quinta-feira, 6 de março de 2014

OBJETOS

Texto de Antônio Carlos Gomes – Médico - Guarujá/SP
Publicado no HUMANITAS nº 20 - Março/2014 

O que caracteriza o ser humano é a posse de objetos. Pensem comigo:
O humano nasce prematuro, sendo o mais prematuro dos animais. Leva, ao contrário dos outros bichos, alguns anos para ter independência da mãe e nos primeiros dois anos é totalmente dependente.
Não tem a proteção de pelos. Acredita-se que se originou na Líbia e tinha o tamanho de um rato, não estando apto a grandes variações de temperatura, nem ao inverno gelado, nem de se submeter ao sol escaldante.
É dentre os predadores um dos mais fracos, tanto nas forças das mãos: sem garras; como na mandíbula incapaz de matar um animal pela apreensão.
Vivia originalmente em todas as cavernas como coletor e aproveitando restos. Era um ser com poucas chances de sobrevivência.
O meio que encontrou para sobreviver com tantas limitações foi o uso das mãos, inicialmente para jogar pedras e a seguir para lascá-las.
A passagem para a pedra lascada já exigiu uma organização, a pedra tem que ser separada no veio, caso contrário não serve, isto fez que dentro do grupo houvesse quem soubesse onde encontrar a pedra certa e outros que soubessem dividi-la, gerando desde já uma divisão para sobrevivência.
O uso dos dedos para fazer as armas e usá-las direcionou o desenvolvimento para as mãos, e com elas para os objetos que começaram a ser separados em com e sem utilidade. Aquele que possuísse um objeto “útil” seria invejado e se possível roubado, caso não conseguisse defendê-lo.
Em minha opinião de poeta, um dos fatores que motivou todo desenvolvimento da nossa espécie foi o contato com objetos.
Este contato criou claramente o sentimento de posse. Quem tem um objeto útil tem mais poder do que quem não o possui.
Este modelo perdura até hoje, onde a divisão de objetos é quase impossível. Basta ver que nosso sistema de castas ou classes sociais funciona quase sem mobilidade: Quem nasceu pobre, isto é, sem objetos, continuará pobre ao contrário dos “afortunados” que já nascem com as “posses”.
Enquanto os primeiros tentam por todos os meios conseguir objetos necessários, os segundos não abrem mão, com uma compulsão de acúmulo. A fala e o fogo, eu acho que são simultâneos, ou talvez posteriores. O que marca o frágil ser humano é a posse. Numa sociedade de bilhões de habitantes, não dá para continuar com alguns colecionando objetos em detrimento de outros.

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