EDITORIAL
Anos de chumbo
A
mais duradoura ditadura da história da
república brasileira foi instalada no dia 1º de abril de 1964, através de um
golpe de estado igual a tantos que ocorreram na América Latina, sob o
patrocínio dos capitalistas ianques.
Foi a mais brutal ditadura instalada no
país. O autoritarismo militar, apoiado por uma parcela da sociedade civil, deu
lugar à supressão dos direitos do cidadão, à censura, perseguições, torturas,
prisões, desaparecimentos e mortes. Felizmente, quanto mais forte se tornou o
autoritarismo, maior foi a resistência.
Hoje, passados mais de 50 anos daquela
época fatídica ainda existem pessoas que aplaudem e apoiam os atos desumanos e
radicais, endeusando os violadores dos direitos da raça humana entre os anos de
1964 e 1985.
Os “anos de chumbo” permanecem vivos
nas memórias dos sobreviventes que buscam repassar a verdade dessa época aos
jovens de hoje, mostrando os sofrimentos e as dores de uma geração. Geração que
lutou com denodo pelo retorno do estado de direito ao Brasil, e que foi golpeada
com a morte e desaparecimento de muitos dos seus líderes.
Hoje, em pleno Século XXI, com avanços
tecnológicos diários, ainda vemos políticos e pessoas públicas, querendo o
retorno de um “embuste” para usufruir do poder e dominar melhor o
pensamento humano.
Um governante ilegítimo foi
alçado ao poder através de um golpe de estado judicial/parlamentar/midiático,
como se querendo que a terra de nossos ancestrais continue a ser uma terra
perdida cheia de almas torturadas.
Lamentável que nosso povo ainda não tenha
subjugado as “feras fascistas” e que muitas pessoas ainda hoje aplaudam muitas
dessas “feras” como “salvadoras da pátria”.
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Tédio
Araken Vaz Galvão – Colaborador do Humanitas
– Valença/BA
Cansado,
mudou de posição. O peso do seu corpo, que estava apoiado sobre o braço
esquerdo, foi passado para o direito.
Sabia que estava só, mas isso não era
motivo para preocupação, pois era inerente à sua condição e, ultimamente não
contara com outra companhia do que a da solidão. O tédio que sentia, talvez
fosse dos anos.
Estava velho. A sua idade não era medida
por séculos, mas sentida por milênios.
Sabia que nem sempre era bem visto por seu
próprio rebanho, muitos o julgavam preguiçoso. Que trabalhara apenas seis dias
e descansara no sétimo.
Melhor não houvesse trabalhado um dia
sequer – dizia-se, em seus raros momentos de mau humor, pois era tido como
muito tolerante e complacente.
Estado esse que era atribuído como coisas
da velhice, embora aquele fosse um conceito que não deveria ser aplicado a ele.
Começou a sentir sono. Mesmo sabendo que
estava só, que não era observado, disso tinha certeza, mesmo assim, olhou à
direita e a esquerda.
Sabia que dentro de pouco estaria
dormitando. Sua face nunca fora vista por nenhum homem. Ao pensar nessa
solidão, sentiu o sono aumentar.
Quase cochilando, levou o dedo indicador ao
nariz – melhor seria dizer: às fossas nasais – e retirou a secreção
solidificada, em um gesto que, em outra pessoa, seria considerado anti-higiênico
ou que feria os princípios da boa educação, mas que, em pessoa de sua grandeza,
tornara-se a única tarefa que executava fazia séculos.
Isso feito, depois de preparar uma esfera,
não muito perfeita, com o que extraíra do nariz, jogou-a à sua volta. Era um
novo corpo a mais dos muitos que criara, atirado a esmo no espaço sem fim que a
tudo envolvia sem nada a limitar.
O
sono começou a dominar seus pensamentos e ações. Em um daqueles globos que
sistematicamente lançava as secreções sólidas do seu nariz, a esmo no espaço,
seres comemoravam a passagem do
tempo. Diziam: Feliz Ano Novo. Era uma saudação sem sentido, em seu universo o
tempo não contava; só a eternidade.
Fechou os olhos e começou a cochilar de
verdade, como o fazem todos os velhos. Em nenhum momento voltou a pensar
naquilo que tinha criado. Talvez até sonhasse.
Quem disse que não poderia fazê-lo? Logo
ele, criador de sonhos e pesadelos! Afinal, o que havia de errado em sonhar com
os homens que o tinham esquecido?
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