segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

HUMANITAS Nº 57 – MARÇO DE 2017 – PÁGINA SETE

OS MUROS
Especial para o Humanitas

Texto de Paulo Alexandre. Mestre em História. Mora e ensina no Recife/PE

“Precisamos de pontes, não de muros”, disse o papa Francisco, numa celebração dominical que evocava os 25 anos da queda do Muro de Berlim.
Esta alusão a muros e pontes é recorrente e tem variáveis em torno da mesma ideia: escolhemos insistentemente a divisão em vez da união.
Muros são personagens históricos quase vívidos, impondo-se firmes e verticalmente como opressores, separando aquilo que não se quer unido, dividindo aquilo que não se quer somado.
Muros remontam a nosso berçário civilizacional, quando grupos antigos montavam obstáculos físicos para deter inimigos e garantir seus domínios.
As cidades antigas eram muradas e também passaram a ser murados alguns limites mais amplos, demarcando mundos distintos de humanos distintos.
Entre os anos 122 e 126 o imperador romano Adriano mandou erigir o Vallum Aelium, que passou a ser reconhecido com naturalidade como a Muralha de Adriano e tinha propósito defensivo militar estratégico, mas também deixava clara a ideia de que do lado de lá da estrutura estava uma outra natureza de homens, os bárbaros, as tribos animalescas que não eram assemelhadas ao esplendor de Roma.
Séculos e muros depois, na Alemanha (ou nas Alemanhas) o Muro de Berlim traçava os limites entre modelos sociais e projetos políticos que se afirmavam como opostos.
Este muro durou relativamente pouco, mas os simbolismos em torno dele são presentes e serão duradouros e por isso mesmo referenciam outras muralhas demarcatórias e divisionistas.
O Muro de Israel construído sobre a Palestina e sobre os palestinos é outra obra de nossa engenharia da truculência e está ainda em expansão, traçando uma abusiva fronteira tridimensional de concreto em terras tomadas dos palestinos por meio dos assentamentos israelenses irregulares que são fincados diante do silêncio omisso (ou conivente e até parceiro) do Ocidente.
Como a divisão é uma vocação que os poderosos exercem como uma missão, o novo muro em evidência é o ianque, que foi elevado a uma condição de obsessão pelo presidente Trump.
O presidente de franja quer que os mexicanos paguem pelo muro que é seu projeto populista de ludibriar os ianques, imputando aos estrangeiros pobres que cruzam a fronteira as mazelas que não foram produzidas por eles.
Mister Trump condena os mexicanos pelo narcotráfico que “invade” os EUA, mas não se atém ao fato de que seus compatriotas são os maiores consumidores de drogas do mundo e o maior mercado do mundo gera oferta.
O capitalismo que Trump segue como religião funciona assim: se há demanda abundante a oferta buscará satisfazer o mercado, logo, com muro ou sem mexicanos não faltarão depois fornecedores e estrangeiros a quem culpar pelo pecado pátrio.
O Muro de Trump é um projeto velho. É resultado de uma perspectiva antiga que também rotula e estabelece uma divisão fundada em poder e presunção.
Os bárbaros ao sul do muro são os mexicanos do México e os mexicanos genéricos até a Patagônia. Somos esses mexicanos também, embora muitos de nós não tenham percebido.
Que o Muro de Trump nos sirva como lição sobre o que queremos para a América Latina, pois ou o concreto nos subjuga ou nos faz entender que precisamos de um novo rumo para os americanos ao sul do Rio Bravo, um rumo nosso, integrado e próspero porque esta América Latina de veias abertas sobre a qual escreveu o uruguaio Eduardo Galeano precisa gerar riqueza também para os seus filhos.
O general nacionalista mexicano Porfírio Díaz governou seu país em duas oportunidades e proferiu uma sábia verdade sobre a situação de sua terra: "Pobre México: tão longe de Deus e tão perto dos EUA".
Que o lamento de Díaz deixe de ser uma dolorida constatação para os mexicanos do México e para os demais mexicanos dos outros Méxicos da América Latina. E que nossas elites não tenham a cabeça, o coração e os interesses do outro lado do muro.

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