PESSIMISMO E REALIDADE (Parte 3)
Divina de
Jesus Scarpim colaboradora deste Humanitas é professora e escritora.
Atua em São Paulo/SP
Sou branca, sou mulher, sou heterossexual,
sou paulista, sou brasileira, sou professora, sou classe média, sou velha, tive
lar, tive família, tive amor, tive acesso à educação, não tenho nenhum tipo de limitação
ou deficiência física, sou casada, nunca fui espancada pelo meu marido, sou mãe
de um filho heterossexual e intelectual e fisicamente “perfeito”.
Cada uma dessas características me torna
uma pessoa pertencente a um determinado grupo e em alguns tive “permissão” para internalizar algum tipo
de preconceito.
Em maior ou menor nível foi o que fiz e,
com o tempo, tive que observar, questionar, pensar e aprender muito para me
livrar deles.
Nunca tenho certeza de ter conseguido, por
isso continuo afiando minha empatia, me educando e me policiando.
A verdade sobre mim, se é que há alguma, é
que nunca estarei pronta e sempre serei aquela pessoa que não consegue entender
aqueles que não lutam contra seus preconceitos e que, ao contrário, se agarram
a eles como animais famintos.
Há pessoas que em lugar de tentar olhar
para aquele que é alvo de preconceito, desvia os olhos, propagando a “verdade” de que o preconceito não
existe porque somos um povo pacífico e
tolerante.
Há pessoas que em lugar de tentar se
colocar no lugar daquele que é alvo de preconceito fica procurando “justificativas” para poder dizer
absurdos como “Isso não é natural”,
“Homossexuais são todos promíscuos”, “Eu não sou homofóbico, mas...”.
Há pessoas que replicam entusiasticamente
frases do tipo “Feministas são mulheres
feias e mal-amadas”, “Mas isso é puro mimimi, somos todos iguais e todos podem
vencer na vida com o próprio esforço”, “Ela queria o quê, andando com essa
roupa?”, “Tá com pena? Leva pra sua casa!”, “Por que não tem o dia do orgulho
hétero?”, “Bandido bom é bandido morto”, “A história comprova, índio é tudo
vagabundo”.
Há pessoas que replicam, divulgam e, muito
pior, ensinam aos seus filhos todos esses “conceitos”,
todas essas “pérolas de sabedoria” e
outras “verdades” do tipo, sempre
destituídas de empatia, conhecimento, interesse, raciocínio, e verificação
honesta dos fatos.
E - o mais terrível - fazem isso com ênfase
e orgulho, sem qualquer resquício de bondade.
Muitas mandam mensagens de otimismo,
mensagens religiosas, mensagens positivas impregnadas de palavras adocicadas
como “amor”, “amizade”, “felicidade”,
“carinho”.
Muitas frequentam assiduamente igrejas,
templos, sinagogas, terreiros, encontros, retiros espirituais, marchas para
Jesus, e outros eventos e lugares de confraternização, sempre em nome de um
deus que, dizem, é todo bondade e amor.
E elas, as pessoas fiéis, pias, tementes,
se comportam nessas ocasiões, e em muitos casos também fora delas, como pessoas
que visivelmente se julgam santas, iluminadas, ilibadas.
Elas em geral demonstram sentir que são
almas puras ou, no mínimo, que estão a caminho da purificação. Espalham a “palavra”, divulgam sua fé, usam
camisetas e bijuterias com os símbolos que as distinguem como parte daquele
grupo privilegiado que terá direito a um lugar privilegiado “à mão esquerda de deus pai todo poderoso”.
Como elas conseguem é, para mim, um
mistério maior do que a questão do surgimento do universo.
Essas pessoas são más? São boas? Se não
podemos chegar a uma resposta definitiva sobre o que é o bem e o que é o mal,
nada mais previsível do que não haver resposta definitiva para essas duas
perguntas.
Nesse caso, posso dizer o que penso e
argumentar a respeito, e o farei: Essas pessoas são más! E, mais. Essas pessoas
são hipócritas e egoístas. Principalmente egoístas.
Mas, e essa é a parte mais difícil de
concluir e assumir: Elas não são assim tão diferentes de cada um dos que, como
eu, ficam indignados com esses comportamentos.
Cada um de nós, em algum nível, nos
comportamos como essas pessoas e o máximo que podemos dizer é que elas, ou
algumas delas, são mais nocivas do que nós, porque levam seu egoísmo a um grau
mais elevado do que a média dos seres humanos o fazem.
Isso se chama conviver com contradições, e
é o que melhor fazemos, de acordo com Yuval Noah Harari, e eu concordo
completamente com ele, apenas lamento muito mais... e isso talvez seja mais uma
mostra do meu egoísmo atávico.
Quem
me autorizou a, com base apenas em um livro de história que tem que cumprir
certos requisitos para ser considerado como tal, concluir que EU sou mais
sensível às mazelas da minha raça?
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