COERÊNCIA E PRÁTICA DE CHE
João Pedro Stédile
Coordenador do MST e da Vila Campesina Brasil
Texto extraído da revista Caros Amigos, Edição 247, Outubro de 2017
No dia 9 de outubro de 2017, se
completou 50 anos do assassinato de Che
Guevara pelas forças do exército boliviano. Ele foi preso e ferido no
dia 8 de outubro de 1967, e fuzilado no dia seguinte, por ordens da CIA, na
parede externa de uma pequena escola rural do povoado de La Higuera, município
de Valle Grande, Bolívia.
Estive lá nas
celebrações do 40º aniversário. Não consegui entender como o Che havia se
embrenhado naquelas montanhas a 3, 4 mil metros de altitude, despovoadas, sem
organização de massa para lhe dar apoio.
Hoje o local
parou no tempo e a miséria na região continua igual. Mesmo com um governo
popular podemos constatar que construir uma sociedade igualitária justa,
pós-capitalista, é uma missão para décadas de acúmulo de forças do povo
organizado. Não basta apenas chegar ao governo, como a esquerda se iludiu.
A imagem do Che
e seu legado também sempre foram polêmicos e manipulados pela esquerda e pela
direita. Na esquerda, o estrago maior foi a narrativa do jornalista e escritor
francês Regis Debray, que difundiu um livro equivocado resumindo as ideias do
Che à ações de heroísmo de um pequeno grupo de destemidos lutadores que
adotaram a tática de guerrilha para derrotar os opressores.
Em nenhum país
aconteceu isso. Muito menos na vitória do povo cubano em 1959.
O legado de Che
é muito mais importante e por isso, passados 50 anos de seu martírio, ele está
presente em praticamente todo o mundo e em todas as gerações.
Che não foi um
aventureiro, guerrilheiro ou herói solitário.
Che viveu com
coerência, todos os dias, como declarou sua filha em documentário. Mas além da
coerência, a sua prática de vida nos deixou muitos exemplos.
Defendeu sempre
a necessidade do estudo, para que a juventude, a militância, todos, dominassem
os conhecimentos científicos para podermos resolver mais rápido os problemas do
povo e termos uma vida mais lúcida e digna para todos.
Repetia Martí, “só o conhecimento liberta verdadeiramente
as pessoas!” Defendeu a vida simples e o espírito de sacrifício entre os
dirigentes.
Ser o primeiro
na fila do trabalho e o último na fila dos benefícios. Prática que os
dirigentes de partidos de esquerda abandonaram há anos.
Defendeu a
solidariedade e o internacionalismo. Dizia: “É
necessário indignar-se contra qualquer injustiça, praticada contra qualquer
pessoa, em qualquer parte do mundo. Se defenderes esse princípio, então somos
companheiros”, escreveu a uma Guevara uruguaia que lhe perguntara se eram
parentes.
E mesmo assim
optou por sua vocação missionária e foi atuar no Congo, na África e depois na
Bolívia. Ajudou a articular países e governos populares numa frente
antiimperialista, que resultou na Organização de Solidariedade dos Povos da
África, Ásia e América Latina, a Ospaaal.
Em todas as
suas atividades e gestos, sempre foi um humanista. E via no socialismo apenas
um meio das pessoas serem mais justas, mas iguais e mais sábias.
Defendeu ideias
polêmicas na construção do socialismo cubano, buscando na industrialização e na
independência política a forma de resolver mais rápido problemas do povo.
Tinha apenas 39
anos quando foi assassinado. Mas parece uma vida de décadas.
Por tudo isso é que a direita, os capitalistas, lhe
devotam tanto ódio, porque sabem que seu legado seguirá influenciando milhões
de jovens e trabalhadores. E um dia suas ideais e praticas serão hegemônicas.
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