segunda-feira, 27 de julho de 2015

HUMANITAS Nº 38 – EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO – AGOSTO 2015 – PÁGINA 7

A MÃO, O MEDO E A PAZ

Especial para o Humanitas

Ana Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras
e colabora com o Humanitas há três anos.
Escritora e jornalista em Belo Horizonte/MG

Eu estava ainda na primeira infância e pensava que problema de insegurança era algo para além dos limites do imenso quintal que cercava minha casa. Inclusive o primeiro grande desafio que tive foi o de insistir para conseguir permissão materna para ir pela primeira vez sozinha à escola. Soube, anos mais tarde, que eu pensara, que havia ido sozinha. Mamãe, zelosa com a caçula, que miudinha parecia ter menos da idade real, foi pela rua afora se esgueirando por trás de postes e muros, para que eu não percebesse que me seguia. Deixou-me enfrentar o perigo, mas de tocaia. Por muito tempo quando viva contou essa história e concluía orgulhosa: e ela foi sem medo!
 Eis que um dia corre no bairro a notícia que uma mulher havia sido morta quando, ao abrir a janelinha da porta da frente, para atender à campainha levara um tiro sem qualquer possibilidade de defesa. O executor desaparecera sem deixar pistas ou explicar razões. Fiquei tomada de pânico. Àquela época eu não podia imaginar, porque pessoas matam pessoas. Isto só acontecia nos filmes de mocinho e bandido, sendo que o morto era sempre o bandido. Gente boa e honesta só morria bem velhinho e porque já tinha feito o que tinha de fazer na vida. A vida, eu pensava, terminava quando nada mais se tinha a fazer.
E se alguém morresse novo tinha sido um acidente, ou uma doença que os médicos não sabiam curar. Diante da tragédia inexplicável passei a ter um medo terrível de atender à porta.
Antes do episódio eu costumava puxar uma cadeirinha de palha (presente que eu ganhara, num dos aniversários da vida) para junto da porta, para subir e abrir a pequena tramela da janelinha, identificando o visitante.
Mas e a coragem de fazer isto depois do fato?
Assim sendo passei a tomar uma atitude, que deixou surpresos muitos de nossos visitantes: subia na cadeirinha, mas me abaixava para não ser vista, acenando apenas a mão direita no vão aberto, num sinal de Paz e Amor!
As pessoas disparavam sonoras gargalhadas, espantadas com o inusitado da cena. Meu pai, entretanto, orgulhoso, dizia ser a saudação de Paz da família.
Meu insólito ato marcou aquele período. Entretanto ele nascera do simples medo de abrir a porta: pelo menos se atirarem, só fura a mão, não dá para morrer, eu pensava.
Mas não assumi declaradamente como medo, pois a filosofia familiar era a de que na vida não se pode ter medo! É preciso enfrentar, o que quer que precisemos enfrentar, com coragem e decisão...
Creio que vem desse quadro, minha resistência ao medo. É claro que no cotidiano, o medo é forma de defesa.
Uma criança que não tenha medo do mar, por exemplo, se expõe muito mais aos riscos de uma onda perigosa.
Mas meus pais tinham uma interessante maneira de separar os medos de fatos sobre os quais não tenhamos controle (e nestes casos, realmente temos que nos preservar) e os medos dos outros. Meu pai sempre dizia na sua maneira filosofal: medo de gente é sinal de covardia. Mantenha em si a verdade e nunca precisará temer ninguém. Quem domina pela imposição do medo, é porque não tem consigo a verdade que convence. É um fraco, portanto... não precisa temê-lo!
 Bem, a vida passou, meu pai se foi porque já tinha feito o que precisava fazer por aqui, e eu cá estou neste planeta, onde parece que a ameaça e o medo reinam. Mas suas lições ficaram e inconscientemente me vejo tentando livrar as pessoas de seus medos. O medo é paralisante. Ele atrofia as ações, inibe a criatividade, desencoraja a iniciativa. É a mais covarde de todas as armas, porque expõe a vítima ao subjugo e à violência de destruição da autoestima. É cruel a manipulação do outro em benefício da manutenção do poder. Este é o medo a que nenhum ser humano pode se submeter.
 Conserve em si a Verdade e não precisará ter medo. Porque ainda que como consequência, você tenha que enfrentar uma adversidade, se a sua causa for a Verdade, ela prevalecerá, mais cedo ou mais tarde...

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Texto adaptado de um dos artigos da obra A Coragem e a Delícia de Recomeçar – LEANDRO, M Ana. Editora Baraúna/SP/2008.

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