quinta-feira, 24 de setembro de 2015

HUMANITAS Nº 40 – EDIÇÃO DE OUTUBRO DE 2015 - PÁGINA 7

Criança não pode ser só esperança...
Especial para o Humanitas

Ana Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras e colabora com o Humanitas há três anos. Escritora e jornalista em Belo Horizonte/MG

Analisando o projeto oficial do Criança Esperança - publicado pelos agentes do projeto - vejo que é uma campanha de uma Emissora de Televisão com a Unesco que atua na defesa dos direitos das crianças.
Ora, entendo que a palavra esperança significa algo que se espera. Algo para o amanhã, ou no mínimo para um futuro próximo. Mas a criança é o hoje, o agora, o que não se pode esperar a não ser na vida uterina, ainda assim, um esperar já vivenciado com todos os cuidados para que essa fase seja plena dos requisitos da saúde, do amor,  e até do emocional equilibrado dos que a esperam. Uma criança é um contexto resultante de um todo, resultado de um hoje muito bem vivido pelos que a cercam.
Já disse em uma crônica de minha obra não há filho feliz de mãe infeliz, nem vice-versa (A Coragem e a Delícia de Recomeçar; LEANDRO, M. Ana, Edit. Baraúna). Esperança é bom, mas não basta. Aliás, nem mesmo é válido isoladamente, porque o que mais se vê nos rincões brasileiros (e até em grandes metrópoles), é criança até sendo roubada em seus direitos.
É comum reportagens claras de tais absurdos até em roubo de merenda escolar (sendo que muitos lá vão principalmente para comer, porque em casa não há), estrutura de ensino, professores desestimulados e muitas vezes  despreparados para a tarefa.
Que esperança se pode ter neste quadro?
Sabe criança, você tem direito é à realidade! Aquela que está na nossa Constituição, afirmando que é seu direito garantido: a moradia decente, a melhor escola, o professor que ama sua tarefa porque ama você, através de seu trabalho educador. Para você a realidade tem de ser a alegria de brincar nas ruas sem medos de assaltos e estupros. Saber quem é seu genitor e se orgulhar de dizer que ele é um pai incorruptível e ela uma mãe que não a teve por acaso, mas porque a desejou.
Alguns dirão: não há realidade sem esperança de alcançá-la. Mas a esperança é só a esperança: um sentimento, uma emoção, um intuito. Se não nos unirmos num povo forte, unido, conduzido sob a égide da transparência, da justiça, da democracia autêntica, então a esperança de nada servirá, e não construirá a realidade que se pretende. Pergunta-se: e qual a prova que o povo tem, de que toda a verba usada no Criança Esperança de fato está sendo inteiramente utilizada em prol de você, criança?
Os gestores desta campanha usaram exatamente o que há de mais sensibilizador: VOCÊ! Não podia haver Marketing melhor.
Em nome de VOCÊ se consegue, tenho certeza, fábulas de dinheiro. Mas você tinha de ter toda uma maravilhosa realidade pelos direitos que lhe são legalmente outorgados, independente de doadores, muitos deles que talvez abafem seus próprios remorsos de colocar no mundo toda uma geração que precisa esmolar.
Foi um excelente Marketing, isto não se pode negar! Os maiores astros da mídia se dispuseram imediatamente à proposta, mesmo porque isto é em si um Marketing para eles. E para a emissora que os converge.
Quando vejo crianças e adolescentes dormindo debaixo de viadutos, usando papelões como colchão e papéis ou farrapos para se cobrirem pergunto: mas a que chamam de esperança? Esperança criada em alicerces de esmola (sim, o Criança Esperança, também é uma reunião de esmolas!). Quando vejo bebês nos colos de mães pedindo esmolas no trânsito, as mães barrigudas, talvez carregando uma nova esperança, me pergunto: a que chamamos esperança? Quando vejo ruas povoadas de crianças se drogando, roubando, matando, fazendo arrastões, me pergunto: mas onde estão as Crianças da Esperança?...
Eu sei... Talvez estejam em pequenos grupos, aqui e ali. Em projetos planejados por instituições que sabe-se lá, até que ponto utilizam a verba em benefício apenas das crianças. É difícil acreditar na verdade onde não haja uma total transparência de ações. 
Talvez seja mais que outra esperança seguida de ação o que este país precisa. Precisa de uma verdade: precisamos gerar gente, capaz por sua vez de gerar novas gerações, que não precisem esmolar...

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