OS MUROS
Especial para o Humanitas
Texto
de Paulo Alexandre. Mestre em História. Mora e ensina no Recife/PE
“Precisamos de pontes, não de muros”, disse o papa Francisco,
numa celebração dominical que evocava os 25 anos da queda do Muro de Berlim.
Esta alusão a
muros e pontes é recorrente e tem variáveis em torno da mesma ideia: escolhemos
insistentemente a divisão em vez da união.
Muros são
personagens históricos quase vívidos, impondo-se firmes e verticalmente como
opressores, separando aquilo que não se quer unido, dividindo aquilo que não se
quer somado.
Muros remontam a
nosso berçário civilizacional, quando grupos antigos montavam obstáculos
físicos para deter inimigos e garantir seus domínios.
As cidades
antigas eram muradas e também passaram a ser murados alguns limites mais
amplos, demarcando mundos distintos de humanos distintos.
Entre os anos 122
e 126 o imperador romano Adriano mandou erigir o Vallum Aelium, que
passou a ser reconhecido com naturalidade como a Muralha de Adriano e tinha
propósito defensivo militar estratégico, mas também deixava clara a ideia de
que do lado de lá da estrutura estava uma outra natureza de homens, os
bárbaros, as tribos animalescas que não eram assemelhadas ao esplendor de Roma.
Séculos e muros
depois, na Alemanha (ou nas Alemanhas) o Muro de Berlim traçava os limites
entre modelos sociais e projetos políticos que se afirmavam como opostos.
Este muro durou
relativamente pouco, mas os simbolismos em torno dele são presentes e serão
duradouros e por isso mesmo referenciam outras muralhas demarcatórias e
divisionistas.
O Muro de Israel
construído sobre a Palestina e sobre os palestinos é outra obra de nossa
engenharia da truculência e está ainda em expansão, traçando uma abusiva
fronteira tridimensional de concreto em terras tomadas dos palestinos por meio
dos assentamentos israelenses irregulares que são fincados diante do silêncio
omisso (ou conivente e até parceiro) do Ocidente.
Como a divisão é
uma vocação que os poderosos exercem como uma missão, o novo muro em evidência
é o ianque, que foi elevado a uma condição de obsessão pelo presidente
Trump.
O presidente de
franja quer que os mexicanos paguem pelo muro que é seu projeto populista de
ludibriar os ianques, imputando aos estrangeiros pobres que cruzam a
fronteira as mazelas que não foram produzidas por eles.
Mister Trump
condena os mexicanos pelo narcotráfico que “invade”
os EUA, mas não se atém ao fato de que seus compatriotas são os maiores
consumidores de drogas do mundo e o maior mercado do mundo gera oferta.
O capitalismo que
Trump segue como religião funciona assim: se há demanda abundante a oferta
buscará satisfazer o mercado, logo, com muro ou sem mexicanos não faltarão
depois fornecedores e estrangeiros a quem culpar pelo pecado pátrio.
O Muro de Trump é
um projeto velho. É resultado de uma perspectiva antiga que também rotula e
estabelece uma divisão fundada em poder e presunção.
Os bárbaros ao
sul do muro são os mexicanos do México e os mexicanos genéricos até a
Patagônia. Somos esses mexicanos também, embora muitos de nós não tenham
percebido.
Que o Muro de
Trump nos sirva como lição sobre o que queremos para a América Latina, pois ou
o concreto nos subjuga ou nos faz entender que precisamos de um novo rumo para
os americanos ao sul do Rio Bravo, um rumo nosso, integrado e próspero porque
esta América Latina de veias abertas sobre a qual escreveu o uruguaio Eduardo
Galeano precisa gerar riqueza também para os seus filhos.
O general
nacionalista mexicano Porfírio Díaz governou seu país em duas oportunidades e
proferiu uma sábia verdade sobre a situação de sua terra: "Pobre México: tão longe de Deus e tão perto dos EUA".
Que o lamento de
Díaz deixe de ser uma dolorida constatação para os mexicanos do México e para
os demais mexicanos dos outros Méxicos da América Latina. E que nossas elites não tenham a cabeça, o
coração e os interesses do outro lado do muro.
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