quarta-feira, 28 de março de 2018

HUMANITAS Nº 70 – ABRIL DE 2018 – PÁGINA 7

SOLIDARIEDADE: UMA MANIFESTAÇÃO DE GRANDEZA

Ana Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Entrou em disparada escola adentro (a mesma escola, que por tantas vezes entrara para buscar o conhecimento) e começou a atirar a esmo.
Cegamente, como se não quisesse matar ninguém especificamente, mas ao mesmo tempo quisesse exterminar a todos.
Deixou nove feridos em sua sanha de destruição e depois invadiu a área de serviço, sob o olhar incrédulo da  zeladora, que implorava piedade.
Neste momento voltou lentamente o revólver para a própria cabeça e atirou. Acabou com uma vida de dezoito anos. Suspeita-se que o motivo foi complexo de inferioridade, pela obesidade!
Na obra de Guimarães Rosa - “A terceira  margem do rio” – pode-se inferir a procura insana de um personagem por uma margem onde a dureza da vida é feita apenas pela natureza, não pelos desencontros. Aliás, estes ele não queria encontrar, motivo de sua opção de viver em uma canoa no meio do rio.
Na metáfora da vida, podemos dizer que a terceira margem das relações humanas é um local que exige o esforço de cada um, em sair de sua respectiva margem, para um encontro no meio, onde se possa estabelecer um diálogo navegável com o outro.
A famosa “solidariedade” que as pessoas parecem querer mostrar tão ostensivamente nas situações de calamidade pública, não se manifesta, entretanto, no dia a dia, nem mesmo nas relações mais próximas.
Os preconceitos em relação à estética, raça e outros aspectos, não pesariam tanto nas pessoas, se deixássemos nossas confortáveis margens, para aceitá-los como são.
 É claro que o caso real que inicia este artigo evidencia uma situação de distúrbio psicoemocional, pela gravidade da culminância. Mas sempre devemos nos perguntar, até que ponto um ser humano não cultiva anos a fio uma infelicidade, por se sentir rejeitado ou discriminado por um grupo.
 Frases irônicas, brincadeiras humilhantes, apelidos e outras tantas maneiras “sutis” de abordar uma diferença, são ferramentas perversas, que baixam a autoestima do ser humano e o fazem sentir-se desamado, ou sem interesse de viver. 
Mostrar-se “bom e solidário”, para que todos batam palmas é fácil, mesmo porque existem pessoas que assim procedem, apenas para sentirem um certo sentimento de “superioridade” sobre o outro.
Ser capaz de colaborar com a felicidade do próximo, sem que ninguém nem mesmo perceba, é, sobretudo uma manifestação de grandeza. E às vezes, basta uma palavra de incentivo, um convívio de respeito e compartilhamento, para que o outro se sinta confortável e até com mais forças, para vencer suas próprias dificuldades. 
Somos seres em processo de evolução e como tal todos temos imperfeições. Na busca de aperfeiçoamento, precisamos desenvolver valores, que nos fortifiquem na aceitação do que somos. Isto por si só, já elimina os complexos e as dificuldades de autoaceitação.
Mas é também nosso papel, auxiliarmos aqueles que encontram mais dificuldades para este ajuste.
Negar auxílio para quem necessita de uma palavra de afeto, ou de um gesto de aceitação, é tão grave quanto negar água a quem tem sede.

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