quarta-feira, 12 de junho de 2019

HUMANITAS Nº 84 - JUNHO 2019 - PÁGINA 5

Pessimismo e realidade (Parte 1)
Divina Scarpim colaboradora deste Humanitas é professora e escritora. Atua em São Paulo/SP

“O mundo é um lugar horrível”, declarou Donald John Trump, presidente dos EUA, em seu livro Think Big. “Os leões matam por comida, mas as pessoas matam por esporte”.
E mais: “A mesma ganância ardente que faz as pessoas saquearem, matarem e roubarem em situações de emergência - como incêndios e enchentes - opera diariamente nas pessoas comuns”.
E ainda: Ela se esconde debaixo da superfície e, quando você menos espera, levanta sua cabeça tenebrosa e morde você. Aceite. O mundo é um lugar brutal. As pessoas vão aniquilar você por pura diversão ou para se exibir para os amigos”.
Nunca vou elogiar Donald Trump porque ele é e representa o oposto do que defendo como ética, decência e tudo que vejo como positivo no que se poderia nomear como humanidade.
No entanto, lendo o livro A Morte da Verdade, de Michiko Kakutani, crítica literária norte-americana, ex-crítica literária chefe do The New York Times. na página 191, trombei com o trecho acima e sou obrigada a dizer que me parece muito correto.
O mundo é, sim, um lugar horrível, e as pessoas matam por esporte, discriminam, subjugam e humilham outras pessoas usando os argumentos mais esdrúxulos, contraditórios, falsos e absurdos para “justificar” todo o mal que praticam.
O problema com Donald Trump é que escolheu se tornar aquele ser em lugar de combatê-lo, e o problema com todos os seus apoiadores, admiradores, aliados e defensores é que fizeram a mesma escolha.
A maioria das pessoas que admiram, defendem e invejam os predadores mais poderosos se comportam, nos níveis a que têm acesso, como esse ser humano que Donald Trump descreveu tão bem.
E quando um deles consegue algum poder real, como o governo de um país, o mundo se torna um lugar ainda mais horrível.
Essa é a história da humanidade.
Sei que falar em “as pessoas” para destacar as falhas do animal humano pode parecer que estou generalizando e dizendo que todas as pessoas se enquadram nessa classificação de predador abominável, mas sei muito bem que não é assim.
Estou lendo também o livro Sapiens – Uma breve história da humanidade, do historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari.
Na página 26 ele diz que “a tolerância não é uma marca registrada dos Sapiens. Nos tempos modernos, uma pequena diferença em cor de pele, dialeto ou religião tem sido suficiente para levar um grupo de Sapiens a tentar exterminar outro grupo. Os Sapiens antigos teriam sido mais tolerantes para com uma espécie humana totalmente diferente?”.
Ou seja, nós, como animais, não somos tolerantes.
Adotamos o assassinato e o extermínio corriqueiramente em nossa história, possivelmente desde a época em que éramos caçadores coletores.
No mínimo, ajudamos a exterminar os outros Sapiens que dividiram o planeta conosco naquele período.
Isso não quer dizer que não podemos, como indivíduos e como grupos, usar a mesma inteligência que nos distingue – da qual temos nos orgulhado tanto a ponto de, por causa dela, nos julgarmos superiores e mais “evoluídos” do que os outros animais – para chegarmos à conclusão de que não somos superiores aos outros seres humanos, não somos os donos e senhores do planeta com direito à exploração irrestrita da vida que ele contém e podemos e devemos respeitar o outro, seja humano seja animal, e não causar dano ou nos omitirmos diante do sofrimento de outro ser vivo.
Podemos sim e muitos de nós, em vários níveis e de várias formas fazemos isso.
Pertencemos a uma raça animal violenta, danosa e letal, mas alguns de nós nos recusamos a agir de tal forma, e são essas pessoas que tornam possível, depois de tudo, ainda ter alguma esperança na humanidade.





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