terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O quixotesco diplomata Manoel de Oliveira Lima

Texto publicado no HUMANITAS nº 10 – Maio/2013 

Um dos nomes mais polêmicos da diplomacia brasileira cuja vida foi marcada pela
sua grande paixão por livros


Uma imensa biblioteca brasileira fora do Brasil? E ainda por cima nos EUA? Com mais de 58 mil livros sobre fatos históricos portugueses e brasileiros desde os anos do descobrimento? Uma biblioteca que guarda mais de 600 obras de arte entre pinturas, gravuras, mapas, esculturas e também mais de 200 mil páginas de correspondência envolvendo 1.400 missivistas? Sim, essa biblioteca existe! E está localizada no subsolo da Universidade Católica da América, em Washington. Ela se chama The Oliveira Lima Library. 
A instituição é o legado do diplomata, historiador e jornalista pernambucano do Recife, Manoel de Oliveira Lima (1867-1928). O espírito desse brasileiro paira em todas as estantes da biblioteca. A formação do acervo confunde-se com a vida de um intelectual contaminado pela paixão da leitura, que mesmo envolvido em missões diplomáticas, jamais abriu mão de produzir história, incendiar polêmicas políticas ou culturais de seu tempo e colecionar livros raros.
Mas quem foi Manoel de Oliveira Lima? Da lápide de seu túmulo no Cemitério Mont Olivet, na capital americana, nem seu nome consta. Apenas o epitáfio inserido na pedra: "Aqui jaz um amigo dos livros". Nasceu no Recife, capital de Pernambuco em 25 de novembro de 1867, sendo filho de um negociante português do comércio do açúcar. Aos 6 anos, seu pai decidiu voltar para Portugal com toda a família. Aos 15 anos fundou em Lisboa, uma revista chamada Correio do Brasil. Com 21 anos, se formou na Academia Superior de Letras e passou a colaborar na Revista de Portugal, dirigida por Eça de Queirós. Maior de idade decidiu voltar à terra natal e ingressar no serviço diplomático.
Manoel de Oliveira Lima passou a ocupar postos diplomáticos a partir de 1890. Primeiro em Lisboa, depois Berlim, Washington (sob o comando do diplomata Salvador de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, a ABL), Londres (onde assistiria aos funerais da rainha Vitória), Tóquio (quando mergulhou em estudos sociológicos sobre os japoneses), Caracas, Estocolmo e Bruxelas.
Na sua movimentada vida diplomática, além de acumular livros, reservava tempo para escrever em média 15 cartas por dia (daí o total de 200 mil arquivadas na biblioteca). Entre seus missivistas, de Machado de Assis a Gilberto Freyre, se encontra a nata das letras luso-brasileiras, fora intelectuais europeus e americanos.
Nas cartas emergem confrontos políticos e embates intelectuais em que Oliveira Lima se meteu, ao ponto de Gilberto Freyre o apelidar de "Quixote Gordo". Há, por exemplo, a longa correspondência com Joaquim Nabuco, em que se vê de início um jovem republicano trocando farpas com o abolicionista célebre, exilado por defender a monarquia. Acompanhando a correspondência entre ambos, percebe-se como trocam de posição. Mais tarde, Nabuco defenderia a República e Oliveira Lima a atacaria, criticando as oligarquias no poder.
Entrou no serviço diplomático brasileiro em 1890 como Adido à legação em Lisboa e, no ano seguinte, era promovido a Secretário. Mais tarde, sob a chefia do barão de Itajubá, desenvolveu sua atividade em Berlim. Em 1896 foi transferido para Washington, na qualidade de Primeiro Secretário, sob as ordens de Salvador de Mendonça. De Washington passou mais tarde para Londres onde conviveu durante algum tempo com Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Graça Aranha e José Carlos Rodrigues. Nova designação levou Oliveira Lima ao Japão e, em 1904, à Venezuela, nomeação esta que desgostou profundamente o historiador.
A atividade literária de Oliveira Lima se estendia à colaboração em jornais de Pernambuco e de São Paulo. Em 1907 foi nomeado para chefiar a legação do Brasil em Bruxelas, cumulativamente com a da Suécia. Em 1913, o Senado brasileiro vetou a indicação do seu nome para a chefia da legação em Londres, sob a acusação de monarquista. O veto se deveu à interferência, naquela Casa, do senador Pinheiro Machado. Mas Oliveira Lima prosseguiu com os seus escritos de natureza histórica, fixando residência em Washington onde prestou relevantes serviços à Universidade Católica de Washington.
Aposentado da carreira diplomática após sequência desgastante de desentendimentos com o Barão do Rio Branco (de grandes amigos tornaram-se desafetos irreconciliáveis), Oliveira Lima resolveu tornar Washington seu habitat permanente. Já era um nome respeitado nos círculos acadêmicos americanos, pois tinha sido dele o primeiro curso sobre História do Brasil ministrado nos EUA (em Harvard), o que lhe rendeu convite posterior para um tour por 12 universidades americanas, como conferencista - itinerário que ele cumpriu de trem, acompanhado por Flora Cavalcanti de Albuquerque, sua mulher e cúmplice na bibliofilia.
No ano de 1916 decide doar, em vida, seus milhares de livros para a UCA de Washington, de onde foi professor. Nessa escolha deve ter pesado o fato de o casamento não ter lhe dado herdeiros. Morreu em Washington (EUA), no dia 24 de março de 1928. "Memórias" sua publicação póstuma teve enorme repercussão, sobretudo pelas revelações íntimas e apreciações críticas feitas pelo historiador e diplomata.
Oliveira Lima também alertou os latino-americanos com relação à filosofia expansionista dos EUA. Em artigo escrito no ano de 1906, ele diz que a intervenção dos Estados Unidos em Cuba poderia se constituir em um precedente e significar uma ameaça para todos os países da América Latina que dessem mostras de instabilidade. “É força ter presente que a doutrina de Monroe só veda conquistas na América aos europeus, não as veda aos americanos do norte". “(...) Não há que nos fazermos ilusões, o período que atravessamos é de imperialismo, portanto de ameaça latente". Terminou por sugerir a manutenção das boas relações mantidas pelo Brasil com os EUA, mas propôs uma maior e constante aproximação com os vizinhos da mesma raça e “com os mesmos intuitos gerais de cultura e de grandeza”. Para ele, a solidariedade entre os países ibero-americanos era imprescindível como forma de conter as agressões norte-americanas.
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Obras importantes: "Pernambuco, seu desenvolvimento histórico", "Sete anos de República", "Aspectos da literatura colonial". "Dom João VI", "O movimento da Independência"(1922), "Pan-Americanismo", "Coisas Diplomáticas", "Memória sobre o descobrimento do Brasil", "História do reconhecimento do Império", "Elogio de F. A. Varnhagen", "No Japão",  "Secretário Del-Rei" (peça histórica).

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