quarta-feira, 28 de setembro de 2016

HUMANITAS Nº 52 – OUTUBRO 2016 – PÁGINA 5

De volta à barbárie
Especial para o Humanitas
Valdeci Ferraz é advogado, escritor e colaborador deste Humanitas. Mora no Recife/PE
(continuação da página 4)

Não podemos negar que a tecnologia transformou o mundo, facilitando as transações comerciais, incrementando o lazer, encurtando as distâncias e estabelecendo uma mudança considerável nas relações humanas, entretanto...
Em que pese a especialização do conhecimento em face do desenvolvimento da ciência e da técnica trazendo inúmeros benefícios, a incomunicabilidade social decorrente da fragmentação em compartimentos estanques, determina como consequência negativa a eliminação daqueles denominadores comuns da cultura graças aos quais os homens e as mulheres podem coexistir, comunicar-se e sentir-se de algum modo solidários. (A Cultura do Romance, Franco Moretti, 2009, pag. 20).
Noutras palavras, a sociedade moderna tende cada vez mais a isolar-se em ilhas de conhecimento, cada grupo reivindicando e prolatando suas verdades como absolutas, num processo de desumanização e volta à barbárie, cujo exemplo atual pode-se ver no crescimento do terrorismo apoiado por países de religião Islâmica.
No Brasil atual as consequências desse processo pululam em diversas áreas da sociedade, sem que as autoridades ou os líderes sociais como os professores, os intelectuais, os artistas, o povo em geral se dê conta.
Pelo contrário, enveredam por caminhos já contaminados e acabam se tornando agentes ativos no processo de desumanização do ser, tal como vemos hoje legisladores ou políticos religiosos querendo obrigar os alunos de escolas públicas a seguirem determinada religião, esquecendo que a Carta Brasileira de 1988 consolidou o Laicismo como princípio constitucional.
No sul do país surgem grupos de jovens adeptos do nazismo, pregando a morte aos negros, homossexuais e nordestinos.
Nas grandes cidades, jovens torcedores de grandes times de futebol se organizam com ajuda da internet e marcam encontros onde prevalece a violência e a agressividade.
O homem robotiza-se.
Falamos com dispositivos eletrônicos, o mundo virtual e o da imagem se sobrepõem no cotidiano, trocamos o contato humano e fraterno pela frieza da mensagem digitada.
E o mais grave: o brasileiro perdeu, na sua maioria, a capacidade de avaliar, criticar, perscrutar a verdade, e, consequentemente, a tudo assiste passivo e conformado, entregando-se nas mãos dos espertos e dos aproveitadores. Diante do quadro atual inquieta-nos as proféticas palavras de Mario Vargas Llosa citadas no prefácio do livro A Cultura do Romance.
Discorrendo sobre a importância da leitura de bons romances para a formação de uma mentalidade sensível, crítica e sensata, e ainda sobre o fato da falta do hábito da leitura por parte das pessoas, o escritor peruano faz um alerta: (...) estou convencido de que uma sociedade sem romances, ou na qual a literatura foi relegada, como certos vícios inconfessáveis, às margens da vida social e convertida mais ou menos num culto sectário – esta sociedade está condenada a se barbarizar no plano espiritual e a pôr em risco a própria liberdade.
De acordo com o escritor Vargas Llosa, que também é jornalista, ensaísta e político peruano, laureado com o Nobel de Literatura de 2010, a literatura é insubstituível para a formação do cidadão numa sociedade moderna, democrática e de indivíduos livres, devendo fazer parte da família desde a infância e nas disciplinas básicas das escolas. 
Através dos livros e da leitura deles podemos entrar em contato com várias culturas diferentes. Descobriremos como nosso povo e os demais povos se comportam, bem como os motivos pelos quais esses outros povos agem de forma diferente de nós.
Além disso, conseguimos compreender melhor o outro quando sabemos a história de vida que o cerca e assim lidamos melhor com quem é diferente de nós sem ter uma opinião pobre e geral acerca das circunstâncias da vida. 
O homem atual é oco de conhecimento e informação, desconhece filosofia, sociologia, antropologia e ciências, vivendo na periferia intelectual e reclamando das depressões e estresse promovidos pela falta de alimento ao seu espírito.
Livros? Só para ser pé de mesa e alimentar a fogueira de sua ignorância. 
Por isso precisamos ler para aprender mais.
Urgentemente temos de ir ao encontro de Cervantes, Shakespeare, Goethe, Sartre, Stendhal, Aldous Huxley, Saramago, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Umberto Eco, Nietzche, Raquel de Queiroz, Guimarães Rosa, Federico  Garcia Lorca, Clarice Lispector, Karl Marx, Gabriel Garcia Marques, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Pablo Neruda, José de Alencar, José Lins do Rego, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Hemingway, Érico Veríssimo, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Castro Alves e tantos outros que contribuíram com seus escritos para o aperfeiçoamento da humanidade.

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