quarta-feira, 28 de março de 2018

HUMANITAS Nº 70 – ABRIL DE 2018 – PÁGINA 6

A MENTIRA E OS GOLPES DE ESTADO
Rafael Rocha é jornalista e editor geral deste Humanitas. Atua no Recife/PE

O “Dia da Mentira” surgiu na França em razão da mudança na data da festa de ano novo, que antes era comemorada no dia 25 de março e, tendo a duração de uma semana, terminava no dia 1º de abril.
Após a implantação do calendário gregoriano, o rei Carlos IX escolheu o dia 1º de janeiro para ser o início do ano.
Porém, muitas pessoas não gostaram da mudança e continuaram fazendo suas festas na data antiga.
Naquela época, as notícias demoravam muito para chegar às pessoas, fato que atrapalhou demais a mudança.
Portanto, elas passaram a fazer brincadeiras e gozações com aquelas consideradas conservadoras, enviando-lhes presentes estranhos ou convites para festas que não ocorreriam.
Assim, a data passou a ser duvidosa, pois os resistentes nunca sabiam se tais convites eram verdadeiros ou não.
Duzentos anos mais tarde essas brincadeiras se espalharam por todo o mundo, ficando a data mais conhecida como o “Dia da Mentira”.
Na França seu nome é "poisson d'avril" e na Itália esse dia é conhecido como "pesce d'aprile", ambos significando peixe de abril.
Pernambuco foi o primeiro Estado do Brasil a adotar a brincadeira, quando da circulação de um jornal chamado "A Mentira", em 1º de abril de 1848, tendo como notícia o falecimento do imperador Dom Pedro II.
A notícia, como se sabe, foi desmentida no dia seguinte.
É assim que vemos o quanto a mentira é uma coisa bastante velha na política nacional.
Ela foi definitivamente incorporada ao nosso calendário, não devido à brincadeira feita pelo jornal "A Mentira" em 1848, mas em época muito mais recente.
O “Dia da Mentira” sempre foi seguido no país como algo para se brincar uns com outros tal e qual se fazia em todas as partes do mundo, até que no 1º de abril de 1964 homens fardados e determinados setores civis, religiosos e corporações capitalistas estrangeiras institucionalizaram a data.
Essa é uma data que jamais deve ser esquecida.
É uma data verdadeira onde aconteceu algo horrendamente verdadeiro, criado por pessoas verdadeiras que levaram a nação brasileira durante mais de 20 anos a ver seus patriotas, jovens e velhos, homens e mulheres, serem perseguidos, assassinados, torturados e vigiados pelos usurpadores do poder democrático.
A mentira era o que eles pregavam. Mentiam quando diziam defender os ideais democráticos.
Falsearam até a data do golpe, repuxando-a para o 31 de Março no intuito de iludir a população.
Hoje voltamos a sofrer os mesmos problemas vinculados àquele 1º de Abril de 1964.
A violência, saúde sucateada, educação estrangulada, desemprego, fome, miséria têm ligação direta com o golpe militar que extinguiu a nossa engatinhante democracia da época e hoje voltam a se tornar reais.
O nosso País convive dentro de um novo Golpe de Estado e os homens idealistas estão temerosos do retorno daqueles 21 anos da ditadura dos homens fardados que prenderam, arrebentaram, mataram e torturaram.
Temerosos de uma ditadura com novas roupagens, onde o Judiciário, a Grande Mídia, a maioria do Parlamento, as igrejas fundamentalistas cristãs venham torturar e assassinar os idealistas, apenas porque estes sonham com um país democrático.
A sociedade brasileira foi enganada durante anos pelos militares e civis golpistas.
E volta a ser enganada por novos golpistas, liderados por um governante ilegítimo, por homens vestidos de toga, por outros com uma bíblia nas mãos, e outros sendo parlamentares mentirosos e corruptos, pregando a necessidade de ordem.
Eles falseiam tudo e têm a mídia como cúmplice.
Não custa nada, para finalizar, citar aqui a frase dita por Hannah Arendt: "Não há esperança de sobrevivência humana sem homens dispostos a dizer o que acontece..."

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