sexta-feira, 4 de março de 2016

HUMANITAS Nº 45 – MARÇO DE 2016 – PÁGINA 8

O capoeirista do Recife que morreu invicto
Especial para o Humanitas

Rafael Rocha é escritor, jornalista e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

Nascimento ficou velho / Seu cabelo embranqueceu / Mas em seu rosto enrugado / Um homem nunca bateu / Sendo assim tão iracundo / Com honras viveu no mundo / Honrado também morreu. (cordel popular)
****
O maior capoeirista de Pernambuco de todos os tempos, O Capoeira José Nascimento da Silva ou Nascimento Grande nasceu em 1842 e faleceu em 1936. Sempre foi manchete nos principais jornais do Recife dessas épocas. Ele era um negro com dois metros de altura, possuidor de um longo bigode, gentil, educado, veloz, algo quase que incompatível com a sua estatura física e peso – 120 quilos.
Ganhou o respeito da imprensa da época que lhe concedeu o título de herói, baseado no fato dele só ter brigado durante toda a vida exclusivamente para se defender.
Nascimento Grande era capaz de enfrentar um pelotão policial, brigava, usava as pernas, saltava de banda, escalava muros, e depois procurava o soldado mais fraco da corporação e se entregava.
Ele ganhou a simpatia de todas as classes sociais, inclusive as do meio cultural, não só do Recife, mas de outros estados do Brasil. Era admirado por Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Câmara Cascudo, José Mariano (pai do poeta Olegário Mariano) e Gilberto Amado. Todas essas pessoas que depois ganharam fama, além de o conhecerem pessoalmente estimavam o Capoeira.
Gilberto Freyre chegou a pedir com ênfase ao governo do estado uma homenagem logo que soube do falecimento de Nascimento Grande, aos 94 anos de idade, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em 1936.
Ele era um operário do porto do Recife, que exercia a função de estivador, bastante conhecido como portador de uma força descomunal. Poderia ser até mesmo o João Valentão da música de Dorival Caymmi.
Não era religioso, mas costumava parar em frente de qualquer igreja para fazer uma oração aos santos e também frequentava os terreiros de candomblé para consultar os pais de santo.
Quando algum amigo estava com problemas sérios ele aconselhava: - Siga ligeiro pra casa / Vá procurar "Pai João" / Vá fazer o que lhe digo/ Mas também não tema não / Compre maconha e jurema / Faça uma defumação.
A fama de Nascimento Grande despertou curiosidade entre os valentões mais famosos do Brasil: Pirajé (de Belém do Pará), Manezinho Camisa Preta (do Rio de Janeiro) e Pajeú (do sertão de Pernambuco).
Pajeú era o que mais tentava achar uma ocasião certa para desafiar Nascimento Grande.
Vivia a convocá-lo para briga com local e hora marcada. Mas o interessante de tudo é que ambos eram amigos.  Sempre participavam de festa juntos.
A maior e mais violenta briga dos dois, foi marcada com antecedência em frente à igreja do Carmo. O pau comeu durante horas.
Quando terminou a briga entre os dois, Nascimento Grande colocou o parceiro nas costas e o levou banhado em sangue para o hospital.
O Jornal do Commercio do Recife, do dia 20 de fevereiro de 1936 tem reportagem onde se diz que, aos 93 anos, o Capoeira foi até a feira livre de Paraguaçu (MG), e lá comprou um abacaxi a um português dono de barraca. O portuga ao ver como era avançada a idade do Capoeira, colocou um abacaxi com um pedaço podre, enrolou e entregou-lhe na mão.
Quando Nascimento verificou a sacanagem, voltou à barraca do portuga e foi direto no pescoço dele, do jeito que os capoeiristas do Recife da época faziam. Quase que o português morre.
As inúmeras façanhas de Nascimento Grande estão documentadas nos principais jornais do Recife.

Nenhum comentário:

Postar um comentário