quarta-feira, 12 de junho de 2019

HUMANITAS Nº 84 - JUNHO DE 2019 - PÁGINA 7

Perdendo o medo de se avaliar
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG


Tarde de verão!
Um sol quentíssimo se adentrava pelos vitrais abertos da sala de aula e eu ali, adolescendo e ouvindo as palavras do professor, insistindo na necessidade de “assumir nosso erro quando o cometemos” para nos corrigirmos.
Não resisti.
O sol lá fora me “queimava por dentro” num convite irresistível às delícias do ar livre.
Resolvi ousar e mostrar meu  lado revolucionário, interrompendo o professor com um desafio:
- Sabe professor? Acho que a gente complica muito a vida! Se o problema consiste apenas em se arrepender, melhor então viver a vida “à larga” e no último momento, na hora da morte, se arrepender e pronto...
Como esquecer aquela expressão “transcendental” com que o velho professor me fitou?
Como esquecer aqueles minutos, que antecederam à sua resposta?
Como esquecer a face angustiada e ansiosa para que eu entendesse, quando ele me respondeu lentamente: “- é minha filha... Se houver tempo para uma mudança. Pois arrepender-se não é dizer-se arrependido... É mudar de direção! E nem sempre há tempo! Nem sempre a vida nos dá esse tempo”.
Tantos anos se passaram e ainda mergulho naquela face, que me ensinou a maior lição sobre o que significa evoluir.
Hoje consigo traduzir com clareza o que ele quis dizer. Sei que quando o velho professor me falava de “tempo para se arrepender” não me falava de tempo cronológico. Falava-me de “tempo para não deixar o erro sedimentar-se”.
Se me acostumo muito a algo que deveria rever, corro o riso de ser incapaz de me corrigir. Pois retroceder num caminho que me prejudica é processo exclusivamente “meu”.
Não devo isto a ninguém, que não seja a mim mesmo. Minha vida me pertence e minha capacidade de me auto-avaliar será o condão do meu “renascer para nova vida”.
Quando vejo campanhas, por exemplo, contra o uso de drogas, penso que este deve ser o cerne da questão levantada: “o que é que você, usuário, está fazendo contra si mesmo?”
Assim é a dificuldade de se auto-avaliar, em qualquer desempenho de âmbito profissional ou pessoal. A resistência à auto-avaliação vai reforçando o vício do erro.
E o “tempo” de se rever vai se esgotando. Até que não tenhamos mais forças para enfrentar uma nova direção. 
Insistir que “não há problema a ser resolvido” é fugir da realidade. E fugir da realidade é sempre mais fácil do que enfrentá-la! Mas a realidade é como um trator incontrolável: massacra-nos quando a ignoramos.
Podemos insistir em nossos erros por orgulho; por necessidade de auto-afirmação; porque queremos mostrar “ao outro” que temos razão.
O outro... Sempre o outro!
E eu? O que vou fazer comigo mesmo?
O que sei de mim e do quanto estou me destruindo, na saga de me afirmar custe-me o que me custar?
É muito sério este “custe-me o que me custar!”
Às vezes significa o custo de minha qualidade de vida; quando não a própria vida.
Neste tempo de resistência vou me destruindo, recusando-me a rever o que seria necessário, em detrimento de minha reconstrução, minha  evolução, enfim, minha qualidade de ser enquanto aqui estou. 
Meu velho professor deixou-me uma lição inestimável, que repasso agora com a humildade de assumir, que por  várias vezes precisei relembrá-la, para também me corrigir.
Hoje sei qual o “tempo” que não posso perder: o tempo de me auto-avaliar...
Sem medos. E mudar de direção quando necessário.
Todos os dias da vida  precisamos rever nossas ações.
Não para nos culparmos, mas para nos darmos o direito à busca de novos caminhos e ao alcance da felicidade de viver...


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Adaptação da obra “A Coragem e a Delícia de Recomeçar” Direitos Autorais Biblioteca Nacional nº 390.002/Leandro, Ana M F/2005.

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