Umoja: a vila no Quênia onde
não se permite a presença de homens
Francine Oliveira - articulista
deste Humanitas - é Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Atua em São
João del Rei/MG
Localizada no norte do Quênia, a vila
Umoja (que significa "unidade"
na língua Swahili), foi fundada em 1990 por Rebecca Lolosoli, com o
objetivo de ser um refúgio para mulheres que são vítimas de violência na
região de Samburu, onde ainda ocorrem a mutilação genital e
os casamentos forçados.
O
desenvolvimento da vila, na qual até hoje os homens são proibidos de viver, tem
inspirado o surgimento de outras pequenas comunidades matriarcais que se opõem
à tradição de subordinação e violência contra as mulheres quenianas.
Lolosoli
fundou Umoja juntamente com outras mulheres que haviam sofrido por conta
da violência - as casas e cercas foram construídas por elas e são ainda as
habitantes responsáveis por todo o trabalho de construção e manutenção do
local.
Quando
era criança, Lolosoli viu muitos atos de violência e com
frequência se manifestava contra essa cultura de abuso à qual as mulheres
são submetidas, o que certamente desagradava aos locais.
Ao
ficar sabendo que soldados britânicos que treinavam na região estavam cometendo
estupros, ela decidiu falar sobre isso na tentativa de ajudar as vítimas, o que
a levou a ser espancada por um grupo de homens da vizinhança - e seu marido
nada fez para protegê-la.
A
vila - que começou como um abrigo - tornou-se um exemplo de comunidade
matriarcal bem-sucedida. Uma vez que a área é seca, as habitantes procuram não
depender apenas da criação de gado para sua subsistência, ganhando dinheiro
também com a venda de seus adornos tradicionais, feitos de miçangas, e abrindo
a vila para a visitação de turistas - por causa da internet, a história de
Umoja se espalhou por todo o Mundo,
atraindo viajantes.
Até
hoje, o empreendimento desagrada a muitos homens da cultura Samburu, fazendo
com que as mulheres tenham de se manter sempre em guarda, também para se
proteger de maridos abandonados e com raiva que ocasionalmente aparecem - a própria
vila é cercada por arame farpado e há um revezamento para vigiar o local dia e
noite.
Segundo
Lolosoli, no início, quando começaram a ir às estradas para chamar a atenção
dos turistas para que comprassem suas joias, alguns homens as espancaram e roubaram
seu dinheiro.
A
perseverança levou à independência financeira e as mulheres conseguiram
construir uma escola que recebe também crianças de vilas próximas, além dos
filhos das habitantes de Umoja.
Apesar
de nenhum homem adulto ter permissão para viver no local, as mulheres podem
manter relacionamentos, desde que seus parceiros concordem em se submeter às
regras matriarcais.
As
mulheres mais velhas ainda vão a outras comunidades para conversar sobre o
casamento infantil e circuncisão feminina com as mais jovens.
Tudo
isso para conscientizá-las e espalhar suas mensagens sobre o desejo de
igualdade entre os gêneros.
Seguindo
o exemplo de Umoja, outras vilas matriarcais surgiram, como a Nachami, onde as
mulheres ainda vivem com seus maridos, contudo, devido à pobreza, decidiram por
adotar um novo sistema social por iniciativa das esposas.
O
estabelecimento dessas pequenas comunidades nos faz pensar sobre como as
tradições podem ser modificadas por iniciativa dos próprios membros de uma
sociedade que estejam infelizes com sua posição.
A extrema violência que vitima mulheres
em grande parte do continente africano, por vezes, é
mantida sob a justificativa das tradições milenares, mas isso não significa que
os costumes não possam ser mudados - sendo possível, em certos casos, até mesmo
manter grande parte das crenças a guiar um povo.
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