quinta-feira, 4 de julho de 2019

HUMANITAS Nº 85 - JULHO DE 2019 - PÁGINA 6


O despertar da África - I
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

Considerada pela ciência atual – a antropologia, em particular – como o berço ancestral da espécie humana, uma vez que lá é que foi encontrado o fóssil mais antigo do Homo sapiens sapiens. A África foi também o lugar onde surgiram civilizações como Cartago, e a do Egito dos faraós, cujas ruínas de cidades importantes ainda assombram o presente.
O Homo sapiens teria tido origem na África, na Etiópia, em uma região chamada de chifre da África – aquela parte do litoral nordeste do continente que se projeta sobre o oceano Índico, abaixo do golfo de Áden, coincidindo com a atual Somália.
É de suma importância falar sobre a África no Brasil de hoje, com destaque para a Bahia, onde, via de regra, se pensa que só existe uma África: a negra. E ainda se imagina que a África negra é uma só. Ignora-se que mesmo aquela África que está situada ao Sul do Saara é uma complexa variedade de povos, etnias e línguas.
Em outras palavras, culturas das mais variadas, cujas tribos são, na maioria das vezes, hostis entre si, pois desconhecem e rejeitam quaisquer identidades culturais comuns.
Muito vivo está (ou deveria estar) na mente da humanidade os massacres que os Hútus praticaram contra os Tutsis, em Burundi, o que mostra que esses povos – como muitos outros da África negra – não se identificam com o chamado continente negro, mas com suas tribos.
Falar de África, para muitos negros que lá vivem, não se está falando de nada. Poder-se-ia mesmo dizer que África, africano, afro e outras palavras tão em uso no Brasil (na Bahia, em particular) possuem significado apenas entre nós.
O conflito entre os Hútus e os Tutsis não é único, poder-se-ia falar ainda da briga secular entre os zulus e os xhosas e os suazis, no espaço que hoje é a África do Sul. Ou ainda os conflitos entre os hauçás e fulas e desses dois grupos contra os iorubás, por exemplo, onde hoje é a Nigéria.
As origens desses conflitos vêm de muito “antigamente” – como diz a voz do povo –, perdurando até nossos dias, e foram um obstáculo ao processo de descolonização iniciado ao fim da Segunda Grande Guerra e que se manteve vivo durante o período da Guerra Fria, causando milhões de mortes e mutilados.
Antes de passar pela descolonização, a África negra, em seus primórdios – em diferentes épocas – conheceu o florescimento de uma série de impérios e estados, nascidos em consequência da submissão de grandes clãs e tribos ao poder de um único soberano de caráter feudal e guerreiro.
Como foi o caso, no século XIII, do império de Aksum, na Etiópia, e o que houve em Gana, desenvolvido entre os séculos V e XI e sucedido pelos estados muçulmanos de Mali (séculos XIII a XV) e de Songhai (séculos XV e XVI); o reino Abomey de Benin (século XVII); e a confederação zulu do sudeste africano (século XIX). 
Por volta do século XI ou um pouco antes, a presença europeia começa a se fazer sentir no continente, em particular na costa ocidental, tendo sido Portugal não só o pioneiro nessas incursões, como também o único, durante muitos séculos a dominar àquela região.
Nas suas pegadas vieram os franceses, ingleses e holandeses – e mais timidamente, os espanhóis.
Estes últimos procuravam o domínio da região e o estabelecimento de feitorias costeiras e portos que permitissem não só a exploração do marfim e do ouro, mas o tráfico de escravos, o qual era feito mediante a colaboração de alguns chefes nativos, que recebiam o pagamento de tributos, pelo número de escravos que apreendiam.
Para prender seus “irmãos” os chefes locais recebiam, muitas vezes, assistência militar dos colonizadores, o que permitia a formação de exércitos particulares, muitas vezes de escravos, cujas intenção era a de promover a guerra para capturar novos escravos.
Não demorou começaram as primeiras expedições pelo interior do continente: Charles-Jacques Poncet, na Abissínia, em 1700; James Bruce, em 1770, em busca da nascente do Nilo.
Mais: Friedrich Konrad Hornermann, no deserto da Líbia, em 1798; Henry Morton Stanley e David Livingstone, na bacia do Congo, em 1879.
Registremos que entre as viagens de exploração empreendidas, nos séculos XVIII e XIX, estão a primeira tentativa de atravessar o continente, do brasileiro Francisco José Lacerda e Almeida, governador de Moçambique em 1797.
E também a primeira travessia de fato, realizada pelos pombeiros (isto é, de negociantes que atravessavam o interior comerciando com indígenas) os mestiços Pedro João Batista e Amaro José, que em 1806 alcançaram o Kazembe e, cinco anos mais tarde, ligaram Angola a Moçambique.

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