De volta à barbárie
Especial para o
Humanitas
Valdeci
Ferraz é advogado, escritor e colaborador deste Humanitas. Mora no
Recife/PE
(continuação da página 4)
Não podemos negar que a tecnologia transformou o mundo,
facilitando as transações comerciais, incrementando o lazer, encurtando as
distâncias e estabelecendo uma mudança considerável nas relações humanas,
entretanto...
Em que pese a especialização do conhecimento em face do
desenvolvimento da ciência e da técnica trazendo inúmeros benefícios, a
incomunicabilidade social decorrente da fragmentação em compartimentos
estanques, determina como consequência negativa a eliminação daqueles
denominadores comuns da cultura graças aos quais os homens e as mulheres podem
coexistir, comunicar-se e sentir-se de algum modo solidários. (A Cultura do Romance, Franco Moretti,
2009, pag. 20).
Noutras palavras, a sociedade moderna tende cada vez mais a
isolar-se em ilhas de conhecimento, cada grupo reivindicando e prolatando suas
verdades como absolutas, num processo de desumanização e volta à barbárie, cujo
exemplo atual pode-se ver no crescimento do terrorismo apoiado por países de
religião Islâmica.
No Brasil atual as consequências desse processo pululam em
diversas áreas da sociedade, sem que as autoridades ou os líderes sociais como
os professores, os intelectuais, os artistas, o povo em geral se dê conta.
Pelo contrário, enveredam por caminhos já contaminados e
acabam se tornando agentes ativos no processo de desumanização do ser, tal como
vemos hoje legisladores ou políticos religiosos querendo obrigar os alunos de
escolas públicas a seguirem determinada religião, esquecendo que a Carta
Brasileira de 1988 consolidou o Laicismo como princípio constitucional.
No sul do país surgem grupos de jovens adeptos do nazismo,
pregando a morte aos negros, homossexuais e nordestinos.
Nas grandes cidades, jovens torcedores de grandes times de
futebol se organizam com ajuda da internet e marcam encontros onde prevalece a
violência e a agressividade.
O homem robotiza-se.
Falamos com dispositivos eletrônicos, o mundo virtual e o
da imagem se sobrepõem no cotidiano, trocamos o contato humano e fraterno pela
frieza da mensagem digitada.
E o mais grave: o brasileiro perdeu, na sua maioria, a
capacidade de avaliar, criticar, perscrutar a verdade, e, consequentemente, a
tudo assiste passivo e conformado, entregando-se nas mãos dos espertos e dos
aproveitadores. Diante do quadro atual inquieta-nos as proféticas palavras de
Mario Vargas Llosa citadas no prefácio do livro A Cultura do Romance.
Discorrendo sobre a importância da leitura de bons romances
para a formação de uma mentalidade sensível, crítica e sensata, e ainda sobre o
fato da falta do hábito da leitura por parte das pessoas, o escritor peruano
faz um alerta: (...) estou convencido de que uma sociedade sem romances, ou
na qual a literatura foi relegada, como certos vícios inconfessáveis, às
margens da vida social e convertida mais ou menos num culto sectário – esta
sociedade está condenada a se barbarizar no plano espiritual e a pôr em risco a
própria liberdade.
De acordo com o escritor Vargas Llosa, que
também é jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de
Literatura de 2010, a literatura é
insubstituível para a formação do cidadão numa sociedade moderna, democrática e
de indivíduos livres, devendo fazer parte da família desde a infância e nas
disciplinas básicas das escolas.
Através dos livros e da leitura deles podemos entrar
em contato com várias culturas diferentes. Descobriremos como nosso povo e os
demais povos se comportam, bem como os motivos pelos quais esses outros povos
agem de forma diferente de nós.
Além disso, conseguimos compreender melhor o outro
quando sabemos a história de vida que o cerca e assim lidamos melhor com quem é
diferente de nós sem ter uma opinião pobre e geral acerca das circunstâncias da
vida.
O homem atual é oco de conhecimento e informação,
desconhece filosofia, sociologia, antropologia e ciências, vivendo na periferia
intelectual e reclamando das depressões e estresse promovidos pela falta de
alimento ao seu espírito.
Livros? Só para ser pé de mesa e alimentar a fogueira de sua ignorância.
Por isso
precisamos ler para aprender mais.
Urgentemente
temos de ir ao encontro de Cervantes, Shakespeare, Goethe, Sartre, Stendhal, Aldous
Huxley, Saramago, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Umberto Eco, Nietzche, Raquel
de Queiroz, Guimarães Rosa, Federico
Garcia Lorca, Clarice Lispector, Karl Marx, Gabriel Garcia Marques,
Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Pablo Neruda, José de Alencar, José Lins do
Rego, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Hemingway, Érico Veríssimo, Carlos
Drummond, Manuel Bandeira, Castro Alves e tantos outros que contribuíram com
seus escritos para o aperfeiçoamento da humanidade.
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