A MÃO, O MEDO E A PAZ
Especial para o Humanitas
Ana
Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras
e
colabora com o Humanitas há três anos.
Escritora
e jornalista em Belo
Horizonte /MG
Eu estava ainda
na primeira infância e pensava que problema de insegurança era algo para além dos limites do imenso quintal
que cercava minha casa. Inclusive o primeiro grande desafio que tive foi o de
insistir para conseguir permissão materna para ir pela primeira vez sozinha à
escola. Soube, anos mais tarde, que eu pensara,
que havia ido sozinha. Mamãe, zelosa com a caçula, que miudinha parecia ter
menos da idade real, foi pela rua afora se esgueirando por trás de postes e
muros, para que eu não percebesse que me seguia. Deixou-me enfrentar o perigo,
mas de tocaia. Por muito tempo
quando viva contou essa história e concluía orgulhosa: e ela foi sem medo!
Eis que um
dia corre no bairro a notícia que uma mulher havia sido morta quando, ao abrir
a janelinha da porta da frente, para atender à campainha levara um tiro sem
qualquer possibilidade de defesa. O executor desaparecera sem deixar pistas ou
explicar razões. Fiquei tomada de pânico. Àquela época eu não podia imaginar,
porque pessoas matam pessoas. Isto só acontecia nos filmes de mocinho e bandido,
sendo que o morto era sempre o bandido. Gente boa e honesta só morria bem
velhinho e porque já tinha feito o que tinha de fazer na vida. A vida, eu
pensava, terminava quando nada mais se tinha a fazer.
E se alguém
morresse novo tinha sido um acidente, ou uma doença que os médicos não sabiam
curar. Diante da tragédia inexplicável passei a ter um medo terrível de atender
à porta.
Antes do episódio
eu costumava puxar uma cadeirinha de palha (presente que eu ganhara, num dos
aniversários da vida) para junto da porta, para subir e abrir a pequena tramela
da janelinha, identificando o visitante.
Mas e a coragem
de fazer isto depois do fato?
Assim sendo
passei a tomar uma atitude, que deixou surpresos muitos de nossos visitantes:
subia na cadeirinha, mas me abaixava para não ser vista, acenando apenas a mão
direita no vão aberto, num sinal de Paz e Amor!
As pessoas
disparavam sonoras gargalhadas, espantadas com o inusitado da cena. Meu pai,
entretanto, orgulhoso, dizia ser a saudação de Paz da família.
Meu insólito ato
marcou aquele período. Entretanto ele nascera do simples medo de abrir a porta:
pelo menos se atirarem, só fura a mão,
não dá para morrer, eu pensava.
Mas não assumi
declaradamente como medo, pois
a filosofia familiar era a de que na
vida não se pode ter medo! É preciso enfrentar, o que quer que precisemos
enfrentar, com coragem e decisão...
Creio que vem
desse quadro, minha resistência ao medo.
É claro que no cotidiano, o medo é forma de defesa.
Uma criança que
não tenha medo do mar, por exemplo, se expõe muito mais aos riscos de uma onda
perigosa.
Mas meus pais
tinham uma interessante maneira de separar os medos de fatos sobre os quais não
tenhamos controle (e nestes casos, realmente temos que nos preservar) e os
medos dos outros. Meu pai
sempre dizia na sua maneira filosofal: medo
de gente é sinal de covardia. Mantenha em si a verdade e nunca precisará temer
ninguém. Quem domina pela imposição do medo, é porque não tem consigo a verdade
que convence. É um fraco, portanto... não precisa temê-lo!
Bem, a vida
passou, meu pai se foi porque já tinha feito o que precisava fazer por aqui, e
eu cá estou neste planeta, onde parece que a ameaça e o medo reinam. Mas suas
lições ficaram e inconscientemente me vejo tentando livrar as pessoas de seus medos.
O medo é paralisante. Ele atrofia as ações, inibe a criatividade, desencoraja a
iniciativa. É a mais covarde de todas as armas, porque expõe a vítima ao
subjugo e à violência de destruição da autoestima. É cruel a manipulação do
outro em benefício da manutenção do poder. Este é o medo a que nenhum ser humano pode se submeter.
Conserve em si a Verdade e não precisará
ter medo. Porque ainda que como consequência, você tenha que enfrentar uma
adversidade, se a sua causa for a Verdade, ela prevalecerá, mais cedo ou mais
tarde...
***
Texto adaptado de
um dos artigos da obra A Coragem e a
Delícia de Recomeçar – LEANDRO, M Ana. Editora Baraúna/SP/2008.
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