quinta-feira, 27 de abril de 2017

HUMANITAS Nº 59 – MAIO DE 2017 – PÁGINA CINCO

CAPITALISMO SEM GRAÇA
Thomas Henrique de Toledo Stella é professor e historiador. Mora em São Paulo/SP

Esse mundo capitalista virou a coisa mais sem graça que já foi inventada.
A natureza segue sendo vorazmente devastada para dar lugar a cidades feias, sujas e poluídas.
Antes, cada país tinha sua arquitetura, hoje, com a tal "globalization", só se constrói arranha-céu de vidro.
O mesmo ocorre com as artes, em especial com a música, que é fabricada com melodia primária e refrão repetitivo para vender fácil.
O mundo virou uma cópia mal feita dos Estados Unidos e os personagens literários e seres mitológicos deram lugar a super-heróis patéticos de cinema, que são financiados pelo Pentágono para fazerem propagandas subliminares ou explícitas das guerras imperialistas.
Religião virou negócio, pura mercadoria na qual quanto mais mentira se conta, mais fiéis aparecem, talvez por que o mundo real é deveras sem graça para se acreditar que ele seja a única verdade.
Mas a religião é funcional ao sistema porque serve como um aliviador de tensão, um tipo de ópio que outros encontram no álcool ou vícios. Ao se converter (aleluia!) troca-se uma droga pela outra, mas a enfermidade na alma permanece.
As doenças físicas proliferam porque se come de tudo que não presta, para a felicidade da indústria farmacêutica que lucra com o tratamento, mas nunca com a cura.
Na mídia só se vê notícias mentirosas e enviesadas pelos interesses de patrocinadores. Entretenimento barato com filmes, novelas e esportes com enredo pré-definido e jogos de resultados combinados.
Tudo isto pra preencher a rotina do fim de semana porque ao longo dos dias é preciso levantar cedo e voltar tarde para trabalhar, enfrentando trânsito e confusão. A vida se resume a trabalhar para gastar e quanto mais se trabalha, mais se fica pobre. Quem não tem é infeliz por não ter e quem tem é infeliz porque descobre que o que tem não serve pra nada.
Ensinam que se deve defender até a morte esse sistema baseado na exploração de muitos e que leva à riqueza de poucos: é o escravo lambendo as botas do senhor, com muita convicção. Assim, as pessoas viraram gado, obedecendo fielmente aos ditames da grande mídia, da escola e da igreja, sempre para manter os mesmos ladrões corruptos no poder político e econômico, enquanto inventam-se bodes expiatórios para o espetáculo da condenação.
Redes sociais viram muros de lamentações desse mundo cinza e sem cor, hipócrita e ilusório.
Todos aprisionados em bolhas sociais nas quais se aprende a odiar quem é da outra bolha ou mesmo quem pensa uma vírgula diferente dentro da bolha. Afinal, deve-se cultuar o indivíduo e rejeitar tudo o que é público. O senso de coletividade, comunidade e sociedade se diluem no culto ao eu.
É cada um querendo passar a perna no outro, numa mistura de egoísmo e egolatria. Privada, privatização e privataria: dá vontade de dar descarga e mandar tudo isto para o esgoto de onde veio.
Sou dos que aprenderam a não deixar se levar por esse mundo e a criar a própria realidade. Poderia estar rico, desde que entrasse no jogo. Mas, e os outros, como ficam?
Não dá para sentir-se satisfeito rodeado de gente triste, nem achar-se consciente cercado de alienados. Já poderia ter me mudado para um meio de mato qualquer, onde sentir-me-ia pleno em contato com a natureza. Mas fico para ajudar os que ainda não acordaram e para ser uma pedra na engrenagem dessa máquina podre. Uma hora esse mundo desaba e quero estar entre aqueles que vão construir o novo.

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