PREGUIÇA BAIANA
Especial para o Humanitas
Texto de Araken Vaz Galvão. Escritor e membro da Academia de Artes
do Recôncavo. Mora em Valença/BA
Alguém
me enviou, não me lembro quem, a informação de que a antropologista baiana,
Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, ao defender sua tese de mestrado, na USP,
afirmara, escudada em uma pesquisa que durou quatro anos, que a famosa “malemolência” ou preguiça
baiana, na verdade, não passava de racismo.
Afirmava, ademais, que a visão de que o
morador da Bahia vive em clima de “festa eterna” não passa de discriminação,
já que, segundo sua pesquisa, o baiano é muitas vezes mais eficiente que o
trabalhador das outras regiões do Brasil.
O objetivo da tese foi descobrir como a
imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou, e Zanlorenzi concluiu, após
sua longa pesquisa, que a imagem da preguiça derivou do discurso
discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população
do nosso Estado.
Sempre acompanhando o que diz a informação
que me foi repassada, no seu estudo ela mostra que a elevada porcentagem de
negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos
tem um teor racista.
Antes de continuar, data vênia, salvo
melhor juízo – antes que me classifique de racista – este 79% da população
baiana ser negra ou mestiça, configura-se uma verdade acabada, mas nunca
comprovada. Alguém chuta um número e este chute começa a se tornar
incontestável.
Seria válido em relação a Salvador,
Recôncavo e a zona hoje chamada de Baixo-Sul. O que não significa nem 30% de um
Estado que tem a mesma extensão territorial da França e uns 13 milhões de
habitantes.
No sertão o quadro étnico é bem diferente e
a miscigenação com o negro – ou melhor, com as negras – foi bem menor.
Inclusive se encontram no interior – no sertão – várias, se não a maioria, das
comunidades remanescentes de quilombos, ou seja, composta apenas de negros, o
que comprovaria a relatividade da miscigenação negra geral.
Da mesma forma que entre esses “negros e pardos”, encontram-se
muito cafuzos, já que o contato do negro com a índia foi bem maior do que nos
impõem as atuais análises “negristas”.
Voltando à tese de Zanlorenzi, ela continua
afirmando que a imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por
meio da elite portuguesa, que considerava os escravos indolentes e preguiçosos,
devido às evidentes expressões faciais de desgosto e de lentidão na execução
dos serviços. Afinal, como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão?
Certíssimo, aliás!
Zanlorenzi afirma que de nossa terra o
clichê de preguiçoso se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir
das migrações da década de 40.
Todos os que chegavam
do Nordeste viraram baianos.
Chamá-los de
preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos
trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos).
Eles eram taxados como desqualificados,
estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de “proteção” dos seus empregos.
Sua pesquisa demonstra ainda que é no Rio
de Janeiro onde existem mais dos chamados “desocupados”
(pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings,
praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da
semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados
brasileiros.
Longe de mim – baiano convicto e histórico
– discordar da ilustre mestranda, mas não entendo porque tanta celeuma em
relação à preguiça. Por quê?
Sempre que vejo esse assunto em pauta, vem
à mente um filme de Buñuel, no qual um personagem masculino – refinado burguês,
quiçá com certo ar de aristocrata – ensina a um jovem mudo e pobre, que
trabalho é atividade das bestas, tomada esta palavra no seu sentido
etimológico, e não no seu sentido popular de bobo.
Por que se glorifica tanto o trabalho – em
detrimento da preguiça – se o resultado do trabalho, quase sempre é canalizado
para a algibeira alheia?
Não é por acaso que o povo diz: Quem trabalha não tem tempo para ganhar
dinheiro...
Nenhum comentário:
Postar um comentário