terça-feira, 2 de outubro de 2018

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA SETE

A CORAGEM E A DELÍCIA DE RECOMEÇAR
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Conta-se, que um respeitável fazendeiro de oitenta anos, verdadeiro sustentáculo de tradições seculares, tinha uma única e adorável netinha de oito anos.
Homem rígido e acostumado a posições irrevogáveis (afinal, seus brancos fios de bigode, acobertavam uma boca, que “jamais” deixou de honrar a palavra dada), entretanto se dobrava a “quase todos” os pedidos dessa garotinha mimosa e catita.
Eis que entretanto, um belo dia, a linda menina, que conhecia o “horror” do avô por um cardápio de quiabo (embora soubesse também, que ele “jamais” experimentara o sabor do mesmo), lhe pede para que ele experimente, pelo menos uma colherinha daquele guisado, que ela “adorava” e que lhe doía ver, que o avô se privava.
Ao que o octogenário e respeitável senhor lhe responde, com reconhecida angústia de não conseguir atender: “Sabe querida? Não posso atendê-la, e você há de me compreender! Se o vovô atende ao seu pedido, ele corre dois riscos: o primeiro é que eu acho, que isto de fato vai até me fazer mal, pois não me bom o sabor. O segundo é que, caso o vovô goste do sabor, ele vai ter que assumir oitenta anos de erro!”
Assim conta a história, que verdadeira ou fictícia, retrata bem o comportamento de muita gente, em todas as idades. É óbvio que o risco maior, era o segundo.
A dificuldade de “recomeçar” em um novo caminho se prende principalmente à necessidade, que a isto se antecipa: reconhecer que havia um engano na posição anterior.
Desde cedo ouvimos ditos “históricos” como: “palavra de rei não volta atrás”; “homem que é homem tem uma palavra só”. E depois temos que enfrentar a auto-avaliação (muito mais difícil do que a exterior). Por isto pensamos, melhor fazer de conta, que “não há outro caminho, ou se pelo menos ele existe, deve ser pior”. Mudar não é fácil.
Experimente fazer um novo trajeto, por exemplo, para chegar até sua casa. Um horror! As dificuldades (desconhecidas, é claro), se nos afiguram mil vezes piores, do que as anteriores (do conhecido). Enquanto isto, a vida passa... E nós, que temos um sol renascendo todos os dias no horizonte, vamos perdendo a oportunidade de fazê-lo também.
É lamentável, pois isto nos tira o valor da possibilidade de evolução humana, papel que ao que parece é o fundamental da espécie. Tomemos por exemplo, o modelo de um cão: se mil vezes um ônibus passar por perto, mil vezes ele correrá atrás, num esforço inédito de alcançá-lo. O cômico é que, se o ônibus para, ele sem dúvida recuará, desorientado com “o que é que ele vai fazer, com este ônibus!”  Mas isto não o impedirá de correr atrás do próximo ônibus que vier
Ora, quando insistimos num comportamento, apenas porque “sempre” agimos assim, nos tornamos similares ao canino! Somos humanos e é por isto que temos o direito (senão o dever), de crescer todos os dias! Posso deixar vícios prejudiciais, posso alterar caminhos tortuosos, posso aprender a ser melhor, todos os dias.
Entretanto só eu posso decidir por este renascer diário.
É fácil entender porque qualquer tratamento para mudança de comportamento não funciona, enquanto a própria pessoa não fizer essa opção! Como consequência, até a felicidade é fruto da nossa decisão de “sermos felizes”.
Já notaram como existem pessoas, que fazem opção pela infelicidade?! Têm vergonha de ser felizes! Como é que vão explicar para todo mundo, que “sempre” as viu taciturnas e mal humoradas, que agora são sorridentes e alegres? “Renascer” para a alegria, significa “matar” a tristeza. E até isso é uma mudança que não querem enfrentar!
Por que esta resistência à própria felicidade?! O livre arbítrio para fazer “escolhas” é o grande diferencial que a natureza nos dotou em relação aos animais irracionais. É esta liberdade humana, que precisamos exercitar.
Usemos este potencial, para promover as mudanças, que almejamos. Mudar não significa desconhecer os valores do passado. Significa evoluí-los.
A própria trajetória da vida é um processo de “mudanças”. Olhe para trás de sua história de vida e verifique o quanto você já “cresceu”.
Não se trata de “reinventar a roda” embora a invenção da roda tenha sido de fato, um marco histórico para a humanidade.
Mas hoje temos tecnologia que possibilita “flutuarmos” acima dos trilhos. Breve nem precisaremos mais de rodas; só dos grandes progressos que fizemos a partir delas!
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Do livro “A Coragem e a Delícia de Recomeçar” de Ana Maria Ferreira Leandro

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