O capoeirista do Recife que morreu
invicto
Especial para o Humanitas
Rafael Rocha
é escritor, jornalista e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE
Nascimento
ficou velho / Seu cabelo embranqueceu / Mas em seu rosto enrugado / Um homem
nunca bateu / Sendo assim tão iracundo / Com honras viveu no mundo / Honrado
também morreu. (cordel popular)
****
O maior capoeirista de Pernambuco de todos os tempos, O Capoeira José Nascimento da
Silva ou Nascimento Grande
nasceu em 1842 e faleceu em 1936. Sempre foi manchete nos principais jornais do
Recife dessas épocas. Ele era um negro com dois metros de altura, possuidor de
um longo bigode, gentil, educado, veloz, algo quase que incompatível com a sua
estatura física e peso – 120 quilos.
Ganhou o
respeito da imprensa da época que lhe concedeu o título de herói, baseado no
fato dele só ter brigado durante toda a vida exclusivamente para se defender.
Nascimento Grande era capaz
de enfrentar um pelotão policial, brigava, usava as pernas, saltava de banda,
escalava muros, e depois procurava o soldado mais fraco da corporação e se
entregava.
Ele ganhou a
simpatia de todas as classes sociais, inclusive as do meio cultural, não só do
Recife, mas de outros estados do Brasil. Era admirado por Gilberto Freyre, José
Lins do Rego, Câmara Cascudo, José Mariano (pai do poeta Olegário Mariano) e
Gilberto Amado. Todas essas pessoas que depois ganharam fama, além de o
conhecerem pessoalmente estimavam o Capoeira.
Gilberto
Freyre chegou a pedir com ênfase ao governo do estado uma homenagem logo que
soube do falecimento de Nascimento
Grande, aos 94 anos de idade, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em
1936.
Ele era um
operário do porto do Recife, que exercia a função de estivador, bastante
conhecido como portador de uma força descomunal. Poderia ser até mesmo o João Valentão da música de Dorival
Caymmi.
Não era
religioso, mas costumava parar em frente de qualquer igreja para fazer uma
oração aos santos e também frequentava os terreiros de candomblé para consultar
os pais de santo.
Quando algum
amigo estava com problemas sérios ele aconselhava: - Siga ligeiro pra casa / Vá procurar "Pai João" / Vá fazer o
que lhe digo/ Mas também não tema não / Compre maconha e jurema / Faça uma
defumação.
A fama de Nascimento Grande despertou
curiosidade entre os valentões mais famosos do Brasil: Pirajé (de Belém do Pará), Manezinho Camisa Preta (do Rio de Janeiro) e Pajeú (do sertão de Pernambuco).
Pajeú era o que mais tentava achar uma
ocasião certa para desafiar Nascimento
Grande.
Vivia a
convocá-lo para briga com local e hora marcada. Mas o interessante de tudo é
que ambos eram amigos. Sempre
participavam de festa juntos.
A maior e
mais violenta briga dos dois, foi marcada com antecedência em frente à igreja
do Carmo. O pau comeu durante
horas.
Quando
terminou a briga entre os dois, Nascimento
Grande colocou o parceiro nas costas e o levou banhado em sangue para o
hospital.
O Jornal do Commercio do Recife, do
dia 20 de fevereiro de 1936 tem reportagem onde se diz que, aos 93 anos, o Capoeira foi até a feira livre de
Paraguaçu (MG), e lá comprou um abacaxi a um português dono de barraca. O
portuga ao ver como era avançada a idade do Capoeira, colocou um abacaxi com um
pedaço podre, enrolou e entregou-lhe na mão.
Quando
Nascimento verificou a sacanagem, voltou à barraca do portuga e foi direto no
pescoço dele, do jeito que os capoeiristas do Recife da época faziam. Quase que
o português morre.
As inúmeras
façanhas de Nascimento Grande
estão documentadas nos principais jornais do Recife.
Nenhum comentário:
Postar um comentário