Intervenção militar: sim ou não?
Especial para o Humanitas
(CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 4)
ESTRADAS SOMBRIAS
Ainda
de acordo com Agassiz Almeida “a
fenomenologia militarista ocorrida no Brasil, em determinado momento histórico,
tem ampla extensão e profundidade, desde quando o marechal Hermes da Fonseca
esteve na Alemanha, e o Barão do Rio
Branco foi embaixador naquele país por três anos.
O Governo de Afonso Pena usou todo o apoio
político e financeiro para a formação e ida de dezenas de oficiais a fim de
estagiarem no exército e nas escolas alemães, sobretudo na Real Academia.
Da Alemanha voltavam dominados de intenso
entusiasmo pela organização, poderio, técnica e estratégia militares do
exército alemão. Em 11 de junho de 1940, o general Góis Monteiro, pronuncia a
bordo do encouraçado Minas Gerais, discurso de elogio a Hitler e à sua
capacidade de conduzir o grande povo alemão.
Foi com esses seguidores inebriados da
doutrina militar alemã que se erigiu o poder nacional lastreado no despotismo
de Hermes da Fonseca, Bertoldo Kingler, Leitão de Carvalho, Góis Monteiro,
Felinto Müller, Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Orlando Geisel,
Garrastazu Médici, Aurélio Lira Tavares, D’Ávila Melo, Justino Alves Bastos, Silvio
Frota, entre outros.
Diante desse quadro pergunta-se: que regime
e que forma de conduzir o Estado poderia surgir? – Militarismo doentio e, posteriormente, o nazimilitarismo (1969-1979).
(Agassiz Almeida)
Aqueles
que enxovalharam um exército que se engrandeceu ao se tornar guardião da
integridade nacional; esteio, artífice e consolidador da República; combatente
do oligarquismo rural na Revolução de 30; herói nos campos da Itália na Segunda
Guerra Mundial, com os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e
tantas outras missões dignas e engrandecedoras, perderam o fio da história.
Enveredaram
pelas estradas sombrias e nebulosas do depotismo e do terrorismo político,
admitindo a tortura e a morte como armas políticas, e, pior do que o nazismo, negaram
aos parentes das vítimas os seus corpos, violando covardemente o direito
natural de um ser humano.
Como diferenciar o espírito militar e a
formação militarizada?, pergunta Agassiz Almeida na página 78 de sua obra
aqui já citada.
É
muito difícil para um formando militar assimilar que a máxima de uma democracia
e a coluna que sustenta um estado de direito são as famosas palavras de um
político americano: Todo poder emana
do povo e em seu nome deve ser exercido.
“Pelo sistema
curricular adotado e pela pedagogia direcionada a uma educação espartana,
plasmada em rígidas doutrinas castrenses, cujos ensinamentos forjam uma
mentalidade dogmatizada e embrutecida, em que a ordem do superior se torna uma
sentença, e, daí, garroteia-se a capacidade de formular e pensar do cadete de
hoje, como do oficial de amanhã.”
Nas academias militares domina uma atmosfera
claustral, diferenciando-se dos mosteiros por tais aspectos: enquanto nos
templos religiosos a reza conduz, com a constância das horas, o aprendiz e futuro
semeador de fé ao mundo transcendental, nas escolas belicistas o cadete e o
oficial fazem do treinamento marcial o relicário de sua formação, acima e muito
além da sociedade civil.
Todos, a toda hora obedecem a um ritual
espartano. Até para se deslocarem ao rancho, os cadetes entram em formação e
obedecem, sob passos ordinários e cadenciados, às ordens de um superior. Uma
vez dentro do refeitório cada um tomará o seu lugar já previamente determinado
e ouvirá uma voz: “descansar!”
Millis
analisa esta formação rígida nas academias militares:
É essa tentativa de romper a sensibilidade adquirida
a ‘domesticação’ do recruta.
Ele perde grande parte de sua identidade anterior e se torna consciente de sua
nova personalidade em termos de seu papel como militar. (Millis, Charles Wright. A Elite no Poder,
Rio de Janeiro; Zahar, 1975)
Sob
esse prisma o que se conclui é que o cadete é isolado do mundo, ou seja, da
sociedade civil, e, assim, ele vai identificando-se com uma outra visão e
erigindo sua autoconcepção.
Esse
aspecto central foi identificado por Eving Goffman, cientista
social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense:
A instituição militar pode ser descrita como
barreira que separa esta instituição da sociedade, por estes elementos. Todos
os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade.
Todas as atividades são rigorosamente estabelecidas em horários impostos por um
sistema de regras formais explícitas para atender aos objetivos oficiais da
instituição.
Quando o jovem ingressa nesses centros de
estudos (academias militares ou seminários religiosos), é levado a uma estufa,
como experimento natural, para mudar a sua individualidade e fazê-lo
compreender o mundo por outra visão, sob o império da fé ou o poder das armas.
É
tão rígido e fechado o corporativismo entre os integrantes das instituições
militares que, decorridos mais de 40 anos das monstruosidades perpetradas por
ditadores sanguinários, e já agora, cessados os embates ideológicos entre
capitalismo e comunismo, mesmo assim paira um silêncio cúmplice de vozes que
não falam e de mentes que não acusam, numa solidariedade comprometedora, mesmo
por parte dos militares que renegam as atrocidades praticadas por seus
camaradas.
Em 1972 no auge das mortes e torturas nas
masmorras militares, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, de São Paulo é recebido
pelo ditador Médici, numa tarde morna de Brasília. Descortina-se entre um e
outro o permanente choque entre os homens pelos turbilhões dos tempos. A força
brutalizada e a fé de um justo. Antes que o cardeal começasse a relatar as
mortes e torturas, o ditador pronuncia palavras guturais entre os dentes
trincados e uiva: “Vá cuidar,
senhor cardeal da sua Igreja, que eu cuido do governo”. (Agassiz
Almeida).
Estas são as razões pelas quais não acredito que a
intervenção das Forças Armadas no governo político-administrativo do Brasil
seja de bom alvitre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário