terça-feira, 2 de outubro de 2018

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA CINCO


COERÊNCIA E PRÁTICA DE CHE
João Pedro Stédile
Coordenador do MST e da Vila Campesina Brasil
Texto extraído da revista Caros Amigos, Edição 247, Outubro de 2017

No dia 9 de outubro de 2017, se completou 50 anos do assassinato de Che Guevara pelas forças do exército boliviano. Ele foi preso e ferido no dia 8 de outubro de 1967, e fuzilado no dia seguinte, por ordens da CIA, na parede externa de uma pequena escola rural do povoado de La Higuera, município de Valle Grande, Bolívia. 
Estive lá nas celebrações do 40º aniversário. Não consegui entender como o Che havia se embrenhado naquelas montanhas a 3, 4 mil metros de altitude, despovoadas, sem organização de massa para lhe dar apoio.
Hoje o local parou no tempo e a miséria na região continua igual. Mesmo com um governo popular podemos constatar que construir uma sociedade igualitária justa, pós-capitalista, é uma missão para décadas de acúmulo de forças do povo organizado. Não basta apenas chegar ao governo, como a esquerda se iludiu.
A imagem do Che e seu legado também sempre foram polêmicos e manipulados pela esquerda e pela direita. Na esquerda, o estrago maior foi a narrativa do jornalista e escritor francês Regis Debray, que difundiu um livro equivocado resumindo as ideias do Che à ações de heroísmo de um pequeno grupo de destemidos lutadores que adotaram a tática de guerrilha para derrotar os opressores.
Em nenhum país aconteceu isso. Muito menos na vitória do povo cubano em 1959.
O legado de Che é muito mais importante e por isso, passados 50 anos de seu martírio, ele está presente em praticamente todo o mundo e em todas as gerações.
Che não foi um aventureiro, guerrilheiro ou herói solitário.
Che viveu com coerência, todos os dias, como declarou sua filha em documentário. Mas além da coerência, a sua prática de vida nos deixou muitos exemplos.
Defendeu sempre a necessidade do estudo, para que a juventude, a militância, todos, dominassem os conhecimentos científicos para podermos resolver mais rápido os problemas do povo e termos uma vida mais lúcida e digna para todos.
Repetia Martí, “só o conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas!” Defendeu a vida simples e o espírito de sacrifício entre os dirigentes.
Ser o primeiro na fila do trabalho e o último na fila dos benefícios. Prática que os dirigentes de partidos de esquerda abandonaram há anos.
Defendeu a solidariedade e o internacionalismo. Dizia: “É necessário indignar-se contra qualquer injustiça, praticada contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Se defenderes esse princípio, então somos companheiros”, escreveu a uma Guevara uruguaia que lhe perguntara se eram parentes.
E mesmo assim optou por sua vocação missionária e foi atuar no Congo, na África e depois na Bolívia. Ajudou a articular países e governos populares numa frente antiimperialista, que resultou na Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, a Ospaaal.
Em todas as suas atividades e gestos, sempre foi um humanista. E via no socialismo apenas um meio das pessoas serem mais justas, mas iguais e mais sábias.
Defendeu ideias polêmicas na construção do socialismo cubano, buscando na industrialização e na independência política a forma de resolver mais rápido problemas do povo.
Tinha apenas 39 anos quando foi assassinado. Mas parece uma vida de décadas.
Por tudo isso é que a direita, os capitalistas, lhe devotam tanto ódio, porque sabem que seu legado seguirá influenciando milhões de jovens e trabalhadores. E um dia suas ideais e praticas serão hegemônicas.

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