quinta-feira, 30 de março de 2017

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 6

O que é a semana santa?
Texto de Ivani Medina, artista plástico e pesquisador autodidata. Mora no Rio de Janeiro/RJ

Oficialmente, a semana santa é a celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Mas qual seria a explicação para sua origem real e motivacional? A semana santa funciona como um abanador que mantém vivo o fogo das brasas da crença cristã.
Crenças não dialogam com a razão. Estão voltadas diretamente ao emocional, para as necessidades inconscientes do indivíduo, para a qual outro tipo de linguagem há de ser dirigida. Para tanto, é preciso que a paixão de Cristo arda como uma fogueira. No crepitar dos sentimentos fortes, sob o calor intenso de planejada emoção, os olhos instintivamente se fecham à realidade.
Por um período mais longo do que as comemorações religiosas que pontuam o ano inteiro, a dura realidade da vida pessoal vai para segundo plano e dá lugar a um intenso sentimento coletivo que mistura uma dor maior (a dor do deus salvador), gratidão (pela salvação dos pecados) e esperança (numa feliz vida eterna). Daí a importância de se reviver a “história sagrada” em meio à multidão. Evidentemente, não foi o cristianismo que inventou essa técnica para a perpetuação da sua crença. Inventou outra coisa. O fato é que isso existe desde muito antes da propagação do monoteísmo judaico.
Sempre que recuamos no tempo na observação desse assunto, nos deparamos com outra história mais cabeluda ainda.
Uma história de poucas abstrações, sem apelo a espiritualidade, na qual, como no jogo do bicho: “vale o que está escrito”.
O acadêmico judeu e teólogo, Richard Elliot Friedman, titular de hebraico e literatura comparada, ocupante da Katzin Chair na Universidade da Califórnia, diz:
“Deus desaparece na Bíblia. Leitores religiosos e não-religiosos por certo irão achar tal afirmação surpreendente e intrigante, cada qual por suas próprias razões. Confesso, de minha parte, que a acho estarrecedora. A Bíblia se inicia, como todo mundo sabe, num mundo em que Deus está ativamente e visívelmente envolvido, mas não é assim que termina”. (FRIEDMAN, 1977, p. 19, O Desaparecimento de Deus: um mistério divino, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1997.)
Durante a Idade Média, para proteger o judeu medievo do assédio cristão, um filósofo judeu, chamado Moisés de Leon, no século XIII, desenvolveu um novo guia de interpretação da Torah, mais abstrato, místico ou espiritual e muitíssimo inteligente - o Zohar. Atualmente, o judaísmo se entende assim, distanciado da antiga realidade literal mesopotâmica.
Claro que os judeus ortodoxos não aceitam a existência desse momento de transformação, pois para eles, segundo a tradição, o primeiro cabalista foi Abraão e tudo sempre foi assim, como é entendido hoje.
É bom registrar também que essa onda de “espiritualidade”, igualmente envolveu outras crenças religiosas no período medieval, e não somente o judaísmo.
Segundo um dos mais conhecidos estudiosos de religião, Mircea Eliade em O Sagrado e o Profano; tradução Rogério Fernandes - São Paulo: Martins Fontes, 1992 (Versão digital), “Participar religiosamente de uma festa implica a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no Tempo mítico. Por consequência, o Tempo sagrado é indefinidamente recuperável, indefinidamente repetível. De certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que o Tempo sagrado não “flui”, não constitui uma “duração” irreversível (qual o tempo histórico)”. (ELIADE, 1992, p. 38)
Cristo estaria bem mais seguro no tempo mítico. Como bem disse Tom Harpur em O Cristo dos Pagãos: a sabedoria antiga e o significado espiritual da Biblia e da história de Jesus. São Paulo - Pensamento, 2008.
"O mito é um meio de expressar a estrutura essencial ou o significado oculto de toda história. Analisando os mitos gregos mais conhecidos, por exemplo, você verá que cada um carrega em si uma verdade profunda da condição humana que continua eterna muito embora o acontecimento nunca tenha se realizado." (HARPUR, 2008).
O cristianismo mais parece um antídoto religioso, cuja criação se deve à crescente propagação do judaísmo nos primeiros séculos. Setores influentes da sociedade greco-romana não aceitavam isso.
A Semana Santa revive na ficção um drama nada parecido com esse que muito se conhece. Este é assunto proibido que não aparece nas escrituras. Se pesquisar religião fosse estudar as escrituras, discorrer sobre a vida do Walt Disney seria versar-se no Pato Donald.

Nenhum comentário:

Postar um comentário