terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Contra o povo e em nome de uma demoníaca ditadura midiática

Texto publicado no HUMANITAS nº 9 – Abril/2013

 Os comprometimentos da mídia são expressos nos jornais, rádios e TVs disfarçados no jargão de que fala “em nome e em defesa da liberdade!”
A participação ativa dos grandes grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart, em 1964, e posterior ascendência ao poder de um esquema antidemocrático é fato histórico fartamente documentado. Uma obra que assinala essa participação da Grande Mídia tornou-se um clássico - “1964: A Conquista do Estado”, de René A. Dreifuss – Tese de doutorado defendida no Institute of Latin American Studies da University of Glasgow, na Escócia, em 1980 e publicada pela Editora Vozes. Neste livro toma-se conhecimento sobre quem foram os conspiradores. E são reconstruídas as atividades deles, articuladas e coordenadas por duas instituições conhecidas e financiadas por capital empresarial nacional e estrangeiro: o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o Ipes (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais). 
No tocante ao papel desempenhado pela Grande Mídia na época, assinala-se a ação do Grupo de Opinião Pública (GOP) ligado ao Ipes. Tal grupo era formado por importantes jornalistas e publicitários. No capítulo 6 do livro, onde podemos estudar a “campanha ideológica”, localizamos uma ampla variedade de livros, folhetos e panfletos publicados pelo Ipes, bem como uma relação nominal de jornalistas e colunistas a serviço do golpe militar em diferentes jornais brasileiros. 
René A. Dreifuss afirma na página 233 que “o Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública. Através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como os Diários Associados, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo (...) e também a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo. Entre os demais participantes da campanha incluíam-se (...) a TV Record e a TV Paulista (...), o Correio do Povo (RS), O Globo, das Organizações Globo (...) que também detinha o controle da influente Rádio Globo de alcance nacional. (...) Outros jornais do país se puseram a serviço do Ipes (...) A Tribuna da Imprensa (Rio), as Notícias Populares (SP).
Vale lembrar às gerações mais novas que o poder relativo dos Diários Associados no início dos anos 60 era certamente muito maior do que o das Organizações Globo neste século XXI. O principal biógrafo de Assis Chateaubriand afirma que ele foi “infinitamente mais forte do que Roberto Marinhoeconstruiu o maior império de comunicação que este continente já viu”. 
Também é de bom alvitre, ainda que mais frágil, salientar a pesquisa realizada por Jonathan Lane, Ph.D. em Comunicação por Stanford, intitulada “Função dos Meios de Comunicação de Massas na Crise Brasileira de 1964”. E publicada no Journalism Quartely (hoje Journalism & Mass Communication Quarterly), em 1967, e depois no Boletim nº 11 do Departamento de Jornalismo da Bloch Editores, em 1968, (na época, editado por Muniz Sodré). 
 Jonathan Lane mostra na pesquisa um importante conjunto de informações para se identificar a atuação da Grande Mídia. Tomando como exemplo a cidade do Rio de Janeiro - “o centro de comunicações mais importante” – ele afirma que “apesar das armas à disposição do governo, João Goulart passou um mau bocado com a maior parte da imprensa. 
Continuando: A maioria dos proprietários e diretores dos jornais mais importantes são homens (e mulheres) de linhagem e posição social, que frequentam os altos círculos sociais de uma sociedade razoavelmente estratificada. Suas ideias são classicamente liberais e não marxistas, e seus interesses conservadores e não revolucionários” (p. 7). 
Indo mais além e adentrando a esfera da influência dos jornais brasileiros Jonathan Lane fala sobre a existência dos “jornais revolucionários”, de pequena circulação, como Novos Rumos, Semanário e Classe Operária (comunistas) e Panfleto (brizolista). 
O mais importante jornal de “propaganda esquerdista” era Última Hora, “porta-voz do nacionalismo-esquerdista desde o tempo de Vargas”. “no centro, algumas apoiando Jango, outras censurando-o, estavam os influentes Diário de Notícias e Correio da Manhã”. E salienta, ainda, que “enfileirados contra (Jango) razoavelmente e com razoável (sic) constância, encontravam-se O Jornal, principal órgão da grande rede de publicações dos Diários Associados; O Globo, jornal de maior circulação da cidade; e o Jornal do Brasil, jornal influente que se manteve neutro por algum tempo, porém opondo forte resistência a Goulart mais para o fim. A Tribuna da Imprensa, ligada ao principal inimigo político de Goulart, o governador Carlos Lacerda, da Guanabara (na verdade, a cidade do Rio de Janeiro), igualmente se opunha ferrenhamente a Goulart” (pp. 7-8). E sobre o rádio e a televisão, Lane argumenta que “cerca de metade das estações de televisão do país são de propriedade da cadeia dos Diários Associados, que também possui muitas emissoras radiofônicas e jornais em várias cidades. (...) Os meios de comunicação dos Diários Associados, inclusive rádio e TV, empenharam-se numa campanha coordenada contra a agitação esquerdista, embora não contra Goulart pessoalmente, nos últimos meses que antecederam ao golpe” (p. 8). 
Muitos são os atores envolvidos no golpe de abril de 1964, incluindo aí seus herdeiros, os quais continuam vivos e em atividade. A Grande Mídia brasileira continua sendo controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais. Apesar de o mundo em que vivemos hoje ter mudado bastante desde a época da ditadura civil/militar instituída em 1964, algumas instituições continuam fiéis ao seu passado e ao que fizeram no passado. As posições dessas instituições da Grande Mídia não irão nunca ser surpreendentes. 
Seus reais comprometimentos são expressos em editoriais nos jornais de grande circulação, pela televisão no horário nobre e mais do que isso, disfarçados na cobertura jornalística de cada dia. E o que é mais surpreendente, falando sempre “em nome e em defesa da democracia”.

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