Índios brasileiros reconheciam outras
formas
de sexualidade e gênero antes da colonização
Especial para o Humanitas
Francine Oliveira é Mestra em Teoria Literária
e Crítica de
Cultura. Mora em Juiz de Fora-MG
Há pesquisas que revelam que práticas que hoje seriam
chamadas de homossexualidade e expressões de transgeneridade eram
socialmente aceitas entre algumas tribos do território nacional antes da “colonização e
catequização dos índios”.
No livro “Devassos
no Paraíso”, de João Silvério Trevisan, pode-se encontrar evidências na
forma de relatos dos próprios portugueses que chegaram ao Brasil, como o do padre Manuel
da Nóbrega, que comentou que muitos colonos tinham índios como mulheres,
segundo os costumes da terra, em 1549.
Em 1576, o português Pero de
Magalhães de Gândavo revelou que os
índios Tupinaés se entregavam à sodomia “como
se neles não houvera razão de homens”.
Entre os Tupinambás, há relatos tanto de homossexualidade
masculina como feminina e, segundo o Tratado
Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Souza, escrito em 1587,
havia entre os indígenas inclusive os que tinham “tenda pública”, para aqueles que os quisessem “como mulheres”, uma indicação do
que hoje chamaríamos d’e prostituição. Os “tibira” seriam
os índios “gays” e as “çacoaimbeguira”, as
índias “lésbicas.
Apesar dessa
aparente “liberdade sexual”,
havia entre os índios tupinambás uma cultura de superioridade do homem.
Membros da tribo casavam-se apenas com uma mulher, mas
entre os chefes era comum a poligamia, de forma que eles chegavam a esposar até
13 ou 14 mulheres.
Nessa sociedade, a mulher era vista como um objeto, de
acordo com Hans Staden, e ocorria, inclusive, de um homem dar sua esposa de
presente a outro homem quando se cansasse dela.
Entre os Guaicurus e Xamicos, é possível encontrar relatos
sobre os “kudína” ou
cudinhos, homens castrados que passavam a se vestir como mulheres e a executar
tarefas femininas, como a tecelagem.
Eles também se casavam com outros homens e assumiam o papel
sexual das mulheres.
Entre os Kadiwéu, o hábito da pintura corporal é
reconhecido como uma arte feminina.
Os complexos padrões da tribo são pintados pelas mulheres
mais velhas e pelos “kudína”,
homens efeminados que incorporavam todos os atributos da mulher e assumiam
papéis femininos naquela sociedade.
Segundo o antropólogo Luiz Mott, que dedicou grande parte
de sua vida acadêmica a pesquisar relações homoafetivas entre as tribos,
em tempos da Inquisição, foi a maior liberdade sexual e a nudez entre índios e
escravos que possibilitaram aos sodomitas europeus espaço privilegiado na
colônia para suas práticas homoeróticas. É importante notar como a
diversidade sexual e de gênero já estava presente em múltiplos territórios pelo
mundo, o que sugere como o
pensamento europeu cristão foi responsável pela imposição de uma moral que não
tem relação alguma com “naturalidade”.
À medida que a catequização ocorria no Brasil, essas
práticas foram sendo abolidas e condenadas por membros das próprias tribos que
aos poucos aprendiam sobre essa ideia construída de “pecado”. Portanto, não é tão errado assim afirmar que os
primeiros indícios de “homofobia” podem ter chegado ao Brasil
junto com a colonização, em 1500.
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