e no bairro do Pina, na Pensão Jaú.
Jamais mostrou infelicidade pela vida que levava. Dizia que adorava viver nesses lugares e também entre a estudantada universitária. Com a polícia do Recife teve uma relação não muito boa, mas até certo ponto cheia de paradoxos. Era perseguido, odiado, acolhido e protegido por muitos policiais. Apesar de pequeno e franzino era um valentão. Ninguém queria brigar com ele. Todos tinham medo dele, principalmente os playboys da alta sociedade.
Conheci “Lolita” em minha adolescência. Vi “Lolita” atuar na calçada no Bar Savoy, em plena Avenida Guararapes, fazendo uma arruaça dos demônios depois de ter bebido demasiado. De repente, apareceu um camburão com policiais militares para acabar com a “festa” dele. Não deu certo. Os policiais (em um total de cinco) tentaram deter “Lolita” na base da violência.
Todos eles entraram na pior, apanharam feio e pediram reforços. Chegaram dois camburões e cercaram “Lolita”. O tempo fechou! Depois de muito apanhar e completamente ensanguentado, “Lolita” olha para um dos policiais que brande o cacetete para ele e grita: "Bate, bate neste corpo que já foi teu". O PM parou de bater depois de ver que todos os bebedores do Bar Savoy estavam a zombar dele.
O homem, sim, porque ele era um homem, condensava de forma extrema as contradições de todas as opressões. Sua família representou a fatalidade da exploração dos canaviais de Pernambuco. Todos os membros migraram para São Paulo, como fizeram famílias inteiras.
Assim não custa entender porque “Lolita” tornou-se uma expressão libertária das ruas do Recife. Ele deixava a "zona do meretrício" e levava o corpo para as pontes e ruas chiques do centro da cidade. E então explodia sua agressividade e seus "escândalos cantantes".
Ele desconstruía o pudor hipócrita e a máscara de macheza da elite pernambucana, desmoralizando-a com a sua extrema valentia e modo de brigar. Na ditadura militar suas peregrinações folclóricas pelas ruas do Recife acabaram à força, mas a lenda “Lolita” continua viva nas ruas do Recife e nas gerações que o conheceram e que o viram encarar a violência, brigando contra os poderes constituídos e cantar imitando a insuperável Ângela Maria de quem era fã: “Será que eu sou feia?” Secundado pelos boêmios dos bares: Não é não, senhor! E ele: Então eu sou linda? E os boêmios: Você é um amor!
“Lolita” era um bebedor diário, homossexual e arruaceiro brigão. E muito mais do que isso era um cantor de rua, clown dos estudantes de engenharia e de direito, quando as duas escolas eram vizinhas, entre as ruas do Hospício e Riachuelo. A fama de Lolita teve seu auge nos meados dos anos 50 e 60. Ele deve ter morrido depois do ano de 1975. Não se tem certeza.
O tipo “Lolita” é incomum. Não se pode fazer um resumo simples. Ele levava para as ruas da cidade do Recife a explosão das contradições sociais brasileiras. Nascido no município de Nazaré da Mata, terra dos canaviais, migrou para São Paulo como faziam todos os nordestinos da época em busca de fortuna. Aos 22 anos, já alfabetizado, retornou ao Recife e tornou-se nome urbano da cultura de massa.
Seu vulgo “Lolita” nasceu de um personagem de um filme brasileiro de chanchada e de um folheto de cordel que ele leu e decorou todo. No filme e no folheto existiam personagens com o nome “Lolita”, e ele, como declamador dos versos pelas ruas do Recife, passou a ser chamado assim. Sua vida? Deve ter sido igual a de tantos meninos pobres. Estuprado quando ainda criança em sua terra natal terminou estigmatizado pelo pai, tornando-se a partir daí um beberrão e maconheiro. Toda sua vida adulta viveu nas zonas de prostituição, no bairro do Recife e no bairro do Pina, na Pensão Jaú.
Jamais mostrou infelicidade pela vida que levava. Dizia que adorava viver nesses lugares e também entre a estudantada universitária. Com a polícia do Recife teve uma relação não muito boa, mas até certo ponto cheia de paradoxos. Era perseguido, odiado, acolhido e protegido por muitos policiais. Apesar de pequeno e franzino era um valentão. Ninguém queria brigar com ele. Todos tinham medo dele, principalmente os playboys da alta sociedade.
Conheci “Lolita” em minha adolescência. Vi “Lolita” atuar na calçada no Bar Savoy, em plena Avenida Guararapes, fazendo uma arruaça dos demônios depois de ter bebido demasiado. De repente, apareceu um camburão com policiais militares para acabar com a “festa” dele. Não deu certo. Os policiais (em um total de cinco) tentaram deter “Lolita” na base da violência.
Todos eles entraram na pior, apanharam feio e pediram reforços. Chegaram dois camburões e cercaram “Lolita”. O tempo fechou! Depois de muito apanhar e completamente ensanguentado, “Lolita” olha para um dos policiais que brande o cacetete para ele e grita: "Bate, bate neste corpo que já foi teu". O PM parou de bater depois de ver que todos os bebedores do Bar Savoy estavam a zombar dele.
O homem, sim, porque ele era um homem, condensava de forma extrema as contradições de todas as opressões. Sua família representou a fatalidade da exploração dos canaviais de Pernambuco. Todos os membros migraram para São Paulo, como fizeram famílias inteiras.
Assim não custa entender porque “Lolita” tornou-se uma expressão libertária das ruas do Recife. Ele deixava a "zona do meretrício" e levava o corpo para as pontes e ruas chiques do centro da cidade. E então explodia sua agressividade e seus "escândalos cantantes".
Ele desconstruía o pudor hipócrita e a máscara de macheza da elite pernambucana, desmoralizando-a com a sua extrema valentia e modo de brigar. Na ditadura militar suas peregrinações folclóricas pelas ruas do Recife acabaram à força, mas a lenda “Lolita” continua viva nas ruas do Recife e nas gerações que o conheceram e que o viram encarar a violência, brigando contra os poderes constituídos e cantar imitando a insuperável Ângela Maria de quem era fã: “Será que eu sou feia?” Secundado pelos boêmios dos bares: Não é não, senhor! E ele: Então eu sou linda? E os boêmios: Você é um amor!
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