quarta-feira, 28 de setembro de 2016

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 8

Um mundo turbinado pelo desligamento social
Especial para o Humanitas
Manfred Grellmann é um autodidata colaborador do Humanitas. Mora em Camaragibe/PE

A quantidade de problemas que o mundo moderno, turbinado pela tecnologia, tem acumulado, criou um estado difícil para ações de reorganização da sociedade para que ela possa se sustentar de forma duradoura.
Obviamente, há gente capaz de fazê-lo,  como demonstram ações pontuais e  ainda é possível. Porém, a súcia do poder ou da maldade destruidora, é mais forte. 
Já perguntei as pessoas se elas já pensaram alguma vez sobre a necessidade de se decidir pelo abandono de certas tecnologias e cancelar a fabricação de alguns produtos e materiais, principalmente aqueles que não podem ser reciclados.
Essa pergunta é incômoda, porque o mundo só sabe viver com o que está na moda. As pessoas se esquecem que crescer e se desenvolver têm limites, e que o tipo de sociedade que conhecemos e endeusamos tem seus dias contados.
Então, o que vemos hoje é uma monstruosa  armadilha impossível de ser desarmada!
O desarme acontecerá, sim, mas pelo terrível  preço do desastre! Somos uma raça destinada ao suicídio coletivo!
Em uma feira de rua num sábado em São Paulo, parei em uma barraca para tomar um caldo de cana. Enquanto saboreava, notei que não havia refrigerantes sendo vendidos nela, tampouco nas redondezas da feira.
Ao indagar o motivo disso, o proprietário respondeu dizendo que era uma imposição da prefeitura. A resposta  me causou surpresa e não ficou sem questionamento.
A explicação: a prefeitura diz que oferecendo refrigerantes e caldo de cana, os fregueses tomarão somente refrigerantes  e não caldo de cana, que é muito mais saudável. Então, cadê a liberdade de escolher o que se quer vender e beber?
Um fenômeno recente  que se configura em  um estado  de exclusão social, de comportamento drogado, de alienação social, são os smartphone-zumbis. É uma praga planetária. É fácil chegar a algum lugar e ter a sensação de estar num  espaço vazio.
Ou seja, não há ninguém, porque todos os presentes estão conectados à maquina e desconectados das pessoas! Não há forma mais clara de qualificar, exemplificar  um zumbi. Basta olhar para uma figura dessas, teclando com vista congelada e imóvel na tela!
Esse aspecto novo como muitos outros da sociedade moderna, é um caminho sem volta que irá contribuir para  o possível  suicídio da espécie ou redução a poucos exemplares. O comportamento viciante da era digital é certamente uma surpresa  para os desdobramentos das manias que o cérebro consegue desenvolver.
Os smartphones-zumbis são exemplos desses vícios estranhos desconhecidos há duas  décadas. Recentemente, em São Paulo, uma mulher foi  internada numa clínica para tratamento de drogados porque não conseguia  largar seu celular ou computador, sempre acessando as redes sociais, fato que  a fez esquecer de levar a filha para a escola, de dormir, de comer e finalmente perder o emprego e observar o fim de seu casamento.
Neste mundo comandado pela mídia e pela falsa  propaganda novos problemas e vícios minimizam e se sobrepõem a antigos, fazendo com que os referenciais de conduta se desloquem  de forma  impercebível  para a maioria esmagadora, que confunde alteração com evolução e modernismo, sem ver nisso um processo de degradação.
Desde o advento da televisão, pensadores alertavam sobre os malefícios desse meio de comunicação da forma como estava sendo usado.
Coisas como destruição do diálogo, visitas que transcorriam em silêncio, não raro, as únicas frases trocadas eram boa noite na chegada e até logo na saída.
Não se pode trabalhar, concentrar-se ou conversar quando a TV está ligada.
Na verdade, esse equipamento é para ser usado em momentos de tempo livre e vontade de assistir àquilo que se deseja, seja  informação ou distração.
Ora, a TV já impõe nos lares um desligamento social e  coloca na UTI o  diálogo em família.
E quando há algum diálogo é sobre lixo, não o tratamento do lixo, mas sobre o lixo cultural chamado NOVELA e, pior, BBB !
Quanto tempo ainda falta para o fim da raça humana?

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 7

Criança não pode ser apenas esperança
Especial para o Humanitas
Ana Maria Leandro - uma das principais colaboradoras do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Atravesso rapidamente a passarela de transeuntes do viaduto, sob o barulho quase ensurdecedor do trânsito de veículos que correm na pista própria deles. Mas o quase ensurdecimento não me impede de ouvir um choro agudo.
Olho sobre o alambrado o cenário da avenida lá embaixo, mas a visão de debaixo do viaduto não é possível, exceção às suas margens, onde são percebidos resíduos sólidos espalhados.
Embora apressada proponho-me a descer lá embaixo, assim que chegar ao final da passarela, pois não consigo ouvir um choro de criança sem saber se está sob os cuidados de algum responsável, principalmente em lugares evidentemente inadequados.
Ao chegar ao meio da cobertura do viaduto encontro uma senhora deitada sobre um colchão improvisado de trapos, tentando amamentar um bebê que se nega a pegar o peito. Pergunto-lhe se mora ali e ela informa que sim, pelo menos por enquanto. Está foragida de um barraco na favela, de onde fugiu com medo de um marido agressivo.
Mas ela ainda está sangrando do parto. Chamo o SAMU pelo celular e solicito o atendimento de um nascituro e sua gestora ainda em finalização de processo do parto, ambos em condições de risco de vida. Aguardo cerca de 30 minutos e outras pessoas solidárias se aproximam tentando ajudar também e conseguimos que mãe e filho sejam levados para assistência pública adequada.   
Não continuo o relato, pois este não é um artigo sobre ações de solidariedade, ou de assistência social. O tema é Criança não pode ser apenas esperança. Não há futuro num presente que não se constrói.
O Brasil precisa aprender que o circo é, para o povo que o assiste, um momento de lazer, não pode significar uma ilusão de um castelo de areia, pois este se desmorona ao final do espetáculo.
A fase denominada de menoridade tem seu estabelecimento legal, embora controverso na opinião pública. Mas sabemos que o tempo médio de vida se estende em mais de 60 anos além. Pensar que mais de meio século à frente pode ter bases tão frágeis é um contrassenso.
Não vamos entrar na controvérsia sobre a verdadeira e autêntica aplicação desses recursos, visto que o simples marketing do processo já é por si, um enorme ganho para a emissora televisiva que o executa.
Pessoas físicas ou jurídicas de alto poder aquisitivo, artistas de ganhos milionários, talvez colaborassem muito mais ajudando diretamente às crianças de baixo poder aquisitivo, contribuindo na manutenção de instituições educacionais da primeira infância, e colaborando com órgãos de assistência sociais comprovadamente idôneos.
E mais: atuando econômica e financeiramente para a prevenção e assistência médica, principalmente à primeira infância.
Por que a intermediação da verba deste processo por uma instituição midiática?
Já dizia o grande educador Paulo Freire: É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo...
Embora o lazer possa ser considerado uma parte necessária à vida, não se pode pensar que isso possa alicerçar o futuro.
A criança não pode ser esperança, algo que se espera, como diz o educador.  A criança é SER DO HOJE, do agora.
Até mesmo ainda no útero a criança é um SER, cujo ambiente de vida da mãe, a exposição a agressividades, fatores emocionais, ausência de cuidados preventivos e alimentação adequada, já interferem nas possibilidades de qualidade do futuro da criança.
Quando me lembro de um recém-nascido chegando à vida debaixo de um viaduto, pergunto-me que futuro pode estar sendo alicerçado em raízes tão cruéis!

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 6

Índios brasileiros reconheciam outras formas 
de sexualidade e gênero antes da colonização
Especial para o Humanitas
Francine Oliveira é Mestra em Teoria Literária 
e Crítica de Cultura. Mora em Juiz de Fora-MG

Há pesquisas que revelam que práticas que hoje seriam chamadas de homossexualidade e expressões de transgeneridade eram socialmente aceitas entre algumas tribos do território nacional antes da “colonização e catequização dos índios”
No livro “Devassos no Paraíso”, de João Silvério Trevisan, pode-se encontrar evidências na forma de relatos dos próprios portugueses que chegaram ao Brasil, como o do padre Manuel da Nóbrega, que comentou que muitos colonos tinham índios como mulheres, segundo os costumes da terra, em 1549.
Em 1576, o português Pero de Magalhães de Gândavo revelou que os índios Tupinaés se entregavam à sodomia “como se neles não houvera razão de homens”
Entre os Tupinambás, há relatos tanto de homossexualidade masculina como feminina e, segundo o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Souza, escrito em 1587, havia entre os indígenas inclusive os que tinham “tenda pública”, para aqueles que os quisessem “como mulheres”, uma indicação do que hoje chamaríamos d’e prostituição. Os “tibira” seriam os índios “gays” e as “çacoaimbeguira”, as índias “lésbicas
Apesar dessa aparente “liberdade sexual”, havia entre os índios tupinambás uma cultura de superioridade do homem.
Membros da tribo casavam-se apenas com uma mulher, mas entre os chefes era comum a poligamia, de forma que eles chegavam a esposar até 13 ou 14 mulheres.
Nessa sociedade, a mulher era vista como um objeto, de acordo com Hans Staden, e ocorria, inclusive, de um homem dar sua esposa de presente a outro homem quando se cansasse dela.
Entre os Guaicurus e Xamicos, é possível encontrar relatos sobre os “kudína” ou cudinhos, homens castrados que passavam a se vestir como mulheres e a executar tarefas femininas, como a tecelagem.
Eles também se casavam com outros homens e assumiam o papel sexual das mulheres. 
Entre os Kadiwéu, o hábito da pintura corporal é reconhecido como uma arte feminina.
Os complexos padrões da tribo são pintados pelas mulheres mais velhas e pelos “kudína”, homens efeminados que incorporavam todos os atributos da mulher e assumiam papéis femininos naquela sociedade.
Segundo o antropólogo Luiz Mott, que dedicou grande parte de sua vida acadêmica a pesquisar relações homoafetivas entre as tribos, em tempos da Inquisição, foi a maior liberdade sexual e a nudez entre índios e escravos que possibilitaram aos sodomitas europeus espaço privilegiado na colônia para suas práticas homoeróticas. É importante notar como a diversidade sexual e de gênero já estava presente em múltiplos territórios pelo mundo, o que sugere como o pensamento europeu cristão foi responsável pela imposição de uma moral que não tem relação alguma com “naturalidade”
À medida que a catequização ocorria no Brasil, essas práticas foram sendo abolidas e condenadas por membros das próprias tribos que aos poucos aprendiam sobre essa ideia construída de “pecado”. Portanto, não é tão errado assim afirmar que os primeiros indícios de “homofobia” podem ter chegado ao Brasil junto com a colonização, em 1500.

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 5

De volta à barbárie
Especial para o Humanitas
Valdeci Ferraz é advogado, escritor e colaborador deste Humanitas. Mora no Recife/PE
(continuação da página 4)

Não podemos negar que a tecnologia transformou o mundo, facilitando as transações comerciais, incrementando o lazer, encurtando as distâncias e estabelecendo uma mudança considerável nas relações humanas, entretanto...
Em que pese a especialização do conhecimento em face do desenvolvimento da ciência e da técnica trazendo inúmeros benefícios, a incomunicabilidade social decorrente da fragmentação em compartimentos estanques, determina como consequência negativa a eliminação daqueles denominadores comuns da cultura graças aos quais os homens e as mulheres podem coexistir, comunicar-se e sentir-se de algum modo solidários. (A Cultura do Romance, Franco Moretti, 2009, pag. 20).
Noutras palavras, a sociedade moderna tende cada vez mais a isolar-se em ilhas de conhecimento, cada grupo reivindicando e prolatando suas verdades como absolutas, num processo de desumanização e volta à barbárie, cujo exemplo atual pode-se ver no crescimento do terrorismo apoiado por países de religião Islâmica.
No Brasil atual as consequências desse processo pululam em diversas áreas da sociedade, sem que as autoridades ou os líderes sociais como os professores, os intelectuais, os artistas, o povo em geral se dê conta.
Pelo contrário, enveredam por caminhos já contaminados e acabam se tornando agentes ativos no processo de desumanização do ser, tal como vemos hoje legisladores ou políticos religiosos querendo obrigar os alunos de escolas públicas a seguirem determinada religião, esquecendo que a Carta Brasileira de 1988 consolidou o Laicismo como princípio constitucional.
No sul do país surgem grupos de jovens adeptos do nazismo, pregando a morte aos negros, homossexuais e nordestinos.
Nas grandes cidades, jovens torcedores de grandes times de futebol se organizam com ajuda da internet e marcam encontros onde prevalece a violência e a agressividade.
O homem robotiza-se.
Falamos com dispositivos eletrônicos, o mundo virtual e o da imagem se sobrepõem no cotidiano, trocamos o contato humano e fraterno pela frieza da mensagem digitada.
E o mais grave: o brasileiro perdeu, na sua maioria, a capacidade de avaliar, criticar, perscrutar a verdade, e, consequentemente, a tudo assiste passivo e conformado, entregando-se nas mãos dos espertos e dos aproveitadores. Diante do quadro atual inquieta-nos as proféticas palavras de Mario Vargas Llosa citadas no prefácio do livro A Cultura do Romance.
Discorrendo sobre a importância da leitura de bons romances para a formação de uma mentalidade sensível, crítica e sensata, e ainda sobre o fato da falta do hábito da leitura por parte das pessoas, o escritor peruano faz um alerta: (...) estou convencido de que uma sociedade sem romances, ou na qual a literatura foi relegada, como certos vícios inconfessáveis, às margens da vida social e convertida mais ou menos num culto sectário – esta sociedade está condenada a se barbarizar no plano espiritual e a pôr em risco a própria liberdade.
De acordo com o escritor Vargas Llosa, que também é jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de Literatura de 2010, a literatura é insubstituível para a formação do cidadão numa sociedade moderna, democrática e de indivíduos livres, devendo fazer parte da família desde a infância e nas disciplinas básicas das escolas. 
Através dos livros e da leitura deles podemos entrar em contato com várias culturas diferentes. Descobriremos como nosso povo e os demais povos se comportam, bem como os motivos pelos quais esses outros povos agem de forma diferente de nós.
Além disso, conseguimos compreender melhor o outro quando sabemos a história de vida que o cerca e assim lidamos melhor com quem é diferente de nós sem ter uma opinião pobre e geral acerca das circunstâncias da vida. 
O homem atual é oco de conhecimento e informação, desconhece filosofia, sociologia, antropologia e ciências, vivendo na periferia intelectual e reclamando das depressões e estresse promovidos pela falta de alimento ao seu espírito.
Livros? Só para ser pé de mesa e alimentar a fogueira de sua ignorância. 
Por isso precisamos ler para aprender mais.
Urgentemente temos de ir ao encontro de Cervantes, Shakespeare, Goethe, Sartre, Stendhal, Aldous Huxley, Saramago, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Umberto Eco, Nietzche, Raquel de Queiroz, Guimarães Rosa, Federico  Garcia Lorca, Clarice Lispector, Karl Marx, Gabriel Garcia Marques, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Pablo Neruda, José de Alencar, José Lins do Rego, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Hemingway, Érico Veríssimo, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Castro Alves e tantos outros que contribuíram com seus escritos para o aperfeiçoamento da humanidade.

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 4

De volta à barbárie

Especial para o Humanitas
Valdeci Ferraz é advogado, escritor e colaborador deste Humanitas. Mora no Recife/PE

A cada ato terrorista praticado pelos fanáticos do Islamismo o mundo fica estarrecido. A humanidade, perplexa, se angustia e se questiona.
Como isso é possível em pleno século XXI?
Que paradoxo é esse em que seres humanos se destroem em nome de uma religião, em nome de um deus tido como amoroso e interessado no bem de todos?
A história nos revela que mortes de seres humanos em nome de divindades têm acontecido em todos os tempos. Conflitos entre católicos e protestantes, judeus e muçulmanos, xiitas e sunitas recheiam a história oficial.
As Cruzadas aconteceram no século VI e tinham como objetivo impor o cristianismo na Palestina. Os tribunais da Inquisição Portuguesa levaram à fogueira 1.175 pessoas vivas. Em Sevilha (Espanha) em novembro de 1481, 288 pessoas foram queimadas vivas.
A Noite de São Bartolomeu nos fala da repressão aos protestantes pela igreja católica.
As matanças foram organizadas e começaram em 24 de agosto de 1572, durando vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades.
Números precisos para as vítimas nunca foram compilados, e até mesmo nos escritos de historiadores modernos há controvérsia, variando de 20 mil vítimas, segundo um apologista católico até a afirmação de 70 mil por um apologista huguenote, Duque de Sully, que escapou por pouco da morte.
No século XVI, o Iluminismo retirou o homem das trevas medievais. A invenção da imprensa por Gutenberg, na Alemanha, abriu as portas do conhecimento.
A Bíblia foi traduzida e sua leitura se espalhou pela sociedade, contrariando o interesse da Igreja que pretendia continuar com o monopólio cultural para manter o seu poder sobre as pessoas.
Pode-se afirmar seguramente que a possibilidade da transmissão de ideias e conhecimento por meio da tipografia foi um marco decisório na evolução do pensamento humano.
Com o mundo passando a ler, as relações humanas se transformaram. A ciência e a tecnologia avançaram vertiginosamente trazendo a invenção da lâmpada elétrica por Thomas Edison, o surgimento do rádio, do telefone, a televisão, a descoberta da penicilina.
Entretanto, o bem maior alcançado pelos homens foi a tomada de consciência de sua humanização, a percepção de que  todo ser humano é igual e que nenhum homem é uma ilha (Hemingway).
Para isso, foi fundamental o papel realizado pela Literatura, vista no seu contexto de agrupamento literário de todas as obras escritas com inegável cunho artístico voltado para a representação dos dramas humanos ou perpetuação dos grandes feitos heroicos, reais ou mitológicos.
A publicação de obras como A Divina Comédia de Dante, Fausto, de Goethe, Dom Quixote de La Macha, de Cervantes, Guerra e Paz de Tolstoi, as representações teatrais das obras de Shakespeare e de tantas outras deram ao homem europeu, uma visão nova do mundo e do ser humano.
Naquelas obras ele se viu retratado, com suas angústias, sonhos, vitórias e fracassos. Nos Estados Unidos a chaga da escravidão revelada no romance A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe, em 1852 despertou o sentimento abolicionista.
No Brasil, os romances de Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz (Vidas Secas e O Quinze) denunciaram a tragédia da seca, influenciando milhares de leitores, despertando neles o sentimento solidário e a possibilidade da critica construtiva.
No livro Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa, o leitor dedicado descobre a universalidade a partir do regional, se encantando com o enfoque existencial do escritor que retrata a natureza humana em toda a sua complexidade.
A consequência deste processo da leitura de bons romances resultou, evidentemente, em uma visão humanista bem mais agradável e harmoniosa, levando-nos a acreditar que a paz universal estaria bem perto.
A perspectiva de uma globalização pautada pelo respeito à adversidade nos surgia cada vez mais palpável e alvissareira
Porém, os fatos modernos apontam, infelizmente, para um retrocesso.
Por falta de leitura - e leitura de bons livros - a sociedade, pelo menos a brasileira, vem pagando um alto preço pelos benefícios trazidos pelo progresso.
Nas palavras do escritor peruano Mário Vargas Llosa a Literatura é uma atividade de que se pode prescindir, um entretenimento, um ornamento que se pode permitir os que dispõem de muito tempo livre para a recreação, e que seria necessário na categoria dos esportes, do cinema, do bridge ou do xadrez, mas que pode ser sacrificado sem escrúpulos no momento de estabelecer uma escala de prioridades nos afazeres e compromissos indispensáveis da luta pela vida.

(continua na página 5)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO

Poeta do mês
Talis Andrade nasceu em Limoeiro, Pernambuco, em 1937. Mora no Recife. Jornalista, ex-diretor responsável d’A Republica (Natal) Diario da Noite, Jornal do Commercio, Jornal da Semana (Recife), editoria e colunismo político do Diario de Pernambuco. Professor, durante nove anos, dos Cursos de Jornalismo e Relações Publicas da Universidade Católica de Pernambuco. Poeta, publicou os livros Esquife Encarnado (1957), Poemas (1975), Cantiga para um Icone Dourado (1977), O Tocador de Realejo (1979), O Sonhador Adormecido, VinhoEncantado (2004), Os Herdeiros da Rosa, Os Sertões de Dentro e de Fora, Romance do Emparedado (2007), Os Cavalos da Miragem, A Partilha do Corpo (2008), O Enforcado da Rainha (2011).
......................................
Tempo e casualidade
Edson Guedes de Morais
Recife/PE

Nenhum deus me fez ou sabe.
Houve um gesto; depois,
a involuntária duração do gesto
como um punhado de areia
que se atira para o alto.
O fato é não podermos ver,
a cavaleiro, nossos próprios passos,
esquecermos depressa a semeada
e este germinar à nossa frente.
Muito antes de mim, depois,
a folha, o vento e o movimento
da folha sobre a estrada pelo vento
...........................................
Feitiços & sonhos
Ivy Gomide
Rio de Janeiro/RJ

respinga o final da chuva
atrai,
carimba,
sopra
desfolha-se
em a’gostos
paralelos, planos,
diagramas
feitiço dos olhos teus
tumultua a boca
perde-se o prazer
na imensidão do azul
feitiços, diagramas, sonhos
deitam-se na grama
macio orvalho devora
acorda, acorda!
os lírios dos setembros
sobressaltam-se
................................................
CARTAS DOS LEITORES

Ótima publicação! Agamenon Araújo de Sá – Fortaleza/CE
***
O Humanitas tornou-se parte de minha família literária. José Carlos Milet – Rio de Janeiro/RJ
***
Espero que o Humanitas mantenha sua linha editorial por mais radical que seja o encaminhamento da verdade escrita para os seus leitores. Amélia Andrade Luna – Olinda/PE
***
O Humanitas está de parabéns pela publicação da série de artigos sobre o terrorismo cristão no mundo. Considero isso algo a ser ensinado em todas as escolas para mudar a mentalidade da nova geração que foi gerada por nós. Cristina Lima – Recife/PE

................................................

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 2

EDITORIAL
Hábito de ler e a criança

Um fato lamentável que constatamos nos dias atuais é que a falta de leitura está fazendo o ser humano retornar à barbárie. Sim, porque a sociedade que não gosta de ler torna-se empobrecida mentalmente. O empobrecimento mental será uma catástrofe para o mundo civilizado.
Os livros são os instrumentos capazes de fornecer o saber e, quando não lemos, perdemos o sentido da imaginação e da verdade.
Quando se imaginava que a civilização, nesta era tecnológica, aliando-se à ciência, pudesse ir além, observamos um retrocesso mental, e o povo, principalmente os jovens, contentando-se apenas com o que é exposto através de imagens, pela TV e/ou Internet.
Já dizia o educador Paulo Freyre que “um povo consciente de sua história a partir da leitura, mais facilmente percebe as dificuldades socioeconômicas e culturais da realidade, tornando-se mais apto para o enfrentamento e a libertação”
Infelizmente, o hábito de ler nunca foi estimulado no Brasil. Desde a época da colônia somente a elite tinha acesso aos livros, sendo que até hoje as famílias brasileiras não cultivam o hábito. Na verdade, livros só servem para decorar estantes. 
É necessário que a leitura esteja presente nas vidas dos seres humanos. Ler é um instrumento de conquista da liberdade porque amplia a visão de mundo, traz a transformação, a compreensão do cotidiano e retira o ser humano da alienação.
E mais: neste mês em que se festeja a passagem de mais um Dia da Criança, estamos aqui a postos para lembrar que não há futuro num presente que não se constrói.
E tal como salientou o educador Paulo Freire, “a criança não pode ser esperança, algo que se espera”. A criança é SER DO HOJE, do agora.
Por que então uma instituição midiática é que tem de levar adiante o processo de esperançar a criança? Apenas para conseguir se alavancar a si mesma, utilizando a seu favor um poderoso marketing e fazendo um circo para angariar mais e mais recursos financeiros?
..............................................
O socialismo enriquece a Humanidade - Vladimir Lênin

Os capitalistas chamam “liberdade” a dos ricos de enriquecer, e a dos operários para morrer de fome; e liberdade de imprensa “a compra dela pelos ricos”, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública, provando que uma mentira repetida muitas vezes se torna uma grande verdade.
É preciso sonhar, com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com o nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias.
Na luta pelo poder, o proletariado tem como única arma a organização. As ideias são mais letais do que armas. As revoluções são as festas dos oprimidos e dos explorados.
Toda instituição tem sua estrutura natural determinada pelo conteúdo de sua ação. A revolução começa em casa e o marxismo é onipotente porque é verdade.
O Imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das propriedades fundamentais do Capitalismo. Por outro lado, você se torna um socialista quando enriquece sua mente com todos os tesouros criados pela Humanidade.
Poderá uma nação que oprime outras nações ser livre? Não, não poderá.
Se o Socialismo somente pode ser realizado quando o desenvolvimento intelectual de todos os povos o permitir, não veremos o Socialismo no mundo, pelo menos, por uns quinhentos anos.
E democracia (sejamos claros) é uma forma de Governo em que a cada quatro anos muda-se apenas o tirano que está no poder.
Karl Marx concebeu o movimento social como um processo regido por leis que não são independentes da vontade, da consciência e da intenção dos homens, mas que determinam sua vontade, sua consciência e suas intenções.
Quem ignora que, ao examinar qualquer fenômeno social no processo de seu desenvolvimento, sempre se encontrarão nele vestígios do passado, bases do presente e sementes do futuro?
Em política, os homens sempre foram vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio, e continuarão a sê-los, enquanto não aprenderem a descobrir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais os interesses de uma ou de outra classe.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PRIMEIRA PÁGINA

Os zumbis do admirável mundo novo
esquecem os livros e ficam alienados

Nas PÁGINAS 4 e 5, o advogado e escritor Valdeci Ferraz diz que a falta de leitura leva o ser humano a perder a capacidade de avalia, criticar e perscrutar a verdade. Na PÁGINA 8, o autodidata Manfred Grellmann mostra que hoje todas as pessoas estão conectadas ao universo digital, vivendo como zumbis, mas fora do alcance umas das outras
..............................
Na PÁGINA 6, Francine Oliveira, mestra em Teoria Literária e Crítica de Cultura, diz que, antes da colonização, os índios brasileiros já reconheciam outras formas de sexualidade e gênero
.............................
A escritora e jornalista Ana Maria Leandro observa, na  PÁGINA 7, que CRIANÇA NÃO PODE SER APENAS ESPERANÇA
.............................
POEMAS
O REFÚGIO POÉTICO apresenta, na PÁGINA 3, poemas do jornalista Talis Andrade, do poeta pernambucano Edson Guedes de Morais e da poeta carioca Ivy Gomide