segunda-feira, 30 de julho de 2018

HUMANITAS Nº 74 – AGOSTO DE 2018 – PÁGINA 8

AS MULHERES E A HERANÇA MISÓGINA DA RELIGIÃO
Especial do HUMANITAS

A Inquisição no Brasil começou no final do século XVI, com a visita do Tribunal de Lisboa a Bahia, em 1591. Enquanto na Europa as fogueiras arderam executando os hereges, no Brasil o Santo Ofício mais amedrontou do que prendeu e matou.
As principais vítimas do chamado deus de amor, no Brasil, foram os cristãos novos.
Como disse o historiador Ronaldo Vainfas, “o principal objetivo era perseguir os cristãos-novos que chegavam ao país junto com a nascente economia açucareira”.
Na verdade, a chamada Santa Inquisição foi uma das maiores máquinas assassinas da história, e as mulheres as suas principais vítimas.
Você não precisava adorar ao diabo para ser bruxa, bastava ser mulher.
Ter uma vagina era o mesmo que nascer com um passaporte com visto eterno para o inferno!
No Brasil, o Tribunal do Santo Ofício realizou três Visitações.
Os “Visitadores”, enviados pelo Tribunal estiveram apenas nas capitanias prósperas da época: Grão-Pará, Pernambuco e Bahia.
Ainda assim, algumas mulheres acusadas de bruxaria conheceram a morte na fogueira da “Inquisição paulistana”. Tudo em nome da cruz e da fidelidade a um deus apregoado como amoroso.
Essa cruz, valorizando o seu carisma de instrumento romano de tortura, condenou e executou três mulheres nas fogueiras paulistanas: Ursulina de Jesus, Mima Renard e Maria da Conceição.
O caso de Ursulina foi o mais famoso da Inquisição, em São Paulo. Em 1754, o seu marido a acusou de praticar bruxaria. De acordo com ele, Ursulina fazia feitiços para retirar a sua virilidade de macho com o objetivo de evitar que ambos tivessem filhos.
Ursulina foi condenada pela Santa Inquisição, morrendo queimada na fogueira, em São Paulo.
Outro caso famoso ocorrido em São Paulo teve ligação com a francesa Mima Renard. Famosa pela sua beleza, ela chegou ao Brasil com seu marido René, buscando oportunidades melhores para viver. Foi uma das primeiras mulheres a passar por um julgamento de caça às bruxas, pela Inquisição, em solo brasileiro. Sua beleza chamou a atenção dos machos, com seu marido sendo assassinado misteriosamente.
Como ela era totalmente dependente do marido – assim como a maioria das mulheres na época – mergulhou na miséria, e para fugir disso recorreu à prostituição.
O sucesso entre os homens foi imediato. E ela tornou-se uma das mais procuradas prostitutas de São Paulo nos anos 1690.
Mas um homem casado, acabou por matar um dos clientes de Mima, trazendo contra ela o ódio das “madames” que alertaram o padre da paróquia local, acusando Mima de praticar feitiçaria para atrair seus maridos.
Mima Renard foi então capturada, presa, acusada de bruxaria e executada publicamente na fogueira no ano de 1692.
No ano de 1798, a Inquisição atuou novamente em São Paulo, agora contra Maria da Conceição, mulher de notáveis conhecimentos sobre ervas medicinais, usadas para preparar medicamentos visando curar as pessoas pobres doentes.
Um padre acusou-a de heresia e bruxaria e ela foi condenada à morte na fogueira, sendo executada em São Paulo, em 1798.
Mas não para por aqui. Até mesmo agora, em pleno século XXI, a perseguição contra as mulheres continua em alta.
Uma das últimas vítimas, no Brasil, dessa crença infundada em bruxarias e pacto com o diabo foi Fabiana Maria de Jesus. Ela foi acusada de sequestrar crianças para realizar rituais de magia negra. O boato circulou na internet junto com um retrato falado da suposta sequestradora de crianças.
O fato aconteceu em 3 de maio de 2014, com ela sendo linchada e morta por cinco homens no bairro Morrinhos III, em Guarujá, Santos/SP.
Quatro linchadores foram presos e condenados. Abel Vieira Batalha Júnior, Carlos Alex Oliveira de Jesus, e Jair Batista dos Santos, a 40 anos de prisão em regime fechado. Valmir Dias Barbosa, foi condenado a 26 anos de detenção.
Sua pena foi menor porque ele confessou participação no linchamento.
Assim é!
A misoginia, promovida pelas religiões e atuando dentro de um Estado que deveria ser laico, leva as mulheres para a fogueira de uma nova inquisição.

A violência misógina persiste ainda neste século XXI. 

As verdadeiras bruxas são as mulheres corajosas que afrontam o patriarcado e o poder opressor e punitivo da religião.


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