Texto de Silvia Motta –
Escritora - Cabo Frio/RJ
Publicado no HUMANITAS
nº 11 – Junho/2013
Lanterna à mão, oferenda do padrasto. Era
uma criança, ainda nem chegada aos sete anos de idade. Ao reflexo da luz, os
cabelos claros pareciam flocos de ouro balouçando na “Maria Chiquinha” presa em
laços de fita engomados pela mãe.
Curiosa, descia pela escada escura.
Disseram-lhe que havia um tesouro de brinquedos e doces escondido no sótão e
que merecia encontrá-lo.
- Que escuro!...
Apertou os olhinhos negros, como se o gesto
inocente lhe permitisse enxergar alguma coisa. Nada.
- Não tenho medo... não tenho...
Pelo meio da escada lembrou-se da boneca
que ficara sozinha na cama.
- Sulinha...
Ensaiou meia volta para buscá-la, mas a
vontade de encontrar o tesouro foi maior. Por outro lado, a coragem inicial
afastou-se. Mãozinha umedecida calcou a parede fria. O pequeno coração tocou
mais forte ao som camuflado que se fizera abaixo da escada. Bobagem... não era
ninguém.
- Sulinha... mamãe volta logo... - repetia
baixinho.
Com a percepção de ser vigiada, sentiu-se
mais segura. Afinal, anjos de asas brancas protegiam-na dia e noite.
Mal desceu as escadas, foi arrebatada pelas
mãos de alguém, que lhe cobriu a boca.
- Calada... ou mato sua mãe!
Aquela voz...
...........................................
Um grito gutural saiu-lhe das entranhas.
Acordou terrificada, ao jugo da falta de ar, enquanto um fio de sangue
descia-lhe por entre as pernas. Tremia de dor, a chorar convulsivamente,
enquanto o marido, entre assustado e sonolento, sentava-se na cama.
- O que foi meu bem? Calma... estou aqui...
O que aconteceu?
Luana arrojou-se violentamente para um
canto do quarto e ali permaneceu em posição fetal, com o rosto escondido. O
corpo, por inteiro, sacudia nervoso, como se recebesse uma carga de alta
voltagem, enquanto o coração estrebuchava indômito no peito.
A lingerie grudava-se ao corpo molhado.
Ao ser repelido, Carlos vigiava perplexo,
sem saber como agir. Suas palavras tornaram-se inaudíveis.
Ao tentar aproximar-se, um grito obstruíra
seu desejo, enquanto crise convulsiva de choro ecoava no ambiente fechado. Nada
vira igual! Sua mulher temia-lhe o contato.
- Acenda a luz! Acenda a luz! Eu não quero
morrer! - gritava Luana, sufocada à própria respiração.
Alarmado, apenas satisfez o pedido.
Dez ou quinze minutos depois, a jovem
mulher foi-se acalmando, até parar de tremer e de chorar. Parecia exausta.
Olhar distante... calado.
Ao pensamento, a voz longínqua
sussurrava-lhe sobre o tesouro no sótão. Segredou a si mesma o medo de sentir
aquele medo de uma próxima vez.
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