quinta-feira, 27 de abril de 2017

HUMANITAS Nº 59 – MAIO DE 2017 – PÁGINA OITO

BOTECO: O ÚLTIMO REDUTO ROMÂNTICO DA BOEMIA

Os botecos são os últimos lugares boêmios românticos existentes no Brasil. Como bem dizia o grande dramaturgo Nelson Rodrigues, “O boteco é ressonante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele”.
É no boteco que amizades nascem e se perpetuam. É nele que o futebol e as provocações ganham eco. É nele que muitos casamentos começam, com risinhos charmosos e juras de amor, e também é nele e por causa dele onde tais relacionamentos têm fim.
Refletir sobre a relação entre o boteco e seus frequentadores é procurar compreender o discurso social em todos seus lados humanos. É procurar entender como se constrói a identidade do brasileiro.
Algo comum no Brasil é que o boteco é depreciado por diversos setores da sociedade. Quem deprecia é aquele ou aquela que gosta de alimentar a desigualdade social, ao considerar o boteco como algo sem valor.
Na verdade, o boteco é um lugar em que os brasileiros se sentem bem, como se estivessem em casa. Nele existe um clima de cumplicidade entre os frequentadores e o proprietário, e suas portas sempre estão abertas para todos.
Por outro lado, para ser popular, um boteco tem de ficar ligado à frequência das pessoas.
Será popular por viver sempre lotado e ser conhecido por todos das redondezas, tornando-se também ponto de encontro tanto para os homens como para as mulheres.
Hoje já é lugar comum que os botecos reúnam famílias e amigos para algumas horas de lazer e conversas agradáveis, batendo papo ou (dependendo de quanto cada um consumiu de bebida alcoólica) discutindo sobre política, futebol, música e outros assuntos.
Do boteco nascem filosofias e grandes pensamentos e também muita psicologia humana, quando as pessoas dão conselhos umas as outras.
Muitos nomes importantes da cultura brasileira, como Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Noel Rosa, Zeca Pagodinho, Chico Buarque criaram músicas, letras, peças teatrais frequentando os botecos da vida.
Petiscos tradicionais ou exclusivos do boteco não podem faltar para acompanhar as bebidas. Arrumadinho de charque, feijoada, caldinho de feijão, galinha à cabidela, sururu ao coco, caldinho de camarão, escondidinhos, entre outras iguarias que variam de boteco para boteco.
Por fim, o boteco jamais será aquele bar chique cheio de frescura. O boteco de verdade tem um ambiente liberal e despojado.
Os botecos nos deixam à vontade. Neles não ficamos com vergonha quando derramamos um copo de cerveja na mesa. Vergonha não, mas tristeza no coração por causa do desperdício. (Texto de Rafael Rocha)

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