De volta à barbárie
Especial para o
Humanitas
Valdeci
Ferraz é advogado, escritor e colaborador deste Humanitas. Mora no
Recife/PE
A cada ato
terrorista praticado pelos fanáticos do Islamismo o mundo fica estarrecido. A
humanidade, perplexa, se angustia e se questiona.
Como isso é possível em pleno século XXI?
Que paradoxo é esse em que seres humanos se destroem em
nome de uma religião, em nome de um deus tido como amoroso e interessado no bem
de todos?
A história nos revela que mortes de seres humanos em nome
de divindades têm acontecido em todos os tempos. Conflitos entre católicos e
protestantes, judeus e muçulmanos, xiitas e sunitas recheiam a história
oficial.
As Cruzadas aconteceram no século VI e tinham como objetivo
impor o cristianismo na Palestina. Os tribunais da Inquisição Portuguesa
levaram à fogueira 1.175 pessoas vivas. Em Sevilha (Espanha) em novembro de
1481, 288 pessoas foram queimadas vivas.
A Noite de São Bartolomeu nos fala da repressão aos
protestantes pela igreja católica.
As matanças foram organizadas e começaram em 24 de agosto
de 1572, durando vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras
cidades.
Números precisos para as vítimas nunca foram compilados, e
até mesmo nos escritos de historiadores modernos há controvérsia, variando de
20 mil vítimas, segundo um apologista católico até a afirmação de 70 mil por um
apologista huguenote, Duque de Sully, que escapou por pouco da morte.
No
século XVI, o Iluminismo retirou o homem das trevas medievais. A invenção da
imprensa por Gutenberg, na Alemanha, abriu as portas do conhecimento.
A Bíblia foi traduzida e sua leitura se espalhou pela
sociedade, contrariando o interesse da Igreja que pretendia continuar com o
monopólio cultural para manter o seu poder sobre as pessoas.
Pode-se afirmar seguramente que a possibilidade da
transmissão de ideias e conhecimento por meio da tipografia foi um marco
decisório na evolução do pensamento humano.
Com o mundo passando a ler, as relações humanas se
transformaram. A ciência e a tecnologia avançaram vertiginosamente trazendo a
invenção da lâmpada elétrica por Thomas Edison, o surgimento do rádio, do
telefone, a televisão, a descoberta da penicilina.
Entretanto, o bem maior alcançado pelos homens foi a tomada
de consciência de sua humanização, a
percepção de que todo ser humano é igual e que nenhum homem é uma ilha (Hemingway).
Para isso, foi fundamental o papel realizado pela
Literatura, vista no seu contexto de agrupamento literário de todas as obras
escritas com inegável cunho artístico voltado para a representação dos dramas
humanos ou perpetuação dos grandes feitos heroicos, reais ou mitológicos.
A publicação de obras como A Divina Comédia de Dante, Fausto, de Goethe, Dom
Quixote de La Macha, de Cervantes, Guerra
e Paz de Tolstoi, as representações teatrais das obras de Shakespeare e
de tantas outras deram ao homem europeu, uma visão nova do mundo e do ser
humano.
Naquelas obras ele se viu retratado, com suas angústias,
sonhos, vitórias e fracassos. Nos Estados Unidos a chaga da escravidão revelada
no romance A Cabana do Pai Tomás,
de Harriet Beecher Stowe, em 1852 despertou o sentimento abolicionista.
No Brasil, os romances de Graciliano Ramos e Raquel de
Queiroz (Vidas Secas e O Quinze) denunciaram a tragédia
da seca, influenciando milhares de leitores, despertando neles o sentimento
solidário e a possibilidade da critica construtiva.
No livro Grande
Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa, o leitor dedicado descobre a
universalidade a partir do regional, se encantando com o enfoque existencial do
escritor que retrata a natureza humana em toda a sua complexidade.
A consequência deste processo da leitura de bons romances
resultou, evidentemente, em uma visão humanista bem mais agradável e
harmoniosa, levando-nos a acreditar que a paz universal estaria bem perto.
A perspectiva de uma globalização pautada pelo respeito à
adversidade nos surgia cada vez mais palpável e alvissareira
Porém, os fatos modernos apontam, infelizmente, para um retrocesso.
Por falta de leitura - e leitura de bons livros - a
sociedade, pelo menos a brasileira, vem pagando um alto preço pelos benefícios
trazidos pelo progresso.
Nas palavras do escritor peruano Mário Vargas Llosa a Literatura é uma atividade de que se pode
prescindir, um entretenimento, um ornamento que se pode permitir os que dispõem
de muito tempo livre para a recreação, e que seria necessário na categoria dos
esportes, do cinema, do bridge ou do xadrez, mas que pode ser sacrificado sem
escrúpulos no momento de estabelecer uma escala de prioridades nos afazeres e
compromissos indispensáveis da luta pela vida.
(continua na
página 5)
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