Texto de Genésio
Linhares – Professor/MS – Recife/PE
Publicado no
HUMANITAS nº 17 – Dezembro/2013
O pensador alemão Kant reduziu o tempo à
dimensão puramente interna ao sujeito, dependendo exclusivamente de sua mente
Abordamos, no artigo do mês passado, a
questão do espaço. Neste, iremos refletir um pouco sobre o tempo. Tema que está
intimamente ligado à dimensão espacial. As nossas próprias experiências de vida
confirmam esta relação. Pois bem, como compreender esta experiência fatídica e
que ninguém consegue sobrepor-se a ele ou tentar parar o seu movimento, pois
ainda não temos tecnologia ou ciência tão avançadas para tal?
Parece que, desde o nosso nascer até a nossa morte o tempo é o senhor de tudo e de todos. De fato, somos e estamos inexoravelmente subordinados ao seu imperioso poder. No entanto, isto não significa que tenhamos sempre a mesma experiência e vivência linear desta dimensão. Não. Muito pelo contrário. Desde a antiguidade, diferentes povos e civilizações desenvolveram concepções das mais diversas e muito interessantes sobre a temporalidade.
Entre os judeus, principalmente com o mito ou a alegoria do jardim do Éden, narrado no livro do Gênesis, Adão e Eva vivenciaram uma certa eternidade enquanto lá estavam. Isto é curioso, porque é um anseio e desejo mais profundo de todos nós a busca pela perpetuidade, imortalidade de ser, por mais que muitos a neguem. Contudo, as figuras lendárias deixaram de merecer aquele paraíso e adentraram neste nosso mundo. Passaram a conhecer o tempo e tiveram que ficar subordinados a ele e com o fim de suas existências delimitadas.
Porém, o que é mais interessante é saber qual a concepção que os judeus desenvolveram como povo. O tempo para eles alia-se à sua história, seus feitos e sua relação com o divino. E neste sentido, eles defendem uma história com início, meio e fim, o dia do juízo final.
Esta visão carrega consigo uma certa linearidade do tempo. Já na cultura grega antiga, as diferenças eram profundas. O tempo era cíclico, falava-se no eterno retorno das coisas pelas próprias experiências com a natureza como dia-noite-dia, as fases da lua que mês a mês voltava a se repetir, o mesmo se observava com as estações do ano etc.
A concepção da matéria entre os gregos é surpreendente, pois não acreditavam na criação do absolutamente nada como é o caso dos judeus e cristãos. Para eles, a matéria sempre existiu, mesmo que em caos.
Os deuses, no máximo, organizaram-na, deram um cosmo ou ordem e harmonia. Percebam a interpretação e a relação entre o temporal e a noção de eterno. O próprio tempo era concebido enfatizando-se seus aspectos mais qualitativos do que os aspectos quantitativos, devido à relação profunda com o sagrado, com os deuses e seus rituais e símbolos.
Na fase entre os primeiros filósofos pré-socráticos passou-se a utilizar o logos, a razão investigativa em busca de causas imanentes dos fenômenos naturais, procurando superar aquela fase mítica, mas a experiência entre o tempo transitório e passageiro e a dimensão de atemporalidade permanece, sobretudo em Parmênides de Eleia, pensador do século VI antes de nossa era comum. Ele introduz a distinção entre aparência e realidade. A aparência está presa ao tempo e seu movimento, onde tudo passa, mas isto é ilusão, o não-ser.
Assim, tempo cronológico, quantitativo que tão bem conhecemos é nada. Já a realidade é eterna, imutável, perfeita, aquilo que é permanente, consistindo assim na verdade, no ser, na essência, apreendida pelo pensamento. Esta concepção, entretanto, criou aporias, problemas sem solução entre o existir e o estar condicionado neste mundo ilusório e à realidade.
Platão buscou uma saída, não nega o sensível e temporal criado por um demiurgo ao organizar este mundo. O tempo se mede pelo movimento dos astros, mas é algo imperfeito, pois ele era idealista, dividindo o mundo em sensível e inteligível. A dimensão sensível é aparência e sombras, e o mundo inteligível ou das puras formas, eterno, perfeito e real.
Aristóteles apesar de negar o idealismo de seu mestre, mostra com a questão do tempo, que não se libertou totalmente. Afirma que o tempo faz parte do universo, podemos medi-lo quando se numera o movimento do tempo, tendo um antes e um depois. O problema é que para numerar tem que ter a alma. Desta forma é preciso existir alguém para medir o tempo. Outro aspecto em Aristóteles é que ele segue a cultura grega de que o tempo é circular, símbolo de perfeição, daí a teoria do geocentrismo, onde todos os astros estariam circulando em torno da terra. E acreditava, de um certo modo, na eternidade do universo.
Isaac Newton, no mundo moderno, defendeu a ideia de um tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação com algo externo. Este tempo é imutável, cujo fluxo de movimento é sempre o igual. Em outros termos, Newton está falando da “duração”, outro aspecto interessante em nossa experiência com o tempo, mas diferente do tempo relativo onde contamos os anos, meses, dias e horas.
No fim da modernidade, o pensador alemão Kant reduziu o tempo à dimensão puramente interna ao sujeito, dependendo exclusivamente de sua mente. É uma condição subjetiva, negando o aspecto objetivo e real. Enquanto para Bergson, filósofo francês da contemporaneidade, todos nós estamos sujeitos ao tempo, estando presente no nosso desenvolvimento intelectual, biológico e no universo que nos rodeia, admitindo um aspecto interno e externo, objetivo.
O passado é eternizado pela memória e entrelaçado com o presente e a projeção do futuro em nossas vidas. É uma concepção não linear do tempo. Outro fator interessante é que ele reconhece um tempo qualitativo, vivenciado por nós como certas experiências onde o tempo tem uma duração psíquica diferente do tempo cronológico, quantitativo, medido pelo relógio. A duração vai depender se a experiência interna é positiva ou negativa.
E, finalmente, para finalizarmos, infelizmente, tão profícua reflexão, o tempo para Evaldo Coutinho, filósofo já mencionado em outro artigo, é essencialmente o passado. O futuro é pura idealidade, é o campo das probabilidades e incertezas. O presente é fugaz, passagem para o pretérito. O importante é compreender que a noção de tempo nele está profundamente interligada com a sua concepção filosófica solipsista. Declara ele: “o passado se inscreve na minha contemporaneidade, isto no sentido de que a presença dele se afigura inerente ao meu repertório, e o conhecimento que o estabelece, em mim, tem a duração reduzida ao prazo de minha vida consciente.” Afinal, o que é o tempo? As indagações continuam para nós.
Parece que, desde o nosso nascer até a nossa morte o tempo é o senhor de tudo e de todos. De fato, somos e estamos inexoravelmente subordinados ao seu imperioso poder. No entanto, isto não significa que tenhamos sempre a mesma experiência e vivência linear desta dimensão. Não. Muito pelo contrário. Desde a antiguidade, diferentes povos e civilizações desenvolveram concepções das mais diversas e muito interessantes sobre a temporalidade.
Entre os judeus, principalmente com o mito ou a alegoria do jardim do Éden, narrado no livro do Gênesis, Adão e Eva vivenciaram uma certa eternidade enquanto lá estavam. Isto é curioso, porque é um anseio e desejo mais profundo de todos nós a busca pela perpetuidade, imortalidade de ser, por mais que muitos a neguem. Contudo, as figuras lendárias deixaram de merecer aquele paraíso e adentraram neste nosso mundo. Passaram a conhecer o tempo e tiveram que ficar subordinados a ele e com o fim de suas existências delimitadas.
Porém, o que é mais interessante é saber qual a concepção que os judeus desenvolveram como povo. O tempo para eles alia-se à sua história, seus feitos e sua relação com o divino. E neste sentido, eles defendem uma história com início, meio e fim, o dia do juízo final.
Esta visão carrega consigo uma certa linearidade do tempo. Já na cultura grega antiga, as diferenças eram profundas. O tempo era cíclico, falava-se no eterno retorno das coisas pelas próprias experiências com a natureza como dia-noite-dia, as fases da lua que mês a mês voltava a se repetir, o mesmo se observava com as estações do ano etc.
A concepção da matéria entre os gregos é surpreendente, pois não acreditavam na criação do absolutamente nada como é o caso dos judeus e cristãos. Para eles, a matéria sempre existiu, mesmo que em caos.
Os deuses, no máximo, organizaram-na, deram um cosmo ou ordem e harmonia. Percebam a interpretação e a relação entre o temporal e a noção de eterno. O próprio tempo era concebido enfatizando-se seus aspectos mais qualitativos do que os aspectos quantitativos, devido à relação profunda com o sagrado, com os deuses e seus rituais e símbolos.
Na fase entre os primeiros filósofos pré-socráticos passou-se a utilizar o logos, a razão investigativa em busca de causas imanentes dos fenômenos naturais, procurando superar aquela fase mítica, mas a experiência entre o tempo transitório e passageiro e a dimensão de atemporalidade permanece, sobretudo em Parmênides de Eleia, pensador do século VI antes de nossa era comum. Ele introduz a distinção entre aparência e realidade. A aparência está presa ao tempo e seu movimento, onde tudo passa, mas isto é ilusão, o não-ser.
Assim, tempo cronológico, quantitativo que tão bem conhecemos é nada. Já a realidade é eterna, imutável, perfeita, aquilo que é permanente, consistindo assim na verdade, no ser, na essência, apreendida pelo pensamento. Esta concepção, entretanto, criou aporias, problemas sem solução entre o existir e o estar condicionado neste mundo ilusório e à realidade.
Platão buscou uma saída, não nega o sensível e temporal criado por um demiurgo ao organizar este mundo. O tempo se mede pelo movimento dos astros, mas é algo imperfeito, pois ele era idealista, dividindo o mundo em sensível e inteligível. A dimensão sensível é aparência e sombras, e o mundo inteligível ou das puras formas, eterno, perfeito e real.
Aristóteles apesar de negar o idealismo de seu mestre, mostra com a questão do tempo, que não se libertou totalmente. Afirma que o tempo faz parte do universo, podemos medi-lo quando se numera o movimento do tempo, tendo um antes e um depois. O problema é que para numerar tem que ter a alma. Desta forma é preciso existir alguém para medir o tempo. Outro aspecto em Aristóteles é que ele segue a cultura grega de que o tempo é circular, símbolo de perfeição, daí a teoria do geocentrismo, onde todos os astros estariam circulando em torno da terra. E acreditava, de um certo modo, na eternidade do universo.
Isaac Newton, no mundo moderno, defendeu a ideia de um tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação com algo externo. Este tempo é imutável, cujo fluxo de movimento é sempre o igual. Em outros termos, Newton está falando da “duração”, outro aspecto interessante em nossa experiência com o tempo, mas diferente do tempo relativo onde contamos os anos, meses, dias e horas.
No fim da modernidade, o pensador alemão Kant reduziu o tempo à dimensão puramente interna ao sujeito, dependendo exclusivamente de sua mente. É uma condição subjetiva, negando o aspecto objetivo e real. Enquanto para Bergson, filósofo francês da contemporaneidade, todos nós estamos sujeitos ao tempo, estando presente no nosso desenvolvimento intelectual, biológico e no universo que nos rodeia, admitindo um aspecto interno e externo, objetivo.
O passado é eternizado pela memória e entrelaçado com o presente e a projeção do futuro em nossas vidas. É uma concepção não linear do tempo. Outro fator interessante é que ele reconhece um tempo qualitativo, vivenciado por nós como certas experiências onde o tempo tem uma duração psíquica diferente do tempo cronológico, quantitativo, medido pelo relógio. A duração vai depender se a experiência interna é positiva ou negativa.
E, finalmente, para finalizarmos, infelizmente, tão profícua reflexão, o tempo para Evaldo Coutinho, filósofo já mencionado em outro artigo, é essencialmente o passado. O futuro é pura idealidade, é o campo das probabilidades e incertezas. O presente é fugaz, passagem para o pretérito. O importante é compreender que a noção de tempo nele está profundamente interligada com a sua concepção filosófica solipsista. Declara ele: “o passado se inscreve na minha contemporaneidade, isto no sentido de que a presença dele se afigura inerente ao meu repertório, e o conhecimento que o estabelece, em mim, tem a duração reduzida ao prazo de minha vida consciente.” Afinal, o que é o tempo? As indagações continuam para nós.
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