domingo, 29 de abril de 2018

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 8

O BOTECO COMO UM DIVÃ DE ANALISTA
Rafael Rocha é jornalista e editor-geral deste Humanitas. Atua no Recife/PE

Mês de maio. Mês do botequim. Parabéns para todos os que bebem nesses templos. A vida está complicada demais e o boteco serve como um local de expiação dos pecados e dos recalques.
Serve como válvula de escape. Os amigos estão lá, esperando. Eles serão os nossos analistas e psicólogos.
Sendo mais sincero ainda, eles também não sabem o que fazer porque tal e qual os demais estão a expiar seus problemas íntimos bebendo cerveja, dando arrotos, bebendo cachaça e brindando a qualquer coisa que possa lhes mostrar que estão vivos.
O fato é que estamos todos a beber demais. Homens e mulheres irmanados na busca de algum fato que faça com que todos possam fugir do lugar comum.
Fato raro mesmo é a sobriedade.
O boteco é o lugar mais conveniente para falar de coisas que não podem ser ditas em casa. Nele, os frequentadores podem malhar a vontade a vida alheia, pois Baco sempre irá perdoar isso.
Nele, podemos ser analistas políticos, analistas esportivos, analistas educacionais, músicos, cantores, poetas.
Não importa por qual partido político alguém tenha simpatia.
Não importa por qual time de futebol se torça.
Não importa a falta de ritmo musical.
O boteco é um espaço único onde se apresenta a sabedoria política e esportiva de cada um, a arte humana de cada um, a educação de cada um.
É um espaço democrático, ainda que a grande sucessão de fatos negativos acontecendo em nosso país provoque reações das mais primitivas em alguns dos seus frequentadores, embotando seus argumentos e juízos.
A internet e as redes sociais disseminam as notícias de segundo a segundo e até no boteco essa velocidade atropela as análises mais legítimas, ainda que elas nada mudem. Apenas satisfazem aos que participam da conversa ou discussão como se todos estivessem em um tribunal inquisitorial.
No caso das mulheres que frequentam o espaço, elas não suportam muito as digressões e conspirações dos homens.
Claro que elas entendem a gravidade da conjuntura nacional política, educacional, de segurança pública, até mesmo de futebol, mas nunca a necessidade masculina de comentar, analisar e apresentar soluções que jamais serão as soluções delas.
Mas, deixa pra lá! A realidade nua e crua é que no boteco temos, assistimos e participamos de uma novela surreal, com muita intriga, muitos gritos, muita música, muita cerveja, muita cachaça, muitos bêbados e pouquíssimo sexo.

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