Texto
de Ana Maria Leandro – Jornalista – Belo Horizonte/MG
publicado no HUMANITAS nº 13 – Agosto/2013
Um povo não pode viver de esmolas. Um povo precisa se
alimentar saudavelmente e receber atendimento fácil em situações de doenças
“O Brasil tem um
papel adequado ao seu tamanho. O Brasil não pode querer ser mais do que é,
mesmo porque tem uma série de limitações, a principal das quais é o seu déficit
social” (citação de Luiz
Felipe Lmpreia, ministro de Relações Exteriores do
governo FHC/2001).
A afirmativa do autor da frase, aparentemente quase vaticinante, revela bem uma espécie de crédito de que pobreza é normal para uma parte da população brasileira (que é maioria). De tal forma é comum se ouvir que já somos privilegiados pela natureza e como tal devemos “dar graças a Deus”.
Aliás, o problema de “deixar tudo nas mãos de Deus” tem sido um lenitivo para a miséria, a abismal defasagem social e um crescimento da aceitação de que ainda estamos em um “IDH” abaixo da média da América Latina e arrastando a 85ª posição em um ranking composto por 187 países (exclui-se Coreia do Norte e Somália dos 187 países, por falta de dados) segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Pois bem, a pátria amada e idolatrada das camadas que não usufruem das benesses do poder (os que abusam do poder não se pode pensar que a amam, pois não se ama o que se destrói, ainda que por interesses pessoais), de vez em quando resolve levantar-se do berço esplêndido e gritar por desenvolvimento social. Em toda a pauta de reivindicações dos participantes dos movimentos populares em trânsito se pôde ver claramente que há um único apelo: desenvolvimento social. As “bolsas de esmolas” não alimentam a fome. Saúde precária pela falta de qualidade alimentar força a extensa procura de um sistema de saúde sucateado. Nesse quadro, ainda vem a necessidade de ir e vir, num clima de insegurança abalado pela marginalidade (aliás, não apenas de bandidos foragidos, como também de colarinhos brancos que nunca foram presos).
Para o ir e vir ao trabalho longínquo tem de se suportar coletivos quebrados, dirigidos por motoristas igualmente frustrados e dando solavancos na direção, superlotado numa viagem que deixa o passageiro chegar já esgotado na empresa que atua. Neste quadro, produção e qualidade se tornam mais difíceis e a roda gira: menos produção, menos qualidade, menor poder econômico, menor desenvolvimento etc...
Como se não percebessem este trágico círculo, poderosos armam o cenário de tortura na terra e a mordomia no espaço azul do céu. Os “emergentes” desistem dos coletivos e compram para pagar o resto da vida um carro (o mesmo acabará muito antes de ser pago), alavancados principalmente por isenções fiscais oportunistas para os empresários, que forçam as montadoras a triplicarem a produção e superlotar as ruas.
Estrangulamento de trânsito, estradas esburacadas, estresse geral e eis o cenário macabro na terra, enquanto jatinhos pagos pela massa ignara cortam os céus em passeios familiares dos que “podem voar sem pagar”. Lá é melhor, é claro, e nem se vê os conflitos de quem está no chão.
A princípio alguns “líderes do poder” ousaram afirmar, que os integrantes da movimentação compõem uma “minoria” dirigida por interesses políticos (se não fosse trágico, seria cômico uma afirmativa desta: “interesse político” quando falta até condições de sobrevivência... Pouco esperto o falante desta pérola...). Instigada pela acusação e para mostrar o contrário, a massa humana se redobra no movimento e não permite a participação de qualquer integrante político, queimando as bandeiras dos partidos que insistem em mostrar. E assim se passam dias, semanas, meses sabe-se lá quanto tempo, ou talvez até que se veja pelo menos o início do atendimento das reivindicações, coisa que já se começa a fazer. É possível que aos poucos haja um “intervalo amansado”... Até o próximo acordar do gigante, porque as leves mudanças realizadas são como simples “torrões de açúcar” que se dá a cavalos para que se aquietem.
Também sobre a “brilhante” ideia de que haja “interesse político” é interessante lembrar que o estopim do movimento foi a redução de vinte centavos no preço dos coletivos (que nem este valor merece). Dizer que é pelo interesse de vinte centavos é de fato admitir que nossa política é de fato miserável. Reduz-se à pequenez de nossos líderes políticos, que não conseguem compreender, que não adianta esconderem-se atrás das grades de ouro de seus palacetes, nem se afastar para passeios em jatinhos mantidos pela massa. Uma hora, de repente, o gigante se levanta, acampa em suas portas, adentram seus templos mandatários e os fazem trabalhar a semana toda(!) em “consertos e remendos” que deveriam ter feito há anos.
Entretanto, temos que admitir: algo está acontecendo e não são mudanças de cima para baixo, mas sim de baixo para cima... Ufa!... Este povo que se denomina “bravo”, mas gosta de ser identificado como “pacífico” e se submete fácil, de repente junta principalmente os mais jovens, empolgados em suas naturezas e ansiedades pelo novo, e se pintam como os índios o fazem: na festa e na guerra.
Embora se embolem aos marginais que aproveitam a onda alta (repito, os marginais estão ali porque o sistema prisional não consegue mantê-los presos), os jovens lutadores estão fazendo uma defesa legítima de um futuro, que seus pais não deram conta de lhes legar.
Slogans intrigantes e até vaidosos são hasteados: “Desculpem-nos os transtornos estamos mudando o Brasil” (esta, nossa presidente inteligentemente saudou). E mais: com uma foto do Congresso Nacional invadido pelo povo, se lê uma frase que soa como se com raiva e ironia: “Nunca se viu tanta gente boa no Congresso”; “Enquanto a bola rola, falta Saúde e Escola”; “Presidente me chama de Copa e investe em mim.. Ass.: Educação”; “Ou para a roubalheira ou paramos o Brasil” etc...
É impressionante quanta indignação o povo teve calada na garganta, à flor da pele no suor de um trabalho oferecendo quatro meses e meio do ano de serviços, para pagar todos os impostos que lhe são arrancados.
Um povo não pode viver de esmolas. Um povo precisa se alimentar saudavelmente e receber atendimento fácil em situações de doenças. São inúmeras as situações de usuários do INSS rodando com seus entes queridos entre postos de atendimento e aguardando horas de espera, e ainda assim muitas vezes perdendo o parente que não resiste à demora em ser cuidado.
Um povo precisa ter trabalho digno e chegar a ele descansado para produzir. Os governantes ainda declaram que a redução do valor de passagens em coletivos, se deu em função da desoneração de tributos para os empresários. Ou seja, empresários para ceder precisam levar alguma coisa. E o povo? Deve ceder sempre?
Interessante observar que no início dos movimentos, vários líderes políticos, talvez não acreditando em sua expansão, retalharam os atos públicos, afirmando que era “apenas uma pequena minoria de baderneiros”. Surpreendentemente o movimento se redobrou e eis que hoje, alarmados com resultados futuros de urnas eles trocaram o discurso. Já consideram legítimo o movimento...
A afirmativa do autor da frase, aparentemente quase vaticinante, revela bem uma espécie de crédito de que pobreza é normal para uma parte da população brasileira (que é maioria). De tal forma é comum se ouvir que já somos privilegiados pela natureza e como tal devemos “dar graças a Deus”.
Aliás, o problema de “deixar tudo nas mãos de Deus” tem sido um lenitivo para a miséria, a abismal defasagem social e um crescimento da aceitação de que ainda estamos em um “IDH” abaixo da média da América Latina e arrastando a 85ª posição em um ranking composto por 187 países (exclui-se Coreia do Norte e Somália dos 187 países, por falta de dados) segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Pois bem, a pátria amada e idolatrada das camadas que não usufruem das benesses do poder (os que abusam do poder não se pode pensar que a amam, pois não se ama o que se destrói, ainda que por interesses pessoais), de vez em quando resolve levantar-se do berço esplêndido e gritar por desenvolvimento social. Em toda a pauta de reivindicações dos participantes dos movimentos populares em trânsito se pôde ver claramente que há um único apelo: desenvolvimento social. As “bolsas de esmolas” não alimentam a fome. Saúde precária pela falta de qualidade alimentar força a extensa procura de um sistema de saúde sucateado. Nesse quadro, ainda vem a necessidade de ir e vir, num clima de insegurança abalado pela marginalidade (aliás, não apenas de bandidos foragidos, como também de colarinhos brancos que nunca foram presos).
Para o ir e vir ao trabalho longínquo tem de se suportar coletivos quebrados, dirigidos por motoristas igualmente frustrados e dando solavancos na direção, superlotado numa viagem que deixa o passageiro chegar já esgotado na empresa que atua. Neste quadro, produção e qualidade se tornam mais difíceis e a roda gira: menos produção, menos qualidade, menor poder econômico, menor desenvolvimento etc...
Como se não percebessem este trágico círculo, poderosos armam o cenário de tortura na terra e a mordomia no espaço azul do céu. Os “emergentes” desistem dos coletivos e compram para pagar o resto da vida um carro (o mesmo acabará muito antes de ser pago), alavancados principalmente por isenções fiscais oportunistas para os empresários, que forçam as montadoras a triplicarem a produção e superlotar as ruas.
Estrangulamento de trânsito, estradas esburacadas, estresse geral e eis o cenário macabro na terra, enquanto jatinhos pagos pela massa ignara cortam os céus em passeios familiares dos que “podem voar sem pagar”. Lá é melhor, é claro, e nem se vê os conflitos de quem está no chão.
A princípio alguns “líderes do poder” ousaram afirmar, que os integrantes da movimentação compõem uma “minoria” dirigida por interesses políticos (se não fosse trágico, seria cômico uma afirmativa desta: “interesse político” quando falta até condições de sobrevivência... Pouco esperto o falante desta pérola...). Instigada pela acusação e para mostrar o contrário, a massa humana se redobra no movimento e não permite a participação de qualquer integrante político, queimando as bandeiras dos partidos que insistem em mostrar. E assim se passam dias, semanas, meses sabe-se lá quanto tempo, ou talvez até que se veja pelo menos o início do atendimento das reivindicações, coisa que já se começa a fazer. É possível que aos poucos haja um “intervalo amansado”... Até o próximo acordar do gigante, porque as leves mudanças realizadas são como simples “torrões de açúcar” que se dá a cavalos para que se aquietem.
Também sobre a “brilhante” ideia de que haja “interesse político” é interessante lembrar que o estopim do movimento foi a redução de vinte centavos no preço dos coletivos (que nem este valor merece). Dizer que é pelo interesse de vinte centavos é de fato admitir que nossa política é de fato miserável. Reduz-se à pequenez de nossos líderes políticos, que não conseguem compreender, que não adianta esconderem-se atrás das grades de ouro de seus palacetes, nem se afastar para passeios em jatinhos mantidos pela massa. Uma hora, de repente, o gigante se levanta, acampa em suas portas, adentram seus templos mandatários e os fazem trabalhar a semana toda(!) em “consertos e remendos” que deveriam ter feito há anos.
Entretanto, temos que admitir: algo está acontecendo e não são mudanças de cima para baixo, mas sim de baixo para cima... Ufa!... Este povo que se denomina “bravo”, mas gosta de ser identificado como “pacífico” e se submete fácil, de repente junta principalmente os mais jovens, empolgados em suas naturezas e ansiedades pelo novo, e se pintam como os índios o fazem: na festa e na guerra.
Embora se embolem aos marginais que aproveitam a onda alta (repito, os marginais estão ali porque o sistema prisional não consegue mantê-los presos), os jovens lutadores estão fazendo uma defesa legítima de um futuro, que seus pais não deram conta de lhes legar.
Slogans intrigantes e até vaidosos são hasteados: “Desculpem-nos os transtornos estamos mudando o Brasil” (esta, nossa presidente inteligentemente saudou). E mais: com uma foto do Congresso Nacional invadido pelo povo, se lê uma frase que soa como se com raiva e ironia: “Nunca se viu tanta gente boa no Congresso”; “Enquanto a bola rola, falta Saúde e Escola”; “Presidente me chama de Copa e investe em mim.. Ass.: Educação”; “Ou para a roubalheira ou paramos o Brasil” etc...
É impressionante quanta indignação o povo teve calada na garganta, à flor da pele no suor de um trabalho oferecendo quatro meses e meio do ano de serviços, para pagar todos os impostos que lhe são arrancados.
Um povo não pode viver de esmolas. Um povo precisa se alimentar saudavelmente e receber atendimento fácil em situações de doenças. São inúmeras as situações de usuários do INSS rodando com seus entes queridos entre postos de atendimento e aguardando horas de espera, e ainda assim muitas vezes perdendo o parente que não resiste à demora em ser cuidado.
Um povo precisa ter trabalho digno e chegar a ele descansado para produzir. Os governantes ainda declaram que a redução do valor de passagens em coletivos, se deu em função da desoneração de tributos para os empresários. Ou seja, empresários para ceder precisam levar alguma coisa. E o povo? Deve ceder sempre?
Interessante observar que no início dos movimentos, vários líderes políticos, talvez não acreditando em sua expansão, retalharam os atos públicos, afirmando que era “apenas uma pequena minoria de baderneiros”. Surpreendentemente o movimento se redobrou e eis que hoje, alarmados com resultados futuros de urnas eles trocaram o discurso. Já consideram legítimo o movimento...
Tudo passa... Só não passa fácil a dor de
quem a sente... Que as próximas eleições ofereçam a nossos políticos o
verdadeiro retorno que merecem. Pois infelizmente, se deles reclamamos é preciso
reconhecer que lá os colocamos. Mas ainda é tempo de novos tempos...
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