quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A evolução comum da linguagem portuguesa

Texto de Ricardo Tiné - Pesquisador Guaraí/TO  
Publicado no HUMANITAS nº 11 – junho/2013

Os gramáticos normativistas, defensores da lusofonia no Brasil, não são afeiçoados aos estudos científicos complexos da formação das línguas
A língua portuguesa escrita passou gradualmente para uso geral só a partir do final do século XIII. Portugal tornou-se um país independente em 1143, com o rei dom Afonso I. A separação política entre Portugal e Galiza e Castela (mais tarde Espanha) permitiu a evolução em direções opostas do latim vernáculo presente nos três países.
Em 1290, o rei dom Dinis (ou Denis) criava a primeira universidade portuguesa em Lisboa (o Estudo Geral) e decretava que o português, que então era chamado "linguagem" fosse usado em vez do latim em contexto administrativo. Em 1296, o português foi adotado pela Chancelaria Real. A partir deste momento, passou a ser usado não só na poesia, mas também na redação das leis e nos notários.
Até 1350, a língua galego-portuguesa permaneceu apenas como língua nativa da Galiza e Portugal; mas em meados do século XIV, o português tornou-se uma língua elaborada, dotada de uma tradição literária riquíssima, e também foi adotada por muitos poetas leoneses, castelhanos, aragoneses e catalães. Durante essa época, a língua na Galiza começou a ser influenciada pelo castelhano (basicamente o espanhol moderno), tendo-se também iniciado a introdução do espanhol como única forma de língua culta.
Em Portugal, a fixação da corte em Lisboa, o surgimento da imprensa e a profunda textualização das classes dominantes (aristocracia, clero e burguesia) levaram ao desenvolvimento e elaboração de uma norma padrão a partir dos séculos XV/XVI de características centro-meridionais e à “exportação” de variedades linguísticas despojadas de marcas setentrionais para os novos territórios descobertos e colonizados pelos portugueses.
Criado por derivação do latim, o galego recebeu contribuições germânicas, elementos árabes e componentes indo-europeus e pré-indo-europeus de todo tipo, ainda na Galiza, no antigo território da Gallaecia romana.
Depois desceu mais ao sul, levado pelos galegos, e ocupou o Norte do espaço que somente muito depois pertenceria ao território global do que seria chamado Portugal, entre os rios Minho e Douro, e em seguida se estendeu até o Mondego (limite da Gallaecia até avançada época), para finalmente se espraiar até o extremo sul da península, e agregar outras contribuições (moçárabes, inclusive).
Podemos aqui traçar este paralelo: assim como o Brasil, após receber o patrimônio linguístico dos portugueses, assimilando componentes tupinambás ou africanos, manteve a estrutura da língua dita "portuguesa", da mesma forma os portugueses admitiram outros elementos, mantendo a estrutura originalmente galega.
O ensaísta português Agostinho da Silva, em um livro intitulado Vida Conversável (p.52), assinala que "Portugal tratou o Brasil muito bem durante a época colonial e, se não tivessem sido os portugueses, o Brasil não se teria constituído". Este ponto de vista, que é o oficial na pátria de Camões, obscurece o extermínio de milhões de indígenas, a arrecadação de toneladas de ouro e outros minerais preciosos das "minas gerais", e, inclusive, a devastação de florestas inteiras, praticamente eliminando das terras brasileiras o pau-brasil, a árvore que teria emprestado o nome ao País, dado seu consumo intenso na Europa, nos primeiros séculos da colonização. 
Certo é que os gramáticos normativistas, defensores da lusofonia no Brasil, não são afeiçoados aos estudos científicos complexos da formação das línguas, pois, para embasarem os seus frágeis conceitos sem nenhuma argumentação que se possa dar crédito, elegem um determinado momento do passado para daí tecerem meras e falsas opiniões que, trazidas de Portugal – portanto, não suas – tentam a ferro e fogo imputar nas memórias e nos falares brasileiros, que eles, “papagaios de piratas portugueses” estão com a verdade dos fatos em referência ao que se deva falar e escrever aqui no Brasil. 
Considero oportuno citar um trecho do padre Antônio Vieira: “O brasileiro que atravessar a fase atual terá que testemunhar aos seus descendentes, com vergonha, uma longa página de amargura e vilipêndio, onde os olhos de nossos filhos buscarão um ponto de refrigério em que se consolem; um país grandioso, inesgotável na sua natureza, e, todavia, física e moralmente estagnado, na sua imensa amplidão, como um vasto pântano; com um governo representando lição viva de todas as corrupções; a casa dos padres conscritos (recrutados para o serviço militar) transformada em uma grande escola de cortesias”. (Lins, Ivan. Aspectos do Padre Antônio Vieira (Rui Barbosa; Rio de Janeiro: São José, 1956).

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