quarta-feira, 31 de julho de 2019

HUMANITAS Nº 86 - AGOSTO DE 2019 - PÁGINA 5

O DESPERTAR DA ÁFRICA II
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

As expedições mencionadas no artigo anterior abriram o caminho para a colonização de fato. Chegamos ao século XIX com os interesses econômicos e políticos das potências europeias disputando ferozmente cada palmo de terra africana.
O Reino Unido conseguiu estabelecer-se em uma faixa quase contínua deste o Egito até a África do Sul; a França com algumas colônias na linha equatorial, no Congo (Brazzavile) e na ilha de Madagastar; Portugal firmemente estabelecido em Guiné-Bissau, nas ilhas de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique; Alemanha no Togo, Tanganica e Camarões; Bélgica no Congo (belga); a Itália na Líbia, Etiópia e Somália; Espanha em parte do Marrocos, Saara Ocidental e no Golfo de Guiné.
Na Conferência de Berlim de 1884-1885 a partilha da África se consumou formalmente, na qual se firmou o princípio da ocupação efetiva como forma legitimadora da posse das colônias. A política colonial, como não podia deixar de ser, afetou ou destruiu completamente as estruturas econômica, sociais e tribais da África Negra.
Sendo que o mais grave dessa ocupação territorial foi a divisão de tribos (entre si), uma vez que a ocupação visava a posse das riquezas, em particular, minerais, ignorando os costumes dos povos, que viviam na região.
Pior: com esse tipo de colonização, ocorria de um país ocupar um importante rio, onde, muitas vezes, em cada uma das margens viviam povos que guerreavam secularmente, os quais, de uma hora para outra, viram-se “unidos” sob uma mesma organização política que impunha uma política de pax manu militari.
Precária, como toda paz desse tipo.
Ocorreu também de duas nações ocuparem - cada uma - uma margem do mesmo rio onde viviam povos da mesma etnia. As guerras e os massacres que desde o processo de independência até hoje ensanguentam os diferentes países da África têm sua origem nesses fatos.
Povos da mesma etnia, da mesma cultura, separados por uma política colonial que os ignorou, e que foram unidos a povos de outras etnias, às vezes rivais, e por isso lutam hoje, da mesma forma que lutaram durante séculos, muitas vezes usando os mesmo métodos bárbaros do passado, buscando a união com seus iguais que pertencem a países diferentes surgidos depois da descolonização.
É tão confusa a situação que restou do processo de colonização que resulta também confuso para o analista explicá-lo em poucas linhas. E se toda essa complexidade não fosse suficiente para aumentar a tragédia africana, existem ainda os resíduos da escravidão.
A mais esdrúxula das situações, é o caso da Libéria. Conhecida dos antigos egípcios desde época imemoriais, a costa da atual Libéria foi também colonizada, desde o século XV, por portugueses, holandeses e ingleses.
Essa parte da África negra, com esse nome, começa uma nova história a partir de 1818, quando exploradores dos Estados Unidos, financiados por milionários daquele país, ansiosos de se verem livres da “mancha negra” residual da escravidão, pois imaginavam que, com o passar dos tempos, fatalmente resultaria em uma forte miscigenação – terrível mal para o desejo de pureza racial dos WASPs (sigla de branco, anglo-saxão e protestante – isso, claro, em inglês – WASP, como se autodenomina a aristocracia dos Estados Unidos, de onde saíram os chamados “pais da pátria”) visitaram a região em busca de um espaço geográfico para repatriar todos os negros libertados da escravidão.
Dessa forma, em 1821, mediante o pagamento de uma vultosa soma, estabeleceu-se um acordo com os chefes que dominavam as áreas do litoral e, já no ano seguinte, foram enviados os primeiros ex-escravos como imigrantes.
 É preciso que se diga, porém, que dentro do conflito social gerado pela Guerra da Secessão, entre o norte industrializado e o sul agrícola e escravocrata, foi prometido pelos vencedores aos escravos recém-libertos, 20 acres de terra e uma mula, oferta que deveria representar uma espécie de indenização pelas mazelas da escravidão.
Entretanto, nos EUA da época, o capitalismo estava se consolidando, e tomando a sua forma que todos conhecemos.
Oferecer 20 acres e uma mula significava que os agraciados teriam que pagar pela dádiva, pois – todos sabemos! – no capitalismo, sistema nada fraterno e individualista, por excelência, “quem não trabalha não come”, mesmo não tendo onde trabalhar.
Então esse “altruísta” projeto fracassou. Ademais, nenhum estadunidense estava interessado em ajudar a se criar uma classe média (mesmo agrária) negra e, muito menos permitir que ela se desenvolvesse, o que levaria, fatalmente, a se consumar aquilo que aqueles brancos racistas que criaram aquele país mais temiam: miscigenação.
Bem, esses brancos – perdão, esses WASPs – racistas e arrogantes, que já tinham recebido a sua “terra prometida”, conseguida mediante a eliminação dos índios, graças a uma peculiar interpretação da bíblia, resolveram criar também para seus ex-escravos uma “terra prometida”.
Dessa forma, impunha-se mandar os negros de volta para a África. Assim nasceu a ideia de se ofertar aos ex-escravos para eles – também! – aquela Canaã.
Criado o novo país, que recebeu – ironia a parte – o nome de Libéria (cuja capital é Monróvia – em homenagem ao presidente Monroe, aquele que proclamou:
A América para os americano, entendendo-se por americanos os nascidos nos EUA), estava criada também uma nova forma de colonização, prática que depois se tornou comum na política externa dos estadunidenses, e que foi seguida com poucas exceções: não manter colônias, apenas “estados associados” – ligados a então nascente potência americana –, os quais, eventualmente, poderiam ser absolvidos como mais um estado da União. 
A terra prometida aos ex-escravos – que é considerado o primeiro país independente da África –, já nasceu dependente, pois, na prática, nunca passou de um protetorado das grandes empresas dos Estados Unidos, em particular, a Firestone Tire and Rubber Company para produzir látex para os seus pneus e demais produtos de borracha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário