segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

HUMANITAS Nº 57 – MARÇO DE 2017 – PÁGINA CINCO

PREGUIÇA BAIANA
Especial para o Humanitas
Texto de Araken Vaz Galvão. Escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Mora em Valença/BA

Alguém me enviou, não me lembro quem, a informação de que a antropologista baiana, Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, ao defender sua tese de mestrado, na USP, afirmara, escudada em uma pesquisa que durou quatro anos, que a famosa “malemolência” ou preguiça baiana, na verdade, não passava de racismo.
Afirmava, ademais, que a visão de que o morador da Bahia vive em clima de “festa eterna” não passa de discriminação, já que, segundo sua pesquisa, o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil.
O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou, e Zanlorenzi concluiu, após sua longa pesquisa, que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população do nosso Estado.
Sempre acompanhando o que diz a informação que me foi repassada, no seu estudo ela mostra que a elevada porcentagem de negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos tem um teor racista.
Antes de continuar, data vênia, salvo melhor juízo – antes que me classifique de racista – este 79% da população baiana ser negra ou mestiça, configura-se uma verdade acabada, mas nunca comprovada. Alguém chuta um número e este chute começa a se tornar incontestável.
Seria válido em relação a Salvador, Recôncavo e a zona hoje chamada de Baixo-Sul. O que não significa nem 30% de um Estado que tem a mesma extensão territorial da França e uns 13 milhões de habitantes.
No sertão o quadro étnico é bem diferente e a miscigenação com o negro – ou melhor, com as negras – foi bem menor. Inclusive se encontram no interior – no sertão – várias, se não a maioria, das comunidades remanescentes de quilombos, ou seja, composta apenas de negros, o que comprovaria a relatividade da miscigenação negra geral.
Da mesma forma que entre esses “negros e pardos”, encontram-se muito cafuzos, já que o contato do negro com a índia foi bem maior do que nos impõem as atuais análises “negristas”.
Voltando à tese de Zanlorenzi, ela continua afirmando que a imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por meio da elite portuguesa, que considerava os escravos indolentes e preguiçosos, devido às evidentes expressões faciais de desgosto e de lentidão na execução dos serviços. Afinal, como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão? Certíssimo, aliás!
Zanlorenzi afirma que de nossa terra o clichê de preguiçoso se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir das migrações da década de 40.
Todos os que chegavam do Nordeste viraram baianos.
Chamá-los de preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos).
Eles eram taxados como desqualificados, estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de “proteção” dos seus empregos.
Sua pesquisa demonstra ainda que é no Rio de Janeiro onde existem mais dos chamados “desocupados” (pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings, praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados brasileiros.
Longe de mim – baiano convicto e histórico – discordar da ilustre mestranda, mas não entendo porque tanta celeuma em relação à preguiça. Por quê?
Sempre que vejo esse assunto em pauta, vem à mente um filme de Buñuel, no qual um personagem masculino – refinado burguês, quiçá com certo ar de aristocrata – ensina a um jovem mudo e pobre, que trabalho é atividade das bestas, tomada esta palavra no seu sentido etimológico, e não no seu sentido popular de bobo.
Por que se glorifica tanto o trabalho – em detrimento da preguiça – se o resultado do trabalho, quase sempre é canalizado para a algibeira alheia?
Não é por acaso que o povo diz: Quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro...

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