quarta-feira, 1 de novembro de 2017

HUMANITAS EDIÇÃO Nº 65 – NOVEMBRO 2017 – PÁGINA 2

EDITORIAL


Anos de chumbo

A mais duradoura ditadura da história da república brasileira foi instalada no dia 1º de abril de 1964, através de um golpe de estado igual a tantos que ocorreram na América Latina, sob o patrocínio dos capitalistas ianques.
Foi a mais brutal ditadura instalada no país. O autoritarismo militar, apoiado por uma parcela da sociedade civil, deu lugar à supressão dos direitos do cidadão, à censura, perseguições, torturas, prisões, desaparecimentos e mortes. Felizmente, quanto mais forte se tornou o autoritarismo, maior foi a resistência.
Hoje, passados mais de 50 anos daquela época fatídica ainda existem pessoas que aplaudem e apoiam os atos desumanos e radicais, endeusando os violadores dos direitos da raça humana entre os anos de 1964 e 1985.
Os “anos de chumbo” permanecem vivos nas memórias dos sobreviventes que buscam repassar a verdade dessa época aos jovens de hoje, mostrando os sofrimentos e as dores de uma geração. Geração que lutou com denodo pelo retorno do estado de direito ao Brasil, e que foi golpeada com a morte e desaparecimento de muitos dos seus líderes.
Hoje, em pleno Século XXI, com avanços tecnológicos diários, ainda vemos políticos e pessoas públicas, querendo o retorno de um “embuste” para usufruir do poder e dominar melhor o pensamento humano.
Um governante ilegítimo foi alçado ao poder através de um golpe de estado judicial/parlamentar/midiático, como se querendo que a terra de nossos ancestrais continue a ser uma terra perdida cheia de almas torturadas.
Lamentável que nosso povo ainda não tenha subjugado as “feras fascistas” e que muitas pessoas ainda hoje aplaudam muitas dessas “feras” como “salvadoras da pátria”.
................................................
Tédio

Araken Vaz Galvão – Colaborador do Humanitas – Valença/BA

Cansado, mudou de posição. O peso do seu corpo, que estava apoiado sobre o braço esquerdo, foi passado para o direito.
Sabia que estava só, mas isso não era motivo para preocupação, pois era inerente à sua condição e, ultimamente não contara com outra companhia do que a da solidão. O tédio que sentia, talvez fosse dos anos.
Estava velho. A sua idade não era medida por séculos, mas sentida por milênios.
Sabia que nem sempre era bem visto por seu próprio rebanho, muitos o julgavam preguiçoso. Que trabalhara apenas seis dias e descansara no sétimo.
Melhor não houvesse trabalhado um dia sequer – dizia-se, em seus raros momentos de mau humor, pois era tido como muito tolerante e complacente.
Estado esse que era atribuído como coisas da velhice, embora aquele fosse um conceito que não deveria ser aplicado a ele.
Começou a sentir sono. Mesmo sabendo que estava só, que não era observado, disso tinha certeza, mesmo assim, olhou à direita e a esquerda.
Sabia que dentro de pouco estaria dormitando. Sua face nunca fora vista por nenhum homem. Ao pensar nessa solidão, sentiu o sono aumentar.
Quase cochilando, levou o dedo indicador ao nariz – melhor seria dizer: às fossas nasais – e retirou a secreção solidificada, em um gesto que, em outra pessoa, seria considerado anti-higiênico ou que feria os princípios da boa educação, mas que, em pessoa de sua grandeza, tornara-se a única tarefa que executava fazia séculos.
Isso feito, depois de preparar uma esfera, não muito perfeita, com o que extraíra do nariz, jogou-a à sua volta. Era um novo corpo a mais dos muitos que criara, atirado a esmo no espaço sem fim que a tudo envolvia sem nada a limitar.
 O sono começou a dominar seus pensamentos e ações. Em um daqueles globos que sistematicamente lançava as secreções sólidas do seu nariz, a esmo no espaço, seres comemoravam a passagem do tempo. Diziam: Feliz Ano Novo. Era uma saudação sem sentido, em seu universo o tempo não contava; só a eternidade.
Fechou os olhos e começou a cochilar de verdade, como o fazem todos os velhos. Em nenhum momento voltou a pensar naquilo que tinha criado. Talvez até sonhasse.
Quem disse que não poderia fazê-lo? Logo ele, criador de sonhos e pesadelos! Afinal, o que havia de errado em sonhar com os homens que o tinham esquecido?

Nenhum comentário:

Postar um comentário