quinta-feira, 30 de março de 2017

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 5

Intervenção militar: sim ou não?
Especial para o Humanitas
(CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 4)

ESTRADAS SOMBRIAS

Ainda de acordo com Agassiz Almeida “a fenomenologia militarista ocorrida no Brasil, em determinado momento histórico, tem ampla extensão e profundidade, desde quando o marechal Hermes da Fonseca esteve na Alemanha,  e o Barão do Rio Branco foi embaixador naquele país por três anos.
O Governo de Afonso Pena usou todo o apoio político e financeiro para a formação e ida de dezenas de oficiais a fim de estagiarem no exército e nas escolas alemães, sobretudo na Real Academia.
Da Alemanha voltavam dominados de intenso entusiasmo pela organização, poderio, técnica e estratégia militares do exército alemão. Em 11 de junho de 1940, o general Góis Monteiro, pronuncia a bordo do encouraçado Minas Gerais, discurso de elogio a Hitler e à sua capacidade de conduzir o grande povo alemão.
Foi com esses seguidores inebriados da doutrina militar alemã que se erigiu o poder nacional lastreado no despotismo de Hermes da Fonseca, Bertoldo Kingler, Leitão de Carvalho, Góis Monteiro, Felinto Müller, Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Orlando Geisel, Garrastazu Médici, Aurélio Lira Tavares, D’Ávila Melo, Justino Alves Bastos, Silvio Frota, entre outros.
Diante desse quadro pergunta-se: que regime e que forma de conduzir o Estado poderia surgir?Militarismo doentio e, posteriormente, o nazimilitarismo (1969-1979). (Agassiz Almeida)
Aqueles que enxovalharam um exército que se engrandeceu ao se tornar guardião da integridade nacional; esteio, artífice e consolidador da República; combatente do oligarquismo rural na Revolução de 30; herói nos campos da Itália na Segunda Guerra Mundial, com os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e tantas outras missões dignas e engrandecedoras, perderam o fio da história.
Enveredaram pelas estradas sombrias e nebulosas do depotismo e do terrorismo político, admitindo a tortura e a morte como armas políticas, e, pior do que o nazismo, negaram aos parentes das vítimas os seus corpos, violando covardemente o direito natural de um ser humano.  
Como diferenciar o espírito militar e a formação militarizada?, pergunta Agassiz Almeida na página 78 de sua obra aqui já citada.
É muito difícil para um formando militar assimilar que a máxima de uma democracia e a coluna que sustenta um estado de direito são as famosas palavras de um político americano: Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.
“Pelo sistema curricular adotado e pela pedagogia direcionada a uma educação espartana, plasmada em rígidas doutrinas castrenses, cujos ensinamentos forjam uma mentalidade dogmatizada e embrutecida, em que a ordem do superior se torna uma sentença, e, daí, garroteia-se a capacidade de formular e pensar do cadete de hoje, como do oficial de amanhã.”
Nas academias militares domina uma atmosfera claustral, diferenciando-se dos mosteiros por tais aspectos: enquanto nos templos religiosos a reza conduz, com a constância das horas, o aprendiz e futuro semeador de fé ao mundo transcendental, nas escolas belicistas o cadete e o oficial fazem do treinamento marcial o relicário de sua formação, acima e muito além da sociedade civil.
  Todos, a toda hora obedecem a um ritual espartano. Até para se deslocarem ao rancho, os cadetes entram em formação e obedecem, sob passos ordinários e cadenciados, às ordens de um superior. Uma vez dentro do refeitório cada um tomará o seu lugar já previamente determinado e ouvirá uma voz: “descansar!”
Millis analisa esta formação rígida nas academias militares:
 É essa tentativa de romper a sensibilidade adquirida a ‘domesticação’ do recruta. Ele perde grande parte de sua identidade anterior e se torna consciente de sua nova personalidade em termos de seu papel como militar. (Millis, Charles Wright. A Elite no Poder, Rio de Janeiro; Zahar, 1975)
Sob esse prisma o que se conclui é que o cadete é isolado do mundo, ou seja, da sociedade civil, e, assim, ele vai identificando-se com uma outra visão e erigindo sua autoconcepção.
Esse aspecto central foi identificado por Eving Goffman, cientista social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense:  
A instituição militar pode ser descrita como barreira que separa esta instituição da sociedade, por estes elementos. Todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Todas as atividades são rigorosamente estabelecidas em horários impostos por um sistema de regras formais explícitas para atender aos objetivos oficiais da instituição.
Quando o jovem ingressa nesses centros de estudos (academias militares ou seminários religiosos), é levado a uma estufa, como experimento natural, para mudar a sua individualidade e fazê-lo compreender o mundo por outra visão, sob o império da fé ou o poder das armas.  
É tão rígido e fechado o corporativismo entre os integrantes das instituições militares que, decorridos mais de 40 anos das monstruosidades perpetradas por ditadores sanguinários, e já agora, cessados os embates ideológicos entre capitalismo e comunismo, mesmo assim paira um silêncio cúmplice de vozes que não falam e de mentes que não acusam, numa solidariedade comprometedora, mesmo por parte dos militares que renegam as atrocidades praticadas por seus camaradas.  
Em 1972 no auge das mortes e torturas nas masmorras militares, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, de São Paulo é recebido pelo ditador Médici, numa tarde morna de Brasília. Descortina-se entre um e outro o permanente choque entre os homens pelos turbilhões dos tempos. A força brutalizada e a fé de um justo. Antes que o cardeal começasse a relatar as mortes e torturas, o ditador pronuncia palavras guturais entre os dentes trincados e uiva: “Vá cuidar, senhor cardeal da sua Igreja, que eu cuido do governo”. (Agassiz Almeida). 
Estas são as razões pelas quais não acredito que a intervenção das Forças Armadas no governo político-administrativo do Brasil seja de bom alvitre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário