quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 4

Umoja: a vila no Quênia onde

não se permite a presença de homens

Francine Oliveira - articulista deste Humanitas - é Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Atua em São João del Rei/MG

Localizada no norte do Quênia, a vila Umoja (que significa "unidade" na língua Swahili), foi fundada em 1990 por Rebecca Lolosoli, com o objetivo de ser um refúgio para mulheres que são vítimas de violência na região de Samburu, onde ainda ocorrem a mutilação genital e os casamentos forçados. 
O desenvolvimento da vila, na qual até hoje os homens são proibidos de viver, tem inspirado o surgimento de outras pequenas comunidades matriarcais que se opõem à tradição de subordinação e violência contra as mulheres quenianas. 
Lolosoli fundou Umoja juntamente com outras mulheres que haviam sofrido por conta da violência - as casas e cercas foram construídas por elas e são ainda as habitantes responsáveis por todo o trabalho de construção e manutenção do local.
Quando era criança, Lolosoli viu muitos atos de violência e com frequência se manifestava contra essa cultura de abuso à qual as mulheres são submetidas, o que certamente desagradava aos locais.
Ao ficar sabendo que soldados britânicos que treinavam na região estavam cometendo estupros, ela decidiu falar sobre isso na tentativa de ajudar as vítimas, o que a levou a ser espancada por um grupo de homens da vizinhança - e seu marido nada fez para protegê-la.
A vila - que começou como um abrigo - tornou-se um exemplo de comunidade matriarcal bem-sucedida. Uma vez que a área é seca, as habitantes procuram não depender apenas da criação de gado para sua subsistência, ganhando dinheiro também com a venda de seus adornos tradicionais, feitos de miçangas, e abrindo a vila para a visitação de turistas - por causa da internet, a história de Umoja se espalhou por todo o Mundo, atraindo viajantes.
Até hoje, o empreendimento desagrada a muitos homens da cultura Samburu, fazendo com que as mulheres tenham de se manter sempre em guarda, também para se proteger de maridos abandonados e com raiva que ocasionalmente aparecem - a própria vila é cercada por arame farpado e há um revezamento para vigiar o local dia e noite.
Segundo Lolosoli, no início, quando começaram a ir às estradas para chamar a atenção dos turistas para que comprassem suas joias, alguns homens as espancaram e roubaram seu dinheiro. 
A perseverança levou à independência financeira e as mulheres conseguiram construir uma escola que recebe também crianças de vilas próximas, além dos filhos das habitantes de Umoja.
Apesar de nenhum homem adulto ter permissão para viver no local, as mulheres podem manter relacionamentos, desde que seus parceiros concordem em se submeter às regras matriarcais.
As mulheres mais velhas ainda vão a outras comunidades para conversar sobre o casamento infantil e circuncisão feminina com as mais jovens.
Tudo isso para conscientizá-las e espalhar suas mensagens sobre o desejo de igualdade entre os gêneros. 
Seguindo o exemplo de Umoja, outras vilas matriarcais surgiram, como a Nachami, onde as mulheres ainda vivem com seus maridos, contudo, devido à pobreza, decidiram por adotar um novo sistema social por iniciativa das esposas.
O estabelecimento dessas pequenas comunidades nos faz pensar sobre como as tradições podem ser modificadas por iniciativa dos próprios membros de uma sociedade que estejam infelizes com sua posição.
A extrema violência que vitima mulheres em grande parte do continente africano, por vezes, é mantida sob a justificativa das tradições milenares, mas isso não significa que os costumes não possam ser mudados - sendo possível, em certos casos, até mesmo manter grande parte das crenças a guiar um povo.

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