Amputados não devem esperar por milagres
Um dos desafios da ciência para as próximas décadas
será regenerar membros e órgãos amputados ou lesados. Não apenas mãos, braços e
pernas, mas rins, coração etc. Esse tema, curiosamente, além do aspecto
científico é um prato cheio para atiçar o debate religioso.
Ora, se os
religiosos dizem que Deus intervém operando milagres para remover tumores
malignos, fazer cego enxergar, o mar se abrir, mortos ressuscitarem e tantos
outros, não haveria motivos lógicos - nem biológicos - para esse deus não
promover a regeneração de membros perdidos.
Mas não
importa quantas pessoas peçam, nem quanto elas rezem, nem quão sinceros e
devotos sejam; não importa que o amputado seja absolutamente merecedor da
graça: o milagre não acontecerá.
E também não
importam as palavras da bíblia (e tudo o que
pedirdes na oração, crendo, o recebereis - se pedirdes alguma coisa em meu
nome, eu o farei). Algumas possibilidades justificariam este
fato incontestável. O mais simples deles é que não existe deus algum.
O que a
ciência tenta entender hoje é por que os mamíferos adultos perderam a
capacidade de regenerar órgãos e membros.
Essa
capacidade ainda existe em animais simples como as estrelas-do-mar que
regeneram braços e em alguns tipos de salamandras, como os axolotes, que podem
regenerar órgãos e membros amputados.
Mesmo os
humanos, em períodos fetais, têm ainda alguma capacidade de regenerar membros.
Mas em algum momento da evolução dos mamíferos, cicatrizar uma ferida aberta
(evitando assim infecções fatais) passou a ser mais importante que regenerar um
membro amputado.
Os
cientistas observaram que quando perdemos um dedo, por exemplo, os eventos que
levam a cicatrizar rapidamente, inibem os processos que poderiam permitir a
regeneração.
Esta corrida
da ciência tem, como já ocorreu no passado, a pressão da guerra e seus milhares
de amputados e conta também com o inesperado.
Alguns
avanços surgiram quase por acaso. É o que aconteceu com um grupo de
pesquisadores que estudava o tratamento para o lúpus, uma doença autoimune que
acomete milhões de seres humanos.
Para os
estudos, eles criaram um rato geneticamente modificado, denominado MRL, capaz
de desenvolver a doença. Com isso esperavam compreender seus mecanismos
genéticos e tentar novos tratamentos.
Para
identificar os animais, eram feitos furos nas orelhas. Furo na orelha esquerda,
animal MRL; sem furo, camundongo normal.
Dias depois,
quando foram realizar experimentos, observaram que todos os animais estavam sem
furo. Crendo tratar-se de um equívoco por parte de algum membro da equipe,
repetiram tudo, e, para surpresa geral, em poucos dias os camundongos MRL
tinham regenerado de novo a orelha.
O camundongo
MRL não apenas regenerava a orelha, mas partes completas do coração quando
artificialmente danificado, e até falanges inteiras de dedos amputados.
Atualmente
os cientistas tentam identificar qual a sequência de genes envolvidos no
processo, e por que eles estão bloqueados, e o que acontece na área da
amputação quando eles são ativados novamente.
Além do
camundongo MRL, outro grupo de mamíferos que parece guardar o segredo da
regeneração é o dos cervos.
Anualmente
repetem um ciclo de formação, amadurecimento e queda dos seus espetaculares
chifres. Como essa formação tem semelhança com a formação dos nossos ossos, os
cientistas querem saber quais as substâncias químicas que promovem esse
crescimento e por que o processo pode se repetir com tamanha velocidade a cada
ano.
Tanto no
caso dos camundongos MRL como nos cervos, a ação de células-tronco parece jogar
um papel fundamental. Os cientistas crêem que se as pesquisas continuarem
seguindo o ritmo atual, em dez anos partes de dedos e órgãos internos
poderão ser substituídos em humanos, e daqui a 50 anos formar um novo pulmão,
rim ou braço poderá fazer parte da rotina médica.
Não deixa de
ser irônico que o ex-papa Joseph Ratzinger tenha colocado a manipulação
genética entre os novos pecados capitais.
Pelo visto, o chefe máximo dos católicos, na época,
considerava que Deus realmente tem algo contra os amputados.
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