Texto
de Araken Passos Vaz Galvão Sampaio – Escritor – Valença/BA
publicado no HUMANITAS nº 10 – Maio/2013
O oportunismo de quem quer agradar tem levado a se passar por cima da verdade histórica, em detrimento da contribuição cultural dos índios
O oportunismo de quem quer agradar tem levado a se passar por cima da verdade histórica, em detrimento da contribuição cultural dos índios
Começando
por afirmar que “de todos esses usos
e costumes dos tupinambás, ficaram não somente reminiscências no seio do nosso
povo, mas ainda muito do que hoje constitui a vida ou o modo de viver da
população inculta desta terra”, o
grande sábio baiano Theodoro Sampaio – em sua obra póstuma – realça o quanto da
cultura indígena existe entre nós, a qual é muitas vezes ignorada ou atribuída
a outros povos.
Neste meu trabalho, cujo objetivo se propõe a suprir uma lacuna que há, entre algumas pessoas que se julgam remanescentes dos índios tupinambás, de Olivença, Ilhéus - como deve haver em vários outros grupos que se acreditam remanescentes dos tupis, espalhados pelo Brasil -, de material que sirva como base para o ensino do passado daqueles brasileiros - que este ponto fique bem claro -, não sendo jamais o de diminuir a contribuição de outros povos que ajudaram a formar a nossa nacionalidade.
O que Theodoro Sampaio realça é que nem sempre o que é do índio é atribuído ao índio. O achismo, o oportunismo de quem quer agradar, o complexo de culpa impingido por crimes que não se praticou - posto terem sido praticados no passado -, tem levado ultimamente a se passar por cima da verdade histórica, em detrimento da contribuição cultural dos índios.
Em capítulo anterior falei do caruru e moqueca, palavras de clara origem indígena. Agora falarei da palavra capoeira (caapoeira) que também é uma palavra indígena, significa o mato que foi queimado, ou seja, trata-se do mato de segunda geração - digamos assim, para usar um termo muito em voga -, assim sendo, o mato que nascia depois que uma roça era abandonada, já que, a rigor, tratava-se, dentro da forma poética com que os índios se referiam à natureza, de “o mato (original) que foi embora”.
Lembro-me também quando estava com meu amigo, o bailarino e coreógrafo Elísio Pitta, ajudando na preparação do I Projeto Zumbi, em São Paulo. Levamos, pela primeira vez, um grupo de dança composto em sua maioria de negros, ao Teatro Municipal, dirigido justamente por este excelente profissional. O texto, escrito por mim, que serviu de base à bela coreografia que Elísio criou, chamou-se “As Três Mulheres de Xangô”. No grupo de músicos que acompanhava o espetáculo, estava um mestre de capoeira baiano, conhecido como Mestre Gato. Em conversa, ouvi dele “que na África não existia capoeira nem berimbau”. Suas palavras textuais foram: “Estive na África e lá ninguém conhecia berimbau nem capoeira. Isso fomos nós que inventamos aqui no Brasil”. Mestre Gato tinha estado em Angola.
Agora, mais recentemente, vejo que se questiona - apesar da grita apaixonada, mas sem base em estudos científicos - que o berimbau é a adaptação de um instrumento dos índios. Não tenho dúvida de que, cedo ou tarde, estudos sérios e desapaixonados, colocarão os pontos nos is.
Sobre essa polêmica de quem é de quem, nas páginas 81/82 (Sampaio, Fundação), de um dos seus livros que me servem de guia, há outra curiosa informação: “Samba ou sema era uma dança em roda em que os comparsas davam-se as mãos, formando uma cadeia ou corda. De todas, porém, a mais solene era aquela em que os guerreiros formavam um imenso círculo, e sem mudar de posição, cantavam, um por um, seus feitos em um canto grave e compassado”.
Entretanto, como já citei essa passagem de Sampaio, passo agora a outra curiosidade relacionada como o étimo samba ou sama está presente no tupi. Como é o caso de Samambaia, “corruptela de Çama-mbaí, o trançado de cordas; cordas entrelaçadas formando parapeito: cordas emaranhadas; alusão à trama confusa dessas plantas sociais, invasoras (Fefix herbácea).
No Norte do Brasil a samambaia é uma Tilandsia, vulgarmente conhecida por barba-de-velho, composta de filamentos emaranhados. Feita a divagação, volto a afirmar que o principal objetivo deste trabalho é fornecer uma espécie de glossário de termos tupis, hoje completamente incorporados ao falar diário, e assim, passo a mais um verbete:
Cunhã: Moça, jovem já entrada na puberdade. O mesmo que cunhatay, em guarani. Lembro-me de quando, estando no Exército, fui servir na cidade de Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul. No hotel havia uma moça de origem guarani, que trabalhava como garçonete. Não me lembro o seu nome, porém, um companheiro que morava neste hotel há mais tempo, disse-me, ao referir-se a ela: – diga-lhe cunhatay porã. E você vai ver como ela vai te servir bem.
– Por quê? – Porque cunhatay porã significa moça bonita. Durante o tempo em que morei naquele hotel, posso afiançar, fui - junto com meu amigo - dos hóspedes mais bem tratados.
Rendido o justo tributo à vaidade feminina e à paixão das mulheres por elogios, passo a mais um verbete.
Neste meu trabalho, cujo objetivo se propõe a suprir uma lacuna que há, entre algumas pessoas que se julgam remanescentes dos índios tupinambás, de Olivença, Ilhéus - como deve haver em vários outros grupos que se acreditam remanescentes dos tupis, espalhados pelo Brasil -, de material que sirva como base para o ensino do passado daqueles brasileiros - que este ponto fique bem claro -, não sendo jamais o de diminuir a contribuição de outros povos que ajudaram a formar a nossa nacionalidade.
O que Theodoro Sampaio realça é que nem sempre o que é do índio é atribuído ao índio. O achismo, o oportunismo de quem quer agradar, o complexo de culpa impingido por crimes que não se praticou - posto terem sido praticados no passado -, tem levado ultimamente a se passar por cima da verdade histórica, em detrimento da contribuição cultural dos índios.
Em capítulo anterior falei do caruru e moqueca, palavras de clara origem indígena. Agora falarei da palavra capoeira (caapoeira) que também é uma palavra indígena, significa o mato que foi queimado, ou seja, trata-se do mato de segunda geração - digamos assim, para usar um termo muito em voga -, assim sendo, o mato que nascia depois que uma roça era abandonada, já que, a rigor, tratava-se, dentro da forma poética com que os índios se referiam à natureza, de “o mato (original) que foi embora”.
Lembro-me também quando estava com meu amigo, o bailarino e coreógrafo Elísio Pitta, ajudando na preparação do I Projeto Zumbi, em São Paulo. Levamos, pela primeira vez, um grupo de dança composto em sua maioria de negros, ao Teatro Municipal, dirigido justamente por este excelente profissional. O texto, escrito por mim, que serviu de base à bela coreografia que Elísio criou, chamou-se “As Três Mulheres de Xangô”. No grupo de músicos que acompanhava o espetáculo, estava um mestre de capoeira baiano, conhecido como Mestre Gato. Em conversa, ouvi dele “que na África não existia capoeira nem berimbau”. Suas palavras textuais foram: “Estive na África e lá ninguém conhecia berimbau nem capoeira. Isso fomos nós que inventamos aqui no Brasil”. Mestre Gato tinha estado em Angola.
Agora, mais recentemente, vejo que se questiona - apesar da grita apaixonada, mas sem base em estudos científicos - que o berimbau é a adaptação de um instrumento dos índios. Não tenho dúvida de que, cedo ou tarde, estudos sérios e desapaixonados, colocarão os pontos nos is.
Sobre essa polêmica de quem é de quem, nas páginas 81/82 (Sampaio, Fundação), de um dos seus livros que me servem de guia, há outra curiosa informação: “Samba ou sema era uma dança em roda em que os comparsas davam-se as mãos, formando uma cadeia ou corda. De todas, porém, a mais solene era aquela em que os guerreiros formavam um imenso círculo, e sem mudar de posição, cantavam, um por um, seus feitos em um canto grave e compassado”.
Entretanto, como já citei essa passagem de Sampaio, passo agora a outra curiosidade relacionada como o étimo samba ou sama está presente no tupi. Como é o caso de Samambaia, “corruptela de Çama-mbaí, o trançado de cordas; cordas entrelaçadas formando parapeito: cordas emaranhadas; alusão à trama confusa dessas plantas sociais, invasoras (Fefix herbácea).
No Norte do Brasil a samambaia é uma Tilandsia, vulgarmente conhecida por barba-de-velho, composta de filamentos emaranhados. Feita a divagação, volto a afirmar que o principal objetivo deste trabalho é fornecer uma espécie de glossário de termos tupis, hoje completamente incorporados ao falar diário, e assim, passo a mais um verbete:
Cunhã: Moça, jovem já entrada na puberdade. O mesmo que cunhatay, em guarani. Lembro-me de quando, estando no Exército, fui servir na cidade de Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul. No hotel havia uma moça de origem guarani, que trabalhava como garçonete. Não me lembro o seu nome, porém, um companheiro que morava neste hotel há mais tempo, disse-me, ao referir-se a ela: – diga-lhe cunhatay porã. E você vai ver como ela vai te servir bem.
– Por quê? – Porque cunhatay porã significa moça bonita. Durante o tempo em que morei naquele hotel, posso afiançar, fui - junto com meu amigo - dos hóspedes mais bem tratados.
Rendido o justo tributo à vaidade feminina e à paixão das mulheres por elogios, passo a mais um verbete.
Anhang:
O princípio segundo o qual estão todas
as coisas, água, rio, mar, rochas, poeira, todos estão dentro dele. Neste
sentido pode ser considerado como um deus. É também a alma das almas. Anhag,
a alma, vive sempre. O que vai mudando é
o nheê, aquele pedaço da alma que chega ao corpo de cada um.
Para concluir, mais uma palavra, mesmo que não esteja relacionada com o tema acima tratado, mas sim com alguns verbetes tomados isoladamente.
Começou com Sabará, nome de uma bela cidade mineira histórica. Antigo Tabará, de que se fez Tabaraboçú como se vê em velhos documentos (segundo Sampaio, pág. 310, Geografia). Forma contrastante de Itabaraba, Itaberaba, que é ita-beraba, a pedra reluzente, o cristal.
Dessa forma, chegamos a Sabarabuçú, antigo Tabará-boçú, corrupção de Itaberaba-uçú, que significa pedra reluzente grande, ou o cristal grande, que também se entende como serra resplandecente, lugar lendário entre os colonos do primeiro século da conquista. Eis o que, a respeito, nos diz o historiador Gandavo: “A esta capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas de umas pedras verdes, que havia numa serra muitas léguas pela terra adentro e traziam algumas delas por amostras, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço; e os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas e que esta serra era mui formosa e resplandecente...” Esta serra resplandecente que o gentio em sua língua chamava Itaberabuçú, transformada por corrupção em Taberabuçú e mais geralmente em Sabarabuçú, vai ser, por todo o século seguinte, o alvo das mais arrojadas expedições sertanejas.
Assim, vemos que o significado do nome da cidade baiana Itaberaba, e a mineira Sabará são, etimologicamente falando, a mesma coisa.
Para concluir, mais uma palavra, mesmo que não esteja relacionada com o tema acima tratado, mas sim com alguns verbetes tomados isoladamente.
Começou com Sabará, nome de uma bela cidade mineira histórica. Antigo Tabará, de que se fez Tabaraboçú como se vê em velhos documentos (segundo Sampaio, pág. 310, Geografia). Forma contrastante de Itabaraba, Itaberaba, que é ita-beraba, a pedra reluzente, o cristal.
Dessa forma, chegamos a Sabarabuçú, antigo Tabará-boçú, corrupção de Itaberaba-uçú, que significa pedra reluzente grande, ou o cristal grande, que também se entende como serra resplandecente, lugar lendário entre os colonos do primeiro século da conquista. Eis o que, a respeito, nos diz o historiador Gandavo: “A esta capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas de umas pedras verdes, que havia numa serra muitas léguas pela terra adentro e traziam algumas delas por amostras, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço; e os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas e que esta serra era mui formosa e resplandecente...” Esta serra resplandecente que o gentio em sua língua chamava Itaberabuçú, transformada por corrupção em Taberabuçú e mais geralmente em Sabarabuçú, vai ser, por todo o século seguinte, o alvo das mais arrojadas expedições sertanejas.
Assim, vemos que o significado do nome da cidade baiana Itaberaba, e a mineira Sabará são, etimologicamente falando, a mesma coisa.
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O autor é membro titular do Conselho Estadual de Cultura da Bahia,
da Academia Valenciana de Educadores, Letras e Artes, em Valença/BA. Livros
publicados: Valença,
História de uma cidade (ensaio histórico); Crônica de uma Família Sertaneja
(romance); Pargo (contos); participação e organização nas antologias Todas as
Estações (Segundo Livro), Rio de Letras, Valenciando e Trívio. Contato: arakenvaz@gmail.com ou http://arakenvaz.blogspot.com
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