quarta-feira, 12 de junho de 2019

HUMANITAS Nº 84 - JUNHO 2019 - PÁGINA 6

O cérebro pode mentir para seu dono
Décio Schroeter colaborador deste  Humanitas é escritor. Atua em Porto Alegre/RS

É fato. Sim, mentir. Descartar informações, manipular raciocínios e até inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível simplificar a realidade e reduzir drasticamente o nível de processamento exigido dos neurônios.
O cérebro humano é muito bom em construir modelos. Quando estamos dormindo, isso se chama sonhar; quando estamos acordados, chamamos de imaginação, ou, quando é real demais, de alucinação. Quando dizemos que o ser humano constrói seu mundo, queremos dizer: ele constrói seu céu e seu inferno, seus deuses e seus demônios, sua ordem e seu caos.
O homem se constrói a si próprio para em seguida também se autodestruir. O ser humano, simultaneamente, por sua conta e risco, tem criado seu mundo interior e seu mundo exterior. A ciência se esforça para mostrar que estamos menos no comando do que poderíamos supor. Hoje já sabemos que o cérebro pode mentir para seu dono e inventar coisas para iludi-lo.
“São efeitos colaterais do funcionamento normal do cérebro”, diz a neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzana Herculano-Houzel,.
Pareidolia - Não adianta você perguntar a um crente fundamentalista o que é pareidolia, porque 99% deles não saberão responder. E se você tentar explicar, eles não vão aceitar a explicação.
A pareidolia ocorre quando certa confusão mental no cérebro tenta associar imagens sem significados e de difícil identificação com outra conhecida que parece fazer sentido.
Assim, o que se vê na imagem, depois desse processo, não é o que realmente é, mas sim o que nós fazemos o nosso cérebro pensar que é. Sim, nós temos culpa, porque influímos no processo.
A pareidolia é um tipo de ilusão ou percepção equivocada, em que um estímulo vago ou obscuro é percebido como algo claro e distinto. Por exemplo, mensagens de Alá num tomate (“Há apenas um Deus”), melancia, conchas, numa casca de ovo (escrito: “La ilaha illallah”, que significa “Não há Deus senão Deus”) ou quando alguém vê o rosto de Jesus Cristo nas descolorações de uma torradinha de pão queimada.
A pareidolia é um fenômeno psicológico que envolve um estímulo vago e aleatório, geralmente uma imagem ou som, percebido como algo distinto e com significado. É comum ver imagens que parecem ter significado em nuvens, montanhas, solos rochosos, florestas, líquidos, janelas embaçadas e outros tantos objetos e lugares”.
“Ela também acontece com sons, sendo comum em músicas tocadas ao contrário, como se dissessem algo. A palavra pareidolia vem do grego para, que é junto de ou ao lado de, e eidolon, imagem, figura ou forma”. (Fonte - Wikipédia).
“Assim, para um crente ou mesmo um fiel católico que tem Cristo 24 horas por dia na cabeça (até quando dorme) não é difícil enxergar a imagem dele em paredes mofadas, cascas de árvore, janelas, sanduíches, torradas, pedras, nuvens etc”.
“Os católicos, além de Cristo, costumam enxergar muito as chamadas “Nossas Senhoras”, e outros santos católicos. O que é pior: publicam essas imagens como se fossem milagres e provas da existência de Deus, Cristo e todo um exército de santos. Esquecem-se eles, porém, que a pareidolia se dá com todos os tipos de imagens, não necessariamente religiosas”. (Fonte - Ivo S. G. Reis –http://irreligiosos.ning.com).
Se você teve uma experiência tipo ver ou falar com Jesus, Maria ou Maomé pode ser que acredite firmemente que ela foi real. Mas não espere que o resto de nós acredite, especialmente se tivermos uma familiaridade mínima com o cérebro e seus feitos incríveis.
Nossas mentes possuem uma predisposição natural para a transcendência e o cérebro possui um mecanismo chamado de recompensa.
São grupos de neurônios situados em certas regiões como o septo, que fica bem no centro do cérebro.
Toda vez que fazemos algo física ou mentalmente agradável, qualquer coisa mesmo, esses neurônios causam a liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer.
As demais áreas do cérebro são inundadas pela dopamina, inclusive aquelas que manejam o autocontrole e as emoções.
Você sente prazer.
E tem vontade de sentir de novo e de novo.
E assim o sistema tem uma influência gigantesca sobre nossas ações e decisões.
Drogas, açúcar, sexo, crenças religiosas, também têm o poder de atuar nessas áreas e podem se tornar viciantes.
O sistema de recompensa foi descoberto nos anos 1950 pelos psicólogos James Olds e Peter Milner, no Canadá.
Todos nós buscamos momentos de “êxtase” nos arquétipos, nos quais “ficamos de fora” do nosso eu.
Se não encontrarmos isso no sobrenatural e na religião, vemos essa sensação na arte, na música, no cinema, na natureza, nos esportes.
O francês Pascal Boyer, utilizando conceitos da psicologia evolutiva, autor do livro Religion Explained (Religião Explicada), pretende provar que:
“As pessoas têm crenças religiosas, porque outros indivíduos de seu convívio as tiveram antes e as passaram adiante. Existe, uma predisposição de nosso cérebro a aceitar algumas dessas ideias”.
O mundo precisa de conhecimento, de gentileza e coragem, de corações e de cérebros francos, livres do medo.
E não é mediante imposturas e sistemas rígidos, ignorantes e de fanáticos, que isso pode ser conseguido no futuro.



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