Criança não pode ser só esperança...
Especial para o Humanitas
Ana
Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras e colabora com o Humanitas
há três anos. Escritora e jornalista em Belo Horizonte /MG
Analisando o
projeto oficial do Criança Esperança - publicado
pelos agentes do projeto - vejo que é uma campanha de uma Emissora de Televisão
com a Unesco que atua na defesa dos direitos das crianças.
Ora, entendo
que a palavra esperança significa algo que se espera. Algo para o
amanhã, ou no mínimo para um futuro próximo. Mas a criança é o hoje, o agora,
o que não se pode esperar a não ser na vida uterina, ainda assim, um esperar já
vivenciado com todos os cuidados para que essa fase seja plena dos requisitos
da saúde, do amor, e até do emocional
equilibrado dos que a esperam. Uma criança é um contexto resultante de um todo,
resultado de um hoje muito bem vivido pelos que a cercam.
Já disse em
uma crônica de minha obra não há filho feliz de mãe infeliz, nem vice-versa (A Coragem e a Delícia de Recomeçar;
LEANDRO, M. Ana, Edit. Baraúna). Esperança é bom, mas não basta. Aliás, nem
mesmo é válido isoladamente, porque o que mais se vê nos rincões brasileiros (e até em grandes metrópoles), é criança até
sendo roubada em seus direitos.
É comum
reportagens claras de tais absurdos até em roubo de merenda escolar (sendo que
muitos lá vão principalmente para comer, porque em casa não há), estrutura de
ensino, professores desestimulados e muitas vezes despreparados para a tarefa.
Que
esperança se pode ter neste quadro?
Sabe criança, você tem direito é à
realidade! Aquela que está na nossa Constituição, afirmando que é seu direito
garantido: a moradia decente, a melhor escola, o professor que ama sua tarefa
porque ama você, através de seu trabalho educador. Para você a realidade tem de
ser a alegria de brincar nas ruas sem medos de assaltos e estupros. Saber quem
é seu genitor e se orgulhar de dizer que ele é um pai incorruptível e ela uma
mãe que não a teve por acaso, mas porque a desejou.
Alguns
dirão: não há realidade sem esperança de alcançá-la. Mas a esperança é
só a esperança: um sentimento, uma emoção, um intuito. Se não nos unirmos num
povo forte, unido, conduzido sob a égide da transparência, da justiça, da
democracia autêntica, então a esperança de nada servirá, e não construirá a
realidade que se pretende. Pergunta-se: e qual a prova que o povo tem, de que
toda a verba usada no Criança Esperança
de fato está sendo inteiramente utilizada em prol de você, criança?
Os gestores
desta campanha usaram exatamente o que há de mais sensibilizador: VOCÊ! Não
podia haver Marketing melhor.
Em nome de VOCÊ
se consegue, tenho certeza, fábulas de dinheiro. Mas você tinha de ter toda uma
maravilhosa realidade pelos direitos que lhe são legalmente outorgados,
independente de doadores, muitos deles que talvez abafem seus próprios
remorsos de colocar no mundo toda uma geração que precisa esmolar.
Foi um
excelente Marketing, isto não se pode
negar! Os maiores astros da mídia se dispuseram imediatamente à proposta, mesmo
porque isto é em si um Marketing
para eles. E para a emissora que os converge.
Quando vejo
crianças e adolescentes dormindo debaixo de viadutos, usando papelões como
colchão e papéis ou farrapos para se cobrirem pergunto: mas a que chamam de
esperança? Esperança criada em alicerces de esmola (sim, o Criança Esperança, também é uma reunião
de esmolas!). Quando vejo bebês nos colos de mães pedindo esmolas no trânsito, as
mães barrigudas, talvez carregando uma nova esperança, me pergunto: a
que chamamos esperança? Quando vejo ruas povoadas de crianças se
drogando, roubando, matando, fazendo arrastões, me pergunto: mas onde estão as Crianças
da Esperança?...
Eu sei...
Talvez estejam em pequenos grupos, aqui e ali. Em projetos planejados por
instituições que sabe-se lá, até que ponto utilizam a verba em benefício apenas
das crianças. É difícil acreditar na verdade onde não haja uma total
transparência de ações.
Talvez seja
mais que outra esperança seguida de ação o que este país precisa. Precisa de
uma verdade: precisamos gerar gente, capaz por sua vez de gerar novas
gerações, que não precisem esmolar...
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