Perdendo o medo de se avaliar
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora
do Humanitas - é escritora e
jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG
Tarde de verão!
Um sol quentíssimo se adentrava pelos
vitrais abertos da sala de aula e eu ali, adolescendo e ouvindo as palavras do
professor, insistindo na necessidade de “assumir
nosso erro quando o cometemos” para nos corrigirmos.
Não resisti.
O sol lá fora me “queimava por dentro” num convite irresistível às delícias do ar
livre.
Resolvi ousar e mostrar meu lado
revolucionário, interrompendo o professor com um desafio:
- Sabe professor? Acho que a gente complica
muito a vida! Se o problema consiste apenas em se arrepender, melhor então
viver a vida “à larga” e no último
momento, na hora da morte, se arrepender e pronto...
Como esquecer aquela expressão “transcendental” com que o velho
professor me fitou?
Como esquecer aqueles minutos, que
antecederam à sua resposta?
Como esquecer a face angustiada e ansiosa
para que eu entendesse, quando ele me respondeu lentamente: “- é minha filha... Se houver tempo para uma
mudança. Pois arrepender-se não é dizer-se arrependido... É mudar de direção! E
nem sempre há tempo! Nem sempre a vida nos dá esse tempo”.
Tantos anos se passaram e ainda mergulho
naquela face, que me ensinou a maior lição sobre o que significa evoluir.
Hoje consigo traduzir com clareza o que ele
quis dizer. Sei que quando o velho professor me falava de “tempo para se arrepender” não me falava de tempo cronológico.
Falava-me de “tempo para não deixar o
erro sedimentar-se”.
Se me acostumo muito a algo que deveria
rever, corro o riso de ser incapaz de me corrigir. Pois retroceder num caminho
que me prejudica é processo exclusivamente “meu”.
Não devo isto a ninguém, que não seja a mim
mesmo. Minha vida me pertence e minha capacidade de me auto-avaliar será o
condão do meu “renascer para nova vida”.
Quando vejo campanhas, por exemplo, contra
o uso de drogas, penso que este deve ser o cerne da questão levantada: “o que é que você, usuário, está fazendo
contra si mesmo?”
Assim é a dificuldade de se auto-avaliar,
em qualquer desempenho de âmbito profissional ou pessoal. A resistência à
auto-avaliação vai reforçando o vício do erro.
E o “tempo”
de se rever vai se esgotando. Até que não tenhamos mais forças para
enfrentar uma nova direção.
Insistir que “não há problema a ser resolvido” é fugir da realidade. E fugir da
realidade é sempre mais fácil do que enfrentá-la! Mas a realidade é como um
trator incontrolável: massacra-nos quando a ignoramos.
Podemos insistir em nossos erros por
orgulho; por necessidade de auto-afirmação; porque queremos mostrar “ao outro” que temos razão.
O outro... Sempre o outro!
E eu? O que vou fazer comigo mesmo?
O que sei de mim e do quanto estou me
destruindo, na saga de me afirmar custe-me o que me custar?
É muito sério este “custe-me o que me custar!”
Às vezes significa o custo de minha
qualidade de vida; quando não a própria vida.
Neste tempo de resistência vou me
destruindo, recusando-me a rever o que seria necessário, em detrimento de minha
reconstrução, minha evolução, enfim, minha qualidade de ser enquanto aqui
estou.
Meu velho professor deixou-me uma lição
inestimável, que repasso agora com a humildade de assumir, que por várias
vezes precisei relembrá-la, para também me corrigir.
Hoje sei qual o “tempo” que não posso perder: o tempo de me auto-avaliar...
Sem medos. E mudar de direção quando
necessário.
Todos os dias da vida precisamos rever nossas ações.
Não para nos culparmos, mas para nos darmos o direito à busca de novos
caminhos e ao alcance da felicidade de viver...
.........................
Adaptação da obra “A Coragem e a Delícia de
Recomeçar” Direitos Autorais Biblioteca Nacional nº 390.002/Leandro, Ana M
F/2005.
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